sexta-feira, outubro 28, 2011

Estamos em guerra



Eu planeava analisar uma série de questões relativas à situação actual do país através das conversas do Dr. Jordan; é que dado que parece não haver experts nacionais, a solução é pensarmos nós pela nossa cabeça, e é para isso que surge o dr. Jordan. Porém, preciso agora de dedicar a minha atenção a outros assuntos, pelo que optei por colocar já este texto onde faço uma resenha dos 10 aspectos que me parecem mais importantes neste momento. Penso que, apesar das limitações do texto, darão por bem empregues os 5 minutos que gastarem a ler isto, pois pelo menos novos pontos de vista são apresentados.

1 – O mito da construção pacífica da união europeia

Muitas pessoas encaram o projecto europeu como uma tentativa de replicar os EUA, entendidos como uma união pacífica de estados. Ora não há qualquer semelhança, os EUA são basicamente um grande país construído pela força e altamente regionalizado. Vejamos a história.
   Os EUA nasceram quando as 13 colónias britânicas na costa atlântica do continente americano se uniram para conquistarem a sua independência; esta união foi depois desfeita pelos 7 estados do Sul, os quais foram em seguida conquistados militarmente pelos estados do norte. O pretexto moral para esta conquista (todas as guerras precisam de um pretexto moral) foi a abolição da escravatura; a verdadeira razão foi a de que os estados do norte precisavam da agricultura dos estados do Sul e ou os conquistavam ou teriam de lhes comprar comida.
   Os restantes territórios que hoje formam os EUA, e que são a maioria, foram obtidos por conquista ou por compra. Portanto, os EUA que conhecemos hoje não nasceram de nenhum projecto de união pacífica, nasceram de um projecto de ocupação e conquista. Os EUA não são nenhum modelo de construção pacífica de uma união de países; onde está tal modelo?

2 – O projecto de uma união europeia foi sempre um projecto de conquista.

O projecto da União Europeia sempre foi um projecto de conquista dos países do sul pela Alemanha, acolitada pela França. Sempre. Os economistas americanos sempre o perceberam e disseram. E isso é evidente pelas regras estabelecidas. Senão vejamos duas delas:


a)  Abertura das fronteiras. Como é óbvio, se não há barreiras alfandegárias entre dois países com diferente capacidade, o país mais forte leva o mais fraco à falência. Foi para evitar esse desfecho fatal que se inventaram as alfândegas. O fim das fronteiras na Europa tem um resultado incontornável: a Alemanha ficará sucessivamente credora de todos os outros países europeu


b) Os quadros de apoio. É sabido que injectar dinheiro produz fatalmente uma consequência: aumento da corrupção. A corrupção resulta do balanço entre benefícios e riscos e quando se aumenta os benefícios sem aumentar o risco, a corrupção dispara. Por outro lado, grande parte desse dinheiro destinou-se e destina-se ainda a pagar a não-produção daquilo que são as produções naturais do país. Se não vamos produzir alimentos, vamos produzir o quê? Aviões?

3 – Quais são os objectivos do projecto europeu?

Os dois que nos interessam são os seguintes:

a)      Mão-de-obra barata. A progressiva implementação do estado social faz subir os encargos com a mão-de-obra. Isso não é um problema no mercado interno, antes pelo contrário, porque aumenta também o poder de compra; mas é um problema para quem quer concorrer no mercado global. É por isso que surgem soluções como empresas em navios ou a deslocalização para zonas onde há excesso de população, logo mão-de-obra barata, como fazem os EUA no norte do México. Onde vão as empresas francesas e alemãs encontrar uma zona onde possam pagar os ordenados que se praticam no México ou no Sudeste asiático? A análise do problema mostra que isso só é possível num país do Sul da Europa, onde os custos de sobrevivência são muito mais baixos do que nos países frios. E só é possível se não houver integração europeia, porque se houver as leis de trabalho têm de ser as mesmas e já não é possível o trabalho escravo – é por isso que as empresas americanas estão no norte do México e não no sul dos EUA. O projecto europeu nunca foi um projecto de integração, foi sempre um projecto de «mexicanização do Sul».

b)      Continuação da predação dos países do Sul. Os países do norte da Europa, à excepção dos países nórdicos, sempre foram predadores dos países do Sul. Os piratas e corsários, cuja actividade consistia em pilhar os navios mercantes dos países do Sul, eram (e ainda são) considerados heróis nos seus países. Os ingleses vieram produzir vinho em Portugal para não terem de o importar de França, pagando miseravelmente aos portugueses. As empresas mineiras levam o minério daqui e só cá deixam ficar os ordenados. Os Hotéis, aldeamentos turísticos, agências de viagem estrangeiras exploram o nosso clima mas só cá deixam os ordenados. É como se nós fossemos a um país Árabe buscar petróleo e só lá deixássemos ordenados de miséria, o petróleo vinha de borla. Isso já não é possível fazer em parte alguma do mundo excepto aqui. O projecto europeu tem sido um sucesso para os países do norte porque institucionalizou esta predação que é hoje impensável mesmo no mais atrasado país africano. E isto é impensável porque conduz à perpetuação da miséria - os ordenados assim nunca saem do mínimo de sobrevivência. Por isso, onde os governantes governam para o povo e não para si, isso é impossível.

4 – O projecto europeu visa dar-nos as condições de vida dos países do norte?

Não. O objectivo é obter mão-de-obra ao mínimo custo para as indústrias que operam no mercado global. É isso que pretendem medidas como a redução da TSU que, na prática, corresponde a uma redução do ordenado do trabalhador, ou o corte do 13º e 14º mês. A diminuição do poder de compra vai destruir as empresas nacionais, que produzem para o mercado interno, e favorecer as empresas que produzem produtos de grande mercado – que são só empresas estrangeiras, pois as portuguesas só são viáveis na produção de bens que não se disputam pelo preço mas pelas características. A redução de ordenados serve unicamente os interesses das empresas estrangeiras. Notem ainda um aspecto: a redução que está a ser feita afecta muito mais quem ganha pouco, pois é muito diferente cortar 14% num ordenado de 1000 euros ou num de 5000; esta desigualdade no esforço que está ser pedido não é por acaso ou por burrice: o objectivo é cortar os ordenados dos operários e não se pode fazer isso sem o cortar pelo menos na mesma percentagem nos outros, seria escandaloso. O objectivo do projecto europeu é garantir operários baratos, muito baratos.
     Notem ainda outra coisa: estes cortes todos mal dão para pagar os juros dos encargos devidos ao buraco do BPN/BPP, mais o negócio sujo dos submarinos; são de quem as contas do BPN que andamos a pagar? Andamos a pagar os negócios sujos dos capitalistas que deram para o torto porque exploraram os pobres para além do limite suportável? Andamos a pagar submarinos que, ao que me consta, custaram o triplo do que aos gregos? Dado que até os próprios alemães já condenaram pessoas no caso dos submarinos, muito facilmente se renegociaria o preço deles para 1/3 ou menos. Mas isso não interessa, porque o único objectivo é baixar os ordenados.

5 – Mas porque é que não se fez um verdadeiro projecto de união europeia?

Num verdadeiro projecto de união, todos os povos europeus ficariam igualmente desenvolvidos e teriam os mesmos direitos. Ora para a Alemanha e a França isso não tem interesse; que interesse têm eles em que os Portugueses ganhem tanto como eles? Para lhes comprarem coisas? O que lhes interessa é o mercado global, estes 10 milhões de consumidores não contam para isso. Porém, como mão-de-obra barata, estes 10 milhões são priceless. Mas para serem usados como mão-de-obra barata, os cidadãos portugueses não podem ser equiparados aos franceses ou alemães, não é? Logo, não pode haver integração europeia...

É por isso que é indispensável «Salvar Portugal», como o PM constantemente apregoa. Se Portugal fosse integrado num esquema europeu, os portugueses passavam a ter os mesmos direitos dos outros «europeus» e já não poderiam ser escravos. Salvar Portugal” é indispensável à "mexicanização" do sul da Europa. Salvar Portugal para garantir que os portugueses não se salvam.

6 – Há outra forma de fazer um projecto europeu?

Claro que há! Por exemplo, em vez de fazer uma união de países fazia-se uma união de regiões, entre 5 e 15 milhões de habitantes cada. Isso é fácil, porque essas regiões já existem, os países estão regionalizados. Mas há outras soluções, mesmo mantendo o figurino de países.

7 – Mas não há outros países pequenos que conseguem ser bem-sucedidos no quadro actual?

Sabem qual é o grande negócio dos países pequenos do norte? Holanda, Luxemburgo, Liechtenstein, Irlanda? São plataformas de circulação de dinheiro para Offshores. Têm até legislação específica para esta actividade. Um exemplo: a “nossa PT” tem sede na Holanda para onde desvia os lucros fabulosos que obtém aqui, paga lá uma pequena taxa e manda o resto para uma Offshore. Todas ou quase todas as grandes empresas, nacionais e estrangeiras, que aqui andam, fazem isso.
     Notem que isto nem significa que os países pequenos só possam ser viáveis com esquemas destes – a Dinamarca, um país com muitíssimo menos recursos naturais do que nós e bem mais pequeno, é o exemplo do contrário - nem que a economia destes países se resuma a isso; mas há que questionar como é que as regras europeias permitem esta situação altamente lesiva dos interesses de países como o nosso. E a resposta é clara: as regras da união europeia servem apenas os interesses dos grandes capitalistas; são feitas por eles para eles.

8 – A nossa crise não é fruto da crise internacional?

O que se passa é que os meios financeiros descobriram agora uma coisa óbvia: se agirem de forma concertada, podem fazer subir ao céu os juros das dívidas soberanas quando estas não estão suportadas na capacidade de emissão de moeda, como acontece na Europa.
     Reparem: se tentarem isto num país fora da Europa, esse país reage emitindo moeda. É o que acontece nos EUA; mas que pode fazer um país europeu?
     Portanto, esta crise está a ser alimentada pelo BCE, ao não comprar dívida soberana directamente, alimentando os juros especulativos. O BCE, ou seja, a Alemanha e França, estão por detrás deste problema. Não ouviram já o Obama dizer isso repetidamente? Porque duvidam?
     Os países são tanto mais vulneráveis a este processo quanto mais dependerem do financiamento estrangeiro. A dimensão da nossa crise não resulta da dimensão da dívida soberana, inferior à de muitos países, mas de uma balança de pagamentos deficitária; os euros que cá foram postos esvaziaram-se através da balança de pagamentos, e foram substituídos por crédito. Acabou-se o dinheiro, só há crédito. O que devemos aos bancos nacionais devem estes ao estrangeiro.

9 – A causa profunda dos nossos problemas

Há algo que está na origem profunda de sermos um país que não evolui há séculos (apenas importamos parte da evolução dos outros). E é simples: um país evolui quando o interesse colectivo se sobrepõe ao interesse individual; quando isso não sucede, o país regride. A democracia é o sistema natural dos povos que dão prioridade ao interesse colectivo; a ditadura, ou alguma forma de governo absoluto, é o sistema em que caem os povos que privilegiam o interesse privado. Passar da ditadura para a democracia não resolve nada se não se alterar a ordem das prioridades das pessoas.
    Enquanto não formos capazes de conseguir que os interesses colectivos tenham a prioridade, iremos de mal a pior; tão mal ficaremos que acabaremos por aprender que temos de dar prioridade ao interesse colectivo. O problema é que nessa altura pode já ser tarde demais. Sempre que os povos levaram tempo demais a conseguir isso perante uma ameaça, foram esmagados.Ou seja, temos de acabar com os 5% da população que se está nas tintas para o interesse colectivo antes que eles acabem connosco.

10 – Então não há solução: o nosso futuro e dos nossos filhos e netos é sermos escravos ou emigrarmos?

Há solução. Há sempre uma solução. Mas temos de a encontrar. Temos de começar por perceber que estamos em guerra. A guerra começou por se fazer à pedrada, depois com espadas, depois a tiro, depois à bomba e agora faz-se com o dinheiro. Mas é guerra na mesma. Temos de meter isso na cabeça e abrir os olhos!

Quando estivermos dispostos a dar prioridade ao interesse colectivo sobre o individual, então poderemos começar a tratar da solução. E a solução passa por fazermos como os nórdicos: inventarmos o sistema que serve os nossos interesses em vez de sermos bons alunos de um sistema que serve interesses que não são os nossos. Vejam como os Dinamarqueses foram bem sucedidos em condições bem mais difíceis do que as nossas. Nós temos recursos infinitamente superiores aos deles, não só no nosso território como pelo facto de podermos fazer uma união abrangendo a Ibéria e os países que falam português e espanhol. E não estou a dizer nada de novo: os economistas americanos há muito que vêm dizendo que essa é a nossa saída. É por isso que as privatizações das empresas públicas portugueses vão ser feitas sem concurso – para impedir que Angolanos e Brasileiros atrapalhem a nossa mexicanização.

Pessoalmente, advogaria a introdução de moeda nacional, válida apenas no mercado interno. Riem-se? Pois fiquem a saber que a China tem duas moedas, uma internacional e outra exclusivamente interna, e que em várias regiões da Alemanha se tem testado a emissão de moeda só para compras locais. Se essa solução é boa para a China, e até para a Alemanha, não será também boa para nós? Por exemplo, em vez de cortar o 13ª e 14º mês, o Estado pagaria 15% dos ordenados em moeda nacional, que seria aceite pelos comerciantes que aderissem; estes usá-la-iam no comercio interno ou para pagamentos ao Estado e, eventualmente, para o pagamento de ordenados numa percentagem limitada.

Mas há outras medidas ainda mais imediatas. Por exemplo, os carros acima do utilitário deviam ser muito mais taxados do que são, à semelhança do que fazem os países sem indústria automóvel própria; os produtos alimentares importados de países que não importam os nossos deviam ser sujeitos a rigorosas e dispendiosas verificações; assim se aumentariam as receitas do estado sem criar recessão, pelo contrário. Isto sem falar nas tais gorduras que continuamos à espera de ver serem cortadas... é que ainda não vi nada que afectasse os milhares de boys para quem essas gorduras foram criadas.


Entretanto, como no dia 12 há uma manifestação de militares, talvez seja uma boa ideia juntarmo-nos todos à manifestação. Mas temos de fazer algo original, inesperado. Porque greves e manifestações já estão previstas, não vão adiantar de nada. Nem a comunicação social lhe vai dar atenção, já não são notícia (qualquer assalto a ourivesaria tem mais tempo de antena).

Fica aqui o desafio: que podemos fazer no dia 12 que traga as manifestações de volta às notícias? Que deixe o «eixo franco-alemão» de cara à banda? Uma marcha silenciosa, como o Ghandi fez na Índia? Todos vestidos de igual? Como? Dêem sugestões. É preciso uma poderosa manifestação de unidade. Mostrar que todos somos um.

Por último, um conselho da avózinha: quem nos quer mal, diz que nos quer bem, pois essa é a forma de poder fazer mal. Quem nos quer bem, critica-nos mas age por nós. Olhem os actos, não as palavras. Porque será que as medidas do Obama são diametralmente opostas às que se tomam aqui?

quinta-feira, outubro 20, 2011

Dr. Jordan e o caso da Europa (VII)


(os predadores)

As civilizações nascem quando as pessoas percebem que só juntando os seus esforços, submetendo o interesse individual ao colectivo, podem conseguir a sua sobrevivência. As civilizações são construídas com trabalho e cooperação.

No fundo, algo bem retratado no conhecimento antigo da 2ª civilização, na ideia da expulsão do paraíso e da condenação dos humanos ao trabalho.” –intervêm o Wolfram.

Exacto; porém, uma vez conseguida essa civilização, criada riqueza para além do indispensável à sobrevivência, tudo se transforma; porque nós, humanos, não somos como as formigas ou as abelhas.

Bem, em parte seremos, pois somos capazes de fazer grandes sociedades, como elas...” contestou, pensativo, o Wolfram.

Não, não somos nada como elas. A natureza usou duas soluções na programação dos animais. Algumas espécies estão programadas para comportamentos sociais extremos, como se fossem um corpo, um só ser. Algo semelhante ao que acontece com as células do nosso corpo. Outras espécies estão programadas para a satisfação das suas necessidades; a definição de quais são essas necessidades é que determina os diferentes comportamentos das espécies e até dos indivíduos de cada espécie. Este é o nosso programa.”

Mas se estamos programados para agir com um objectivo definido, onde está o nosso livre arbítrio?

É isso o livre arbítrio, o decidirmos de acordo com o que pensamos ser a nossa conveniência; nós decidimos sempre de acordo com o que presumimos ser a nossa conveniência, mesmo quando coagidos – coacção é isso, tornar inconveniente para nós o que doutra forma seria conveniente.

Bem, teria de amadurecer o assunto... adiante” – o Wolfram reticente.

Como eu estava a dizer, nós agimos em função do nosso interesse; uma civilização nasce porque no início o interesse de cada pessoa é o da cooperação com os outros. Trabalho e cooperação é o que garante a sobrevivência de cada um. Porém, quando começa a haver riqueza acumulada pela civilização, surge outra forma de garantir a sobrevivência: a predação. A obtenção de benefícios sem ser em troco da correspondente contribuição para a sociedade. A exploração do Homem pelo Homem.

Isso assim dito até parece que é uma coisa fatal e não é, com educação consegue-se que as pessoas tenham outro tipo de comportamento.” Parece-me que o Wolfram se sentiu atingido nas suas crenças.

O ser humano, no programa que define as suas necessidades, tem coisas complexas, como a necessidade de reconhecimento, ou de ser útil, ou de ser amado; a satisfação destas necessidades impede a exploração do outro quando há uma identificação com o outro; porém, quando essa identificação se perde, por exemplo, porque se arranjou um argumento que convenientemente nos convence de que o outro é diferente, já ficam abertas as portas a essa exploração.”

Diferente como?

Por mil e uma razões: porque é de outra classe social, porque é sócio de outra equipa de futebol, porque é doutra cultura, ou doutra raça, ou fala outra língua, ou tem uma opinião diferente, porque é de outro sexo, porque tem uma deficiência física. Por exemplo, para nos lançarmos na 1ª grande guerra fomos convencidos que pertencíamos a uma raça superior, devendo os outros serem exterminados para obtermos espaço vital para a nossa raça pura, não é verdade? O mesmo fizeram os japoneses em relação aos chineses, os católicos e os muçulmanos, os ingleses em relação aos africanos para tornar moral a escravatura; os homens em relação às mulheres; ainda recentemente os americanos e ingleses fizeram isso para permitir as centenas de milhares de mortes necessárias para evitar que o controlo do petróleo iraquiano passasse para nós e para os franceses. A razão permite-nos facilmente ultrapassar essa limitação que a natureza pôs na nossa cabeça.

Bem, nem todas as pessoas aderem a esses raciocínios...

Pois não, depende da dimensão da consciência de cada um; aqueles cujos horizontes acabam no seu umbigo facilmente aderem; aqueles cuja consciência engloba o universo inteiro, no espaço e no tempo, nunca aderem. Mas estes são ínfima excepção, mesmo aqueles que parecem batalhar por ideias universalistas normalmente fazem-no porque isso é a sua conveniência imediata. Apenas em situações de enorme adversidade se distinguem os que verdadeiramente têm uma consciência para além do umbigo.

Bem, mas se as pessoas são assim tão... umbilicais, então tornam-se predadores da sua sociedade, esta acabaria por se destruir e colocar em risco a sobrevivência individual”.

Esse é exactamente o limite da predação – o ponto em que suficientes pessoas ficam com a sobrevivência em risco. E como esse ponto é diferente para a 2ª e para a 3ª civilização, a evolução destas civilizações é diferente. Estamos agora em condições de compreender porque que é as diferentes sociedades que existem na Europa têm as características que têm, como é que elas vão evoluir e como é que os senhores podem influenciar essa mudança de forma a obterem os escravos que vos são necessários. Ou seja, repor a normalidade."

(continua)

quarta-feira, outubro 19, 2011

A Primeira medida para resolver a Crise!



Este governo não pára de me surpreender pela positiva! Depois de tantos anos a ouvir ilustres comentadores e economistas a dizer disparates em cima de disparates, é um prazer inesperado encontrar tanta e tão subtil inteligência. Dizem que nos momentos mais difíceis aparece sempre um salvador.

Como já referi num texto anterior, o Governo estragou completamente a estratégia predatória montada pela troika. O objectivo dessa estratégia era a lenta degradação dos salários dos trabalhadores e a venda das empresas públicas aos alemães e franceses. Tinha de ser LENTA! Porquê?

Porque quando os países europeus abriram as fronteiras, naturalmente que deixaram de poder equilibrar as suas balanças de pagamentos – o pais mais forte, a Alemanha, ficou com uma balança positiva e os outros todos (ou quase) com uma balança deficitária. Isto significa que ao longo destes anos quase todos os países europeus têm estado a esvaziar os seus euros para a Alemanha. Como a Alemanha está a nadar em euros, o BCE não imprime dinheiro.

Para tapar o buraco da balança de pagamentos, os países tiveram de recorrer a empréstimos. Eu pedi um empréstimo a um banco português para comprar a casa, mas o banco teve de pedir esse dinheiro a outro banco porque cá já não há euros; e não interessa se pediu aqui ou ali, os euros estão maioritariamente na Alemanha, logo, o que existe na Europa é uma cadeia de empréstimos que só termina na Alemanha. Se eu (entenda-se: os portugueses) deixar de pagar ao meu banco, a cadeia toda pode desabar como um dominó – cai o banco português, o espanhol, o francês. E o alemão também fica em maus lençóis porque ninguém lhe paga o dinheiro que emprestou.

Ou seja, medidas de austeridade violentas demais nestes pequenos países podem originar um fenómeno em cascata que vai fazer com que os bancos alemães percam muito mais dinheiro do que as dívidas soberanas. E há muito dinheiro emprestado, a dívida soberana é apenas uma gota de água – só as empresas públicas em Portugal devem o dobro ou o triplo da dívida soberana.

Assim, quando estes países resistem, como a Grécia, ou tomam medidas que vão levar as pessoas a não pagarem porque não têm dinheiro, como em Portugal, à Alemanha não restará outro caminho que não seja “perdoar” grande parte da dívida.

Por isso, o nosso PM foi genial, arranjou uma maneira de estragar o plano dos alemães com o próprio veneno que eles estavam a usar.

Esta estratégia é melhor do que a Grega porque agora o PM tem mãos livres para finalmente atacar as «gorduras» do Estado, que são o terreno favorito da máfia portuguesa. Sem criar um «estado de sítio», isso seria impossível, não se desaloja a máfia facilmente.

Mas nós continuamos com outro problema: a balança de pagamentos continua deficitária; como já não há euros para saírem, isso significa que a dívida tem de aumentar. Como já referi, não estamos a valorizar devidamente os recursos do país e estamos a ser vítimas de predação tanto pelas empresas estrangeiras, que declaram os seus lucros nos países de origem, como por muitas empresas nacionais, que puseram as suas sedes na Holanda, levando para lá os seus lucros e depois para offshores.

Já viram isto? Os Holandeses ficam com o parte do dinheiro dos lucros que as empresas obtêm em Portugal!!! E os Irlandeses também fazem como a Holanda, os espertalhões. Se quiserem arrepiar-se com os esquemas, vejam aqui. E, já agora, o Jerónimo Martins, esse grande patriota e defensor da ética, é outro especialista em esquemas de fuga aos impostos em Portugal (e um dos grandes responsáveis pelo desequilíbrio da balança de pagamentos).

Como resolver este problema? O Obama encontrou a solução: empresas que operem nos Eua e não declarem lá os lucros levam como uma taxa em cima. Ora toma!

Bom, mas como fazer isso aqui? Já se sabe que não se pode enfrentar os grandes grupos económicos de peito aberto – até se pode levar um tiro. Era preciso um golpe de génio.

E não é que este surgiu?

Reparem: o Governo anunciou que vai taxar as remessas para offshores em 30%!

Qual o significado prático desta medida? Quase nenhum, as empresas têm a sede na Holanda para onde mandam o dinheiro e é da Holanda que o dinheiro vai para offshores. Portanto, ninguém vai protestar com esta medida. 

Não vão perceber que isto é um «cavalo de Tróia».

A seguir, como a crise vai apertar, o Governo pode dizer: não há razão para taxar o dinheiro que vai para offshores e não taxar o dinheiro que vai para outros lados, logo todas as empresas que operem em Portugal e não paguem cá impostos levam com a taxa. A taxa Obama!!! A taxa Obama vai render milhares de milhões de euros ao Estado e o nossos recursos vão passar a ser valorizados – por exemplo, os operadores turísticos e de hotelaria estrangeiros que exploram o nosso clima vão passar a pagar impostos cá.

É de génio ou não é?

(É claro que este segundo passo é algo maior que um passito de coelho, por isso espera certamente o Governo que nós criemos a situação que o torne inevitável. Deixemos aprovar o orçamento e depois toca a exigir que a taxa se aplique a todas as empresas que não paguem cá os seus impostos!)

sexta-feira, outubro 14, 2011

Dr. Jordan e o caso da Europa (VI)


(a terceira civilização)

"Ahh, vamos então à parte que nos interessa.” – o careca começa a ficar impaciente, estou a exceder o tempo combinado, tenho de me despachar.

Ultrapassado o Mediterrâneo e subindo em latitude, os recursos são progressivamente mais escassos e a agricultura mais limitada. As pessoas vão sendo empurradas para latitudes mais altas à medida que as civilizações mais a Sul vão atingindo os limites da sustentabilidade populacional, apesar das medidas de controlo de população que criaram; como o clima tem ciclos centenários, elas atrevem-se mais a subir na parte quente do ciclo e depois ficam presas nessas latitudes na parte fria. Como assegurar a sobrevivência nas latitudes altas?

Com muitas privações e muito trabalho, com certeza...” comentou o ruivo.

Não foi isso que aconteceu, não havia conhecimentos que pudessem ultrapassar as dificuldades por mais trabalho que se aplicasse. A solução foi muitas vezes atacar ou pilhar os países do Sul; depois, quando a navegação possibilitou o acesso por mar às latitudes mais baixas, alguns procuraram criar possessões no hemisfério sul onde pudessem obter os recursos que lhes faltavam, como os holandeses e os ingleses; a pirataria foi outra forma de obter recursos, pilhando os navios das potências do Sul; mas a pouco e pouco duas formas pacíficas dos países do Norte obterem os recursos que faltavam nas suas latitudes foram encontradas: uma foi a prestação de serviços, quer como intermediários no comércio de produtos entre regiões, quer como prestadores de serviços financeiros; a outra foi vendendo aos países do Sul produtos por si manufacturados. Duma e doutra forma obtinham dinheiro que depois servia para comprar nos países do Sul os recursos, sobretudo alimentares, que lhes faltavam.

E assim nasceu a terceira civilização, que é a primeira civilização que não se sustenta com os recursos da mãe natureza...” comentou o Wolfram, os olhos fixos na distância.

Isso mesmo. Uma civilização cuja sobrevivência passa a depender essencialmente da sua capacidade de produzir bens e serviços. Esta necessidade impele os países do Norte para a industrialização, algo cuja necessidade era muito menos premente no Sul. Esta terceira civilização tornou-se tecnologicamente muito mais avançada do que as civilizações do Sul, mas não só tecnologicamente: mais uma vez, a atitude em relação à sociedade teve de evoluir, o sentido colectivo teve de ser mais pronunciado – no sul, uma família pode garantir a sua sobrevivência a partir de um pedaço de terra, no norte a sobrevivência depende muito mais do colectivo; em consequência, o conceito de família perde outra vez força, nenhuma família pode ser auto-suficiente, há uma interdependência das pessoas muito mais acentuada.”

Sim, faz sentido, isso explica porque uma família nórdica é tão diferente de uma família italiana” – comenta o Wolfram de olhos agora brilhantes. O careca tamborila os dedos, continua impaciente.

Bom, mas a história não termina com o nascimento da 3ª civilização; os bens produzidos a norte ou os produtos alimentares do Sul não têm valor relativo fixo, cada parte procura valorizar os seus produtos e majorar as suas vantagens; e os países do Sul têm vantagem nesta negociação porque os produtos deles são indispensáveis ao Norte e o contrário não é verdade. Mas os países da 3º civilização têm um outro tipo de vantagem que é decisiva. E é com essa vantagem que estamos a dominar o Mundo e é através dela que vocês vão ter a mão-de-obra escrava que pretendem nos países do Sul da Europa.

Mas que vantagem é essa?” – o careca claramente desconfiado da minha sanidade mental.


(continua)

Há uma Luz!

As medidas anunciadas pelo Passos Coelho fizeram-me cair os queixos de espanto; o rol de desgraças que se vão seguir foram-se amontoando na frente dos meus olhos - uma recessão de pelo menos 5% é garantida, os incumprimentos bancários a disparar em flecha, o aumento do desemprego (se o horário de trabalho aumenta 7%, os patrões vão despedir 7% dos trabalhadores, não é? Não se produz mais porque não há mercado, não é por falta de horas de trabalho). Mas depois comecei a ver o lado positivo da coisa. Bati com a mão na testa! Genial, sem dúvida. Não sei se é consciente ou não, mas o certo é que o Passos Coelho aponta o caminho para sairmos deste sufoco.

O processo de conduzir pessoas a uma situação que não lhes convém consiste em lhes dizer que se está a cuidar delas através da imposição de suaves medidas que as empurram para onde elas não querem - elas estão «doentes» e por isso precisam de «remédios»; as pessoas ficam cada vez pior e o que fazem é ir tomando mais «remédio», não é? o raciocínio das pessoas é simplório; este processo tem de ser lento para que as pessoas se vão adaptando e resignando à sua condição sucessivamente pior. Isto é muito bem conhecido.

A troika estava a desenvolver um plano destes, um plano que quem seguir os textos do Dr. Jordan compreenderá; suavemente seriamos conduzidos a aceitar como boa uma situação em que ficaríamos todos reduzidos a uma miserável sobrevivência, mão-de-obra barata para as fábricas europeias. Combater este plano de peito aberto é impossível neste país atrasado - pode ser possível para os Gregos, que estão a conseguir sucessivos sucessos nessa batalha - mas não aqui.

Que fazer?

O Primeiro Ministro encontrou uma solução: se aumentarmos a dose do «remédio», vai-se tornar evidente que não cura mas mata!  E ele vai poder dizer à troika: Então? Fomos tão bons alunos! Fizemos tudo o disseram e até excedemos! Como é?

Como entretanto a solução B se começa a desenhar na Europa, o drama que aqui vai acontecer obrigará à sua rápida implementação. Em meses isto estará resolvido. Ou vai ou racha. Pode ser que rache, mas também pode ser que se resolva e se o Passos Coelho fosse de mansinho de certeza que rachava. Assim, ao menos há uma possibilidade. A ver vamos.


quarta-feira, outubro 12, 2011

Dr. Jordan e o caso da Europa (V)


(a segunda das civilizações auto-suficientes)


A imensa extensão de terreno que o trópico da Capricórnio cruza em África e Ásia determinou o berço da segunda civilização (mapa da Wikipedia).

O único caso em que uma população podia ser sedentária numa zona onde há Inverno seria quando se estabelecesse nas margens inundáveis de um rio; apenas aí os solos suportavam a agricultura numa época anterior à descoberta dos adubos porque é o próprio rio que repõe nos terrenos os compostos de azoto."

"Sim, claro, agora que produzimos os fertilizantes em fábricas já nem temos consciência de como a falta de azoto foi uma dificuldade terrível para a agricultura"... comentou o Wolfram, sempre filosófico.

"Para surgir uma nova civilização seria necessária uma larga extensão de margens inundáveis, capaz de suportar uma população de dimensão suficiente. Em África, o Nilo surge como o local mais provável para isso acontecer e aí se desenvolveu o segundo tipo de civilização da Humanidade.

... Que também apareceu noutros lados”, notou o ruivo.

Sim, na Ásia, onde também existem rios nestas condições; já na América essas condições não existem, pois a norte a zona equatorial prolonga-se pela língua de terreno da América Central e a Sul os rios que saem da zona tropical não possuiriam as necessárias extensões inundáveis."

"Mas mesmo assim desenvolveram-se as civilizações Maia e Inca."

"Foi a resposta possível à pressão exercida pelo excesso de população numa zona de clima ainda tropical e onde a migração não era possível; dependiam de uma agricultura sem adubos,  logo fraca e baseada em rotatividade de terrenos, e da pesca. Com a população no limite e sem o escape da migração, o excesso de natalidade ou qualquer perturbação climática tinha de ser compensada com maciços sacrifícios humanos.

Mas esse tipo de civilização das margens do Nilo ocorreu também em locais muito diferentes, como Creta e em muitas zonas da costa norte do Mediterrâneo”, contestou ainda o ruivo.

“Decerto; uma vez inventada, esta civilização é capaz de se estabelecer em certas zonas que não seriam propícias ao seu nascimento. Para nascer, é que é preciso um número elevado de pessoas para que sucessivos pequenos avanços possam ser somados; e são muitos esses avanços, tanto a nível de organização como tecnológicos como, e isso é talvez o importante, a nível da atitude perante a sociedade, o entendimento de que o interesse individual se tem de subordinar ao colectivo, com reflexos no próprio conceito de família. No entanto, notem que uma civilização deste tipo não se pode estabelecer em qualquer parte, existe uma restrição importante.”


E qual é?

Todas as sociedades humanas dos tempos antigos são auto-suficientes: a sua sobrevivência depende só dos recursos próprios da comunidade. A diferença entre elas reside na capacidade de gerir recursos, mínima na sociedade equatorial e máxima nas sociedades agrícolas.”

E depois essas sociedades começaram a comerciar entre si, desenvolvendo a primeira globalização”, acrescentou o Wolfram.

Exactamente; esse terceiro passo do desenvolvimento das civilizações foi tornado possível pelo vasto território onde essas sociedades se puderam estabelecer, ou seja, a bacia mediterrânica e a Ásia do Sul e Oriental, zonas com clima suficientemente ameno e ricas em água doce. Notem mais uma vez a importância da geografia."

"Pois, quase todo o clima temperado se situa no hemisfério norte..." condescendeu pensativo o Wolfram; talvez esteja a comparar esta possibilidade com outras... quem se sente superior costuma gostar de atribuir essa superioridade aos seus méritos. 

"O comércio introduz algo de muito importante: o acesso pacífico a recursos doutras regiões, como materiais de construção, sal, especiarias, minérios, variedades agrícolas ou produtos manufacturados. Estas coisas não eram indispensáveis a estas sociedades, elas podiam subsistir sem elas, mas permitiam-lhes atingir uma qualidade que não atingiriam sem o comércio.”

 “A isso se resume a história das civilizações?” O careca entre o desiludido e o intrigado

Não; falta precisamente a parte que nos interessa.

(continua)

segunda-feira, outubro 10, 2011

Dr. Jordan e o caso da Europa (IV)


(continuação - como o Inverno torna finito o Tempo)


A variação da percepção do tempo à medida que se sobe em latitude é um aspecto muito interessante e mesmo um pouco surpreendente.” Leio interesse nos olhos dos meus interlocutores, o tempo é algo fundamental nas suas vidas. Continuo:

 “Como sabem, na zona equatorial os dias são todos iguais, apenas a Lua permite definir um período maior que o dia. A vida vive-se no presente e planeia-se ao dia; ao longo do dia há um conjunto de tarefas a realizar, mas a escala do planeamento é apenas do dia. O tempo é tão infinito como o oceano. A vida é finita quando se planeia a prazo e quando se mede em anos, mas não quando se mede em dias, pois o número é grande demais para as nossas faculdades de percepção intuitiva.” Calo-me novamente, percebo que estão a tentar imaginar a situação, a estimar quantos dias têm uma vida, quantos dias terão ainda as suas vidas.

Sim, compreendo”, diz de súbito o ruivo, "é como estar de férias: um mês aqui passa a correr mas um mês de férias na praia ou no campo é tanto tempo que nem consigo imaginar... duas semanas já me parece uma eternidade.” Os outros concordam.

Bem, já percebemos que a civilização que se gera numa zona equatorial tem uma dimensão espacial não superior à centena de pessoas e uma dimensão temporal de um dia. Esta civilização, como qualquer outra, é muito estruturada, com regras bem definidas.
Sim” – interrompe o Wolfram, algo impaciente – “mas essa civilização só pode ser assim enquanto não há sobrepopulação; ora a população humana cresce; e depois?

O que acontece é que as pessoas vão ocupando o território livre. Vamos pensar no caso de África; ocupada a faixa equatorial, as pessoas vão subindo em latitude. E então vão encontrar algo novo: o Inverno. Um período de tempo em que a Natureza não garante a sobrevivência. Isto muda tudo.”  A impaciência deu lugar à expectativa.

"Passando os trópicos, é preciso encontrar forma de ter alimentos no Inverno e soluções para proteger do frio – uma temperatura inferior a 18 ºC é mortal para um humano sem protecção. Isto obriga a viver com prazos, com calendários, com objectivos. O Inverno introduz o conceito de Futuro na actividade diária." 

 "Ou seja, o Inverno trouxe o stress, que é coisa que quem vive focado no presente não sabe o que seja..." comentou o careca, logo seguido por sinais de viva concordância dos outros. "Sim, isso mesmo", e ri-me, sendo acompanhado por eles. Continuei:

 "As soluções mais simples para o problema do alimento, como a caça ou a pastorícia, geram sociedades pequenas e nómadas, com baixas densidades populacionais; mesmo as primeiras soluções agrícolas não permitem a fixação prolongada de populações porque a agricultura esgota os frágeis solos das zonas acima dos trópicos, implicando a necessidade de mudança periódica de local, excepto num único caso; e é esse único caso que permitiu que se desenvolvessem civilizações com crescentes escalas de espaço e de tempo.

Ou seja, sem o Inverno, a nossa civilização nunca teria acontecido... portanto, se o Homem tem surgido uns 100 milhões de anos antes, uma insignificância à escala da idade da Terra, no tempo dos Dinossáurios, esta nossa civilização não se poderia ter então desenvolvido porque nessa altura não havia Invernos... parece que o Homem surgiu apenas quando o planeta já estava pronto para o desenvolvimento de grandes civilizações... o Homem surgiu quando tinha de surgir, nem antes, nem depois... interessante...”. Esta cogitação do Wolfram gera um franzir de sobrolho do careca. Interessante este Wolfram, que sabe que no tempo dos Dinossáurios não havia Inverno e capaz de pensamentos filosóficos, de pensamentos que não têm directamente a ver com os seus interesses pessoais. Começo a simpatizar com ele.

Nada de desvios criativos” – repreende brandamente o careca – “oiçamos o dr. Jordan, que certamente nos vai mostrar que as sucessivas civilizações são a solução ideal para cada situação climática e geográfica, tal como a tribo é a solução ideal para o clima equatorial; qual é então esse único caso geográfico-climático que nos trouxe até aqui?” Espertalhão o chefão. “Boa pergunta!” pego-lhe na palavra, que traduz alguma impaciência, pelo que remato: “Uma pergunta cuja resposta nos levará a perceber porque é que estamos aqui a ter esta conversa e como é que se resolve o vosso problema.

sábado, outubro 08, 2011

Um Império Europeu à moda dos Incas

Sabem como é que os Incas construíram o seu império? Foi muito fácil; limitaram-se a ir propondo a povos mais pequenos que aceitassem subordinar-se ao Império; se aceitassem, seriam bem tratados (pelo menos os seus líderes); se não aceitassem, levavam porrada. Bastou um ou dois levarem porrada para os outros aceitarem logo. O resultado final era independente de aceitarem ou não: passavam todos a pagar o tributo exigido pelos Incas. Assim construíram um império que se estendia por milhares de kilómetros.


Este maravilhoso método parece ser o que os alemães estão a usar para construir o seu tão ambicionado Império Europeu: primeiro, fecham a torneira do BCE para deixar os países com menos reservas de «água» a morrer de «sede»; depois propõem: “damos «água» se prescindirem da vossa soberania, nos entregarem as empresas públicas e reduzirem os ordenados para o nível de sobrevivência das pessoas, a fim de que as nossas empresas se possam instalar aí e ter mão-de-obra a custo mínimo.”

(notem que esta «água» não custa nada aos alemães, é apenas dinheiro impresso pelo BCE, tal como o Fed faz nos EUA)

Os gregos disseram “Vão passear”. Porrada nos gregos.

Os líderes Tugas disseram logo: “Faça-se a vossa vontade.”

O plano para os transportes públicos é flagrante; só há duas maneiras de gerir transportes públicos: ou em concorrência, abrindo o serviço aos privados, ou através de uma empresa pública. Neste caso, o preço dos bilhetes é determinado por forma a que empresa tenha prejuízo e tenha de depender do governo para acertar as contas.

Isto tem de ser assim porque estas são as duas únicas maneiras de evitar abusos de empresas que exploram algo a que as pessoas não podem fugir. 

Há uma coisa que NUNCA se faz: criar um monopólio e entregá-lo a privados. Óbvio. NUNCA. Presumir que entidades reguladoras podem controlar os preços é uma utopia. Só a concorrência pode controlar preços num mercado entregue a privados.

Ora o Governo

1 – aumenta o preço dos bilhetes para que as empresas de transportes deixem de dar prejuízo; questão: se elas deixam de dar prejuízo, qual é a vantagem de as privatizar?
2- o Governo vai fundir empresas criando monopólios; ora isto é contra todas as regras da Economia desde ela existe
3 – o Governo não vai abrir concurso público internacional, vai entregar as empresas monopolistas dos transportes públicos directamente aos franceses; isto não é proibido pelas regras da União Europeia? Os deputados que foram fazer queixa do Sócrates por causa do Magalhães não estão agora incomodados?

Este absurdo só se entende duma maneira: estamos a ser Incados.

sexta-feira, outubro 07, 2011

Dr. Jordan e o caso da Europa (III) (as Civilizações)


(continuação)

Conseguir uma sociedade onde uma parte minoritária da população seja escrava e isso seja bem aceite por essa minoria e por toda a sociedade é um problema muito fácil??”– o Wolfram olha-me com ar incrédulo, e fica-se, boquiaberto, à espera de qualquer esclarecimento adicional; o careca contesta:

Não estou a ver em parte alguma do mundo civilizado alguém a ter escravos voluntários na actualidade!”; o ruivo resolve falar também:

Bem, talvez os empregados das fábricas americanas no norte do México... ou os palestinianos que trabalham em Israel...”. O careca interrompe, impaciente, evidentemente não gosta de ser corrigido: “Sim sim, mas os palestianos vivem praticamente num campo de concentração, não fazem parte da sociedade israelita, não passam de modernos prisioneiros civis de guerra, e o México é um caso de deslocalização muito especial; nós estamos a falar de escravos integrados na nossa sociedade, algo muito diferente.” O ruivo cala-se, arrependido de ter aberto a boca.

A razão porque não conhece escravos voluntários na actualidade, no mundo dito civilizado, é porque o facto de eles aceitarem a sua condição faz parecer que o não são; essa é a habilidade”. Faço uma pausa.

Portanto, eles existem à vista de toda a gente e ninguém vê... interessante, é isso mesmo que queremos!” Um brilho surgiu no olhar do careca.

Para percebermos como se consegue esse tipo de escravos temos de perceber algumas coisas essenciais da evolução das sociedades... vamos dedicar dez minutos a esse assunto?"

Os três homens trocam olhares de assentimento. “Estamos aqui para o ouvir, Dr. Jordan”.

Vou tentar não entrar em detalhes, limitar-me ao essencial, o que não é fácil porque depois ficam sempre coisas por explicar que acabam por gerar dúvidas. Inspiro. Ponho o meu ar professoral, o ar Dr. Jordan nº 1, e começo: - “Sabem porque é que na zona equatorial de África não surgiu nenhuma civilização relevante?
 Deixo a pergunta no ar e fico à espera duma resposta. Hesitam, finalmente o Wolfram sugere: “A África equatorial é habitada por povos muito primitivos, uma civilização exige organização, planeamento, pensamento sofisticado”. Adoro quando oiço ideias simplórias.

Pensemos um pouco; quem já esteve nessa zona sabe que para comer basta estender o braço e colher uma fruta; pode também caçar ou pescar. Não há frio nunca, não é preciso ter roupa, nem casa, basta um abrigo para dormir. Ou seja, a sobrevivência está garantida desde que não se interfira com a Natureza, que tudo providencia. Como as pessoas não têm objectos de cobiça, não precisam de desenvolver sofisticadas capacidades bélicas; nem sequer o território que ocupam pode ser considerado cobiçável pois toda a zona é igual ou quase.” - Verifico pelas expressões que não disse nada que não soubessem já; continuo:

A solução óptima para a zona equatorial é uma organização em pequenos grupos, familiares essencialmente. Qualquer grande sociedade iria interferir com a Natureza e pôr em risco a sobrevivência, seria uma grande estupidez. A organização familiar e tribal é a organização ideal, perfeita, adequada, à zona tropical. Não é uma ausência de civilização, é a civilização adequada. Mais do que isso, ela é a base de todas as organizações de maior escala, como veremos, pelo que vamos prestar alguma atenção às suas características.” - Calei-me, dei-lhes um tempo para interiorizarem. Continuo:

Esta organização familiar é muito diferente da nossa; ela tem regras e organização, e perceber isso é muito importante. O conceito de família dessa civilização é profundamente estruturado, tal como as nossas modernas organizações, com espírito de equipa, hierarquia e especialização de tarefas, avaliação, recompensa e punição. Para além disso, há uma clara distinção entre os membros da família ou tribo e a restante humanidade, ou seja, a família é uma nação nesta civilização, as outras famílias são nações estrangeiras.” Falo lentamente, sei que eles têm preconceitos a ultrapassar, é preciso dar-lhes algum tempo.

O mais interessante é que, no fundo, todos os conceitos que aplicamos na moderna organização já estão presentes nas famílias da zona equatorial; as sucessivas civilizações foram aplicando esses conceitos a escalas cada vez maiores ao mesmo tempo que os foram retirando do âmbito familiar e substituindo por outros, como o conceito de «amor». Vejam como o termo «família» é usado para identificar os membros de uma organização mafiosa ou os colaboradores de uma empresa – é a extensão do conceito primitivo a outras escalas. Por outro lado, conseguir a integração da família numa sociedade maior implica não só alterar as regras dentro da família como alterar a atitude da família com as outras pessoas, sendo necessário esbater essa fronteira para que o sentido colectivo possa emergir; este ponto é da maior importância.” Percebo pelos olhares virados para dentro que os três homens precisam de algum tempo para meditar sobre o assunto. Aguardo.

Os ciganos, como não abdicam da sua cultura familiar, tornam-se incompatíveis com as civilizações modernas...”, um pensamento em voz alta do Wolfram.

Exactamente, em parte pelas regras internas da família e em parte pela sua atitude em relação às outras pessoas; mas não só os ciganos; como compreenderemos daqui a pouco, a cada civilização corresponde um conceito de família e as duas coisas têm de estar em correspondência ou entram fatalmente em conflito.” Os olhares estão de novo voltados para mim, posso continuar:
. 
O que essencialmente caracteriza as diferentes civilizações é a escala espacial e temporal a que têm de actuar para garantir a sobrevivência; esta primeira civilização existe à escala espacial da família e temporal do dia. Já vimos a escala espacial, e encontrámos coisas interessantes; vamos agora prestar atenção à escala temporal”.

(continua)

quarta-feira, outubro 05, 2011

Que fazer quando tudo arde


Ana Sá Lopes fez este editorial fabuloso no I. Aconselho a leitura, é curto e é um prazer lê-lo (ai, que inveja, não saber escrever assim...). Nele, a autora faz o retrato nu e cru da actual situação. Termina com um aviso muito claro: "qualquer governo que se limite a ser um bom e passivo aluno está a condenar-se e a condenar-nos à forca."


Eu acrescento: nós estamos a condenar-nos à forca se nos limitarmos a ser passivos cidadãos. 


Sabe-se muito bem qual é a causa e o remédio para a crise; o remédio - suportar as dívidas públicas em obrigações pagas com dinheiro novo (eurobonds) - não está a ser usado de propósito para manter a crise. E isso tem uma finalidade que as medidas pretendidas, nomeadamente a diminuição da TSU, dos ordenados e a entrega das empresas publicas em forma de monopólio a alemães e franceses, aponta com clareza; por outro lado, as únicas medidas que contribuiriam para resolver o problema do nosso lado, ou seja, aquelas medidas que diminuiriam o déficit da balança de pagamentos, ou seja, a relação entre o dinheiro que entra e que sai do país, são completamente ignoradas; isto não pode ser por acaso nem por ignorância, só pode ser de propósito.


Há várias coisas que podemos fazer para contrariar um plano que se afigura verdadeiramente tenebroso. E podemos começar já por uma delas: não dar nem um euro a alemães e franceses. Automoveis? Ou Fiat ou de fora da europa - mesmo os SEAT são 100% alemães. 


Pode parecer-vos insignificante, mas façam lá um esforçozinho e aguardem o resultado... enquanto esperamos pelo Dr. Jordan. Lembrem-se: nem 1 euro para franceses e alemães. Vejam quais são as empresas que estão aí e que são propriedade deles - devem estar nas cervejas, águas, comunicações, turismo e outras coisas. Nem um euro para elas. Pela alminha dos vossos filhos. Vão perceber porquê em breve.

segunda-feira, outubro 03, 2011

Dr. Jordan e o caso da Europa de classes (II)



 O que é que nós queremos?  - O Wolfram repetiu a minha pergunta enquanto consultava os outros com um olhar que interrogava: digo? não digo? Voltou-se então para mim e começou a falar martelando as palavras:

Queremos o mesmo que os nossos concorrentes têm legalmente e que mesmo na Alemanha existe em algumas áreas: mão-de-obra com custos totais inferiores a 3€ por hora; ou seja, queremos dispor dos chamados escravos modernos mas num contexto legal, estável. Algumas actividades na Alemanha, como a indústria de carnes, pagam 2€ por hora a imigrantes, oriundos doutros países europeus, mas isso é conseguido através de processos de tráfico humano e levanta contestação dos sectores ditos progressistas, não é solução para as nossas empresas de alta tecnologia, que precisam de trabalhadores satisfeitos com o seu salário de 2 € e num quadro socialmente aceite, legal e estável. – declarou o Wolfram.

Os senhores querem basicamente que o trabalho escravo seja não só legal como socialmente aceite, uma sociedade em que os operários ganhem apenas o indispensável à sua sobrevivência e isso seja considerado normal, correcto – tentei resumir os objectivos.

O Wolfram sentiu uma crítica velada na minha frase e apressou-se a esclarecer: Temos concorrentes que pagam isso e se pagarmos mais os lucros da actividade deixam de compensar, mais vale dedicarmo-nos a negócios de usura. Neste mundo globalizado, nas nossas indústrias de grande mercado, conseguir isso representa para nós a sobrevivência.

Estão bem cientes do seu interesse imediato mas preciso agora de esclarecer se têm um entendimento global do problema. Ocorrem-me duas questões. Lanço a primeira: Vocês querem que na Alemanha continue a não existir salário mínimo mas a experiência dos outros países europeus mostra as suas vantagens; na Inglaterra registou-se uma subida de emprego com a sua introdução.

Isso não é assim tão simples – discordou veementemente o Wolfram – a introdução do ordenado mínimo alimenta a economia paralela; as actividades que exigem menos habilitações passam a ser desempenhadas por imigrantes à margem da lei, a ganhar menos do que ganhavam antes os empregados dessas actividades, o que potencia os seus lucros e abre espaço a novos empregos. O efeito é paradoxal: a introdução do ordenado mínimo, no fundo, potencia o tráfico humano e é isso que faz crescer a economia. Para os cidadãos desse país as coisas ficam melhores porque passam a dispor de escravos. Mas já se sabe que o recurso a imigrantes para trabalho escravo, quer legais como dantes ou ilegais como agora, origina graves problemas sociais a prazo.

Pois, não são parvos não, estes tipos. Vamos à segunda questão: Sabem que o sonho dos empregadores, da dona de casa ao grande industrial, sempre foi ter pessoas a trabalhar pela sobrevivência, mas depois há um grave inconveniente para os industriais: essas pessoas não alimentam o mercado, não fazem compras.

O Wolfram abana a cabeça em sinal de discordância; esclarece: nós só precisamos de uma pequena percentagem da população como escravos. Queremos uma sociedade com uma pequena base de escravos e uma larga classe média para comprar os nossos produtos. Ora os políticos andam progressivamente a introduzir um salário mínimo na Alemanha e estão a avançar com um projecto europeu, a prometer uma europa social, com salários mínimos crescentes e rendimentos mínimos. Isso é o oposto do que queremos, o custo do operário deve ser sempre o custo de sobrevivência e nada de apoios a quem não trabalha porque essas pessoas nem produzem nem têm o suficiente para serem consumidores. Quem não produz nem faz compras não tem lugar na economia, pode desaparecer.

Pois, os nossos políticos andam sempre com ideias utópicas, ignorando as duras realidades do dia-a-dia – sentenciei banalmente, estimulando-a a continuar, quero ver o fundo do seu pensamento.

Na América eles sempre souberam controlar estas ideias utópicas, é por isso que dominam a lista dos 100 mais ricos – alguma inveja na voz do Wolfram.

Sim, um tiro resolve estes problemas quando a utopia nasce na cabeça de um político isolado; estou a lembrar-me do Huey Long, com um programa, o Share Our Wealth, ainda mais avançado do que o dos líderes europeus actuais. Foi há quase um século. – O Wolfram fez um sinal de concordância com a cabeça e desabafa:

Essas ideias daninhas têm de ser exterminadas à nascença; o americanos souberam matar o homem e as suas ideias, nunca mais se ouviu falar delas. Na Europa não podemos usar esse tipo de solução porque seriam necessários muitos tiros, não bastaria abater um político. Persiste o exemplo nefasto dos nórdicos, enquanto eles não soçobrarem o seu exemplo irá alimentar essas utopias. Temos urgentemente de encontrar uma solução porque se um tal sistema social se impõe aqui, pode haver um efeito de contágio aos EUA e depois não haverá forma de inverter as coisas – a testa franzida exprime a intensidade da sua preocupação.

Acho que já ouvi tudo o que necessitava. Estes tipos são espertos, é a velha luta de classes mas com uma diferença subtil: estes não querem esmagar a maioria da população, que é o erro que a direita está a fazer nos EUA, um erro fatal numa democracia esclarecida. Querem uma sociedade de 3 classes: uma classe de escravos minoritária, uma classe média com poder de compra qb e que suporte o sistema, e a sua classe privilegiada, com rendimentos estratosféricos. Eles não perceberam ainda mas é isso mesmo que vai acontecer em consequência do tão temido projecto europeu que afinal lhes serve às mil maravilhas. Apenas tenho de os aconselhar a fazerem aquilo que de qualquer maneira irá ser feito porque é isso o que os jogos de interesses e forças determinam. Ser Filósofo tem esta vantagem: ser capaz de conhecer o Futuro para depois indicar os caminhos para ele, como se sobre ele tivesse poder. É chegada a altura de começar a minha performance:

Na verdade, não precisam de medidas extremas, o vosso problema é muito fácil de resolver, basta aplicar um método com séculos.