Eu planeava
analisar uma série de questões relativas à situação actual do país através das
conversas do Dr. Jordan; é que dado que parece não haver experts nacionais, a solução é pensarmos nós pela nossa
cabeça, e é para isso que surge o dr. Jordan. Porém, preciso agora de dedicar a
minha atenção a outros assuntos, pelo que optei por colocar já este texto onde
faço uma resenha dos 10 aspectos que me parecem mais importantes neste momento.
Penso que, apesar das limitações do texto, darão por bem empregues os 5 minutos
que gastarem a ler isto, pois pelo menos novos pontos de vista são apresentados.
1 – O mito da construção pacífica da união europeia
Muitas pessoas encaram o projecto
europeu como uma tentativa de replicar os EUA, entendidos como uma união
pacífica de estados. Ora não há qualquer semelhança, os EUA são basicamente um
grande país construído pela força e altamente regionalizado. Vejamos a
história.
Os EUA nasceram quando as 13 colónias
britânicas na costa atlântica do continente americano se uniram para
conquistarem a sua independência; esta união foi depois desfeita pelos 7
estados do Sul, os quais foram em seguida conquistados militarmente pelos
estados do norte. O pretexto moral para esta conquista (todas as guerras
precisam de um pretexto moral) foi a abolição da escravatura; a verdadeira
razão foi a de que os estados do norte precisavam da agricultura dos estados do
Sul e ou os conquistavam ou teriam de lhes comprar comida.
Os restantes territórios que hoje
formam os EUA, e que são a maioria, foram obtidos por conquista ou por compra.
Portanto, os EUA que conhecemos hoje não nasceram de nenhum projecto de união
pacífica, nasceram de um projecto de ocupação e conquista. Os EUA não são nenhum
modelo de construção pacífica de uma união de países; onde está tal modelo?
2 – O projecto de uma união europeia foi sempre um projecto de conquista.
O projecto da
União Europeia sempre foi um projecto de conquista dos países do sul pela
Alemanha, acolitada pela França. Sempre. Os economistas americanos sempre o
perceberam e disseram. E isso é evidente pelas regras estabelecidas. Senão
vejamos duas delas:
a) Abertura das fronteiras. Como é óbvio, se não há barreiras alfandegárias entre dois países com
diferente capacidade, o país mais forte leva o mais fraco à falência. Foi para
evitar esse desfecho fatal que se inventaram as alfândegas. O fim das
fronteiras na Europa tem um resultado incontornável: a Alemanha ficará
sucessivamente credora de todos os outros países europeu
b) Os quadros de apoio. É sabido que injectar dinheiro produz fatalmente uma consequência:
aumento da corrupção. A corrupção resulta do balanço entre benefícios e riscos
e quando se aumenta os benefícios sem aumentar o risco, a corrupção dispara.
Por outro lado, grande parte desse dinheiro destinou-se e destina-se ainda a
pagar a não-produção daquilo que são as produções naturais do
país. Se não vamos produzir alimentos, vamos produzir o quê? Aviões?
3 – Quais são os objectivos do projecto europeu?
Os dois que nos interessam são os seguintes:
a)
Mão-de-obra barata. A progressiva implementação do estado social faz subir os encargos
com a mão-de-obra. Isso não é um problema no mercado interno, antes pelo
contrário, porque aumenta também o poder de compra; mas é um problema para quem
quer concorrer no mercado global. É por isso que surgem soluções como empresas
em navios ou a deslocalização para zonas onde há excesso de população, logo
mão-de-obra barata, como fazem os EUA no norte do México. Onde vão as empresas
francesas e alemãs encontrar uma zona onde possam pagar os ordenados que se
praticam no México ou no Sudeste asiático? A análise do problema mostra que
isso só é possível num país do Sul da Europa, onde os custos de sobrevivência
são muito mais baixos do que nos países frios. E só é possível se não
houver integração europeia, porque se houver as leis de trabalho
têm de ser as mesmas e já não é possível o trabalho escravo – é por isso que as
empresas americanas estão no norte do México e não no sul dos EUA. O projecto
europeu nunca foi um projecto de integração, foi sempre um projecto de «mexicanização
do Sul».
b)
Continuação da predação dos países
do Sul. Os países do norte da Europa, à excepção dos
países nórdicos, sempre foram predadores dos países do Sul. Os piratas e
corsários, cuja actividade consistia em pilhar os navios mercantes dos países
do Sul, eram (e ainda são) considerados heróis nos seus países. Os ingleses
vieram produzir vinho em Portugal para não terem de o importar de França, pagando
miseravelmente aos portugueses. As empresas mineiras levam o minério daqui e só
cá deixam ficar os ordenados. Os Hotéis, aldeamentos turísticos, agências de
viagem estrangeiras exploram o nosso clima mas só cá deixam os ordenados. É
como se nós fossemos a um país Árabe buscar petróleo e só lá deixássemos
ordenados de miséria, o petróleo vinha de borla. Isso já não é possível fazer
em parte alguma do mundo excepto aqui. O projecto europeu tem sido um
sucesso para os países do norte porque institucionalizou esta predação
que é hoje impensável mesmo no mais atrasado país africano. E isto é impensável
porque conduz à perpetuação da miséria - os ordenados assim nunca saem do
mínimo de sobrevivência. Por isso, onde os governantes governam para o povo e
não para si, isso é impossível.
4 – O projecto europeu visa dar-nos as condições de vida dos países do
norte?
Não. O objectivo é obter mão-de-obra ao mínimo custo para as indústrias que
operam no mercado global. É isso que pretendem medidas como a redução da TSU
que, na prática, corresponde a uma redução do ordenado do trabalhador, ou o
corte do 13º e 14º mês. A diminuição do poder de compra vai destruir as
empresas nacionais, que produzem para o mercado interno, e favorecer as
empresas que produzem produtos de grande mercado – que são só empresas
estrangeiras, pois as portuguesas só são viáveis na produção de bens que não se
disputam pelo preço mas pelas características. A redução de ordenados serve
unicamente os interesses das empresas estrangeiras. Notem ainda um aspecto: a
redução que está a ser feita afecta muito mais quem ganha pouco, pois é muito
diferente cortar 14% num ordenado de 1000 euros ou num de 5000; esta
desigualdade no esforço que está ser pedido não é por acaso ou por burrice: o
objectivo é cortar os ordenados dos operários e não se pode fazer isso sem o
cortar pelo menos na mesma percentagem nos outros, seria escandaloso. O objectivo do
projecto europeu é garantir operários baratos, muito baratos.
Notem ainda outra coisa: estes cortes
todos mal dão para pagar os juros dos encargos devidos ao buraco do BPN/BPP,
mais o negócio sujo dos submarinos; são de quem as contas do BPN que andamos a
pagar? Andamos a pagar os negócios sujos dos capitalistas que deram para o
torto porque exploraram os pobres para além do limite suportável? Andamos a
pagar submarinos que, ao que me consta, custaram o triplo do que aos gregos?
Dado que até os próprios alemães já condenaram pessoas no caso dos
submarinos, muito facilmente se renegociaria o preço deles para 1/3 ou menos.
Mas isso não interessa, porque o único objectivo é baixar os ordenados.
5 – Mas porque é que não se fez um
verdadeiro projecto de união europeia?
Num verdadeiro projecto de união, todos os
povos europeus ficariam igualmente desenvolvidos e teriam os mesmos direitos.
Ora para a Alemanha e a França isso não tem interesse; que interesse têm
eles em que os Portugueses ganhem tanto como eles? Para lhes comprarem coisas?
O que lhes interessa é o mercado global, estes 10 milhões de consumidores não contam
para isso. Porém, como mão-de-obra barata, estes 10 milhões são priceless.
Mas para serem usados como mão-de-obra barata, os cidadãos portugueses não
podem ser equiparados aos franceses ou alemães, não é? Logo, não pode haver
integração europeia...
É por isso que é indispensável «Salvar Portugal», como o PM constantemente
apregoa. Se Portugal fosse integrado num esquema europeu, os portugueses
passavam a ter os mesmos direitos dos outros «europeus» e já não poderiam ser
escravos. “Salvar Portugal” é indispensável à "mexicanização" do sul da Europa. Salvar
Portugal para garantir que os portugueses não se salvam.
6 – Há outra forma de fazer um projecto
europeu?
Claro que há! Por exemplo, em vez de fazer uma união de países fazia-se uma
união de regiões, entre 5 e 15 milhões de habitantes cada. Isso é fácil, porque
essas regiões já existem, os países estão regionalizados. Mas há outras
soluções, mesmo mantendo o figurino de países.
7 – Mas não há outros países pequenos que
conseguem ser bem-sucedidos no quadro actual?
Sabem qual é o grande negócio dos países pequenos do norte? Holanda,
Luxemburgo, Liechtenstein, Irlanda? São plataformas de circulação de dinheiro
para Offshores. Têm até legislação específica para esta actividade. Um exemplo:
a “nossa PT” tem sede na Holanda para onde desvia os lucros fabulosos que obtém
aqui, paga lá uma pequena taxa e manda o resto para uma Offshore. Todas ou
quase todas as grandes empresas, nacionais e estrangeiras, que aqui andam,
fazem isso.
Notem que isto nem significa que os
países pequenos só possam ser viáveis com esquemas destes – a Dinamarca, um
país com muitíssimo menos recursos naturais do que nós e bem mais pequeno, é o
exemplo do contrário - nem que a economia destes países se resuma a isso; mas
há que questionar como é que as regras europeias permitem esta situação
altamente lesiva dos interesses de países como o nosso. E a resposta é clara:
as regras da união europeia servem apenas os interesses dos grandes
capitalistas; são feitas por eles para eles.
8 – A nossa crise não é fruto da crise
internacional?
O que se passa é que os meios financeiros descobriram agora uma coisa
óbvia: se agirem de forma concertada, podem fazer subir ao céu os juros das
dívidas soberanas quando estas não estão suportadas na capacidade de emissão de
moeda, como acontece na Europa.
Reparem: se tentarem isto num país
fora da Europa, esse país reage emitindo moeda. É o que acontece nos EUA; mas que pode fazer um país europeu?
Portanto, esta crise está a ser
alimentada pelo BCE, ao não comprar dívida soberana directamente, alimentando
os juros especulativos. O BCE, ou seja, a Alemanha e França, estão por detrás
deste problema. Não ouviram já o Obama dizer isso repetidamente? Porque
duvidam?
Os países são tanto mais vulneráveis a
este processo quanto mais dependerem do financiamento estrangeiro. A dimensão
da nossa crise não resulta da dimensão da dívida soberana, inferior à de muitos
países, mas de uma balança de pagamentos
deficitária; os euros que cá foram postos esvaziaram-se através da balança de
pagamentos, e foram substituídos por crédito. Acabou-se o dinheiro, só há
crédito. O que devemos aos bancos nacionais devem estes ao estrangeiro.
9 – A causa profunda dos nossos problemas
Há algo que
está na origem profunda de sermos um país que não evolui há séculos (apenas
importamos parte da evolução dos outros). E é simples: um país evolui quando o
interesse colectivo se sobrepõe ao interesse individual; quando isso não
sucede, o país regride. A democracia é o sistema natural dos povos que dão prioridade
ao interesse colectivo; a ditadura, ou alguma forma de governo absoluto, é o
sistema em que caem os povos que privilegiam o interesse privado. Passar da
ditadura para a democracia não resolve nada se não se alterar a ordem das
prioridades das pessoas.
Enquanto não formos capazes de conseguir que os interesses colectivos tenham a prioridade, iremos de mal a pior; tão mal ficaremos que
acabaremos por aprender que temos de dar prioridade ao interesse colectivo. O
problema é que nessa altura pode já ser tarde demais. Sempre que os povos
levaram tempo demais a conseguir isso perante uma ameaça, foram esmagados.Ou seja, temos de acabar com os 5% da população que se está nas tintas para o interesse colectivo antes que eles acabem connosco.
10 – Então não há solução: o nosso futuro e
dos nossos filhos e netos é sermos escravos ou emigrarmos?
Há solução. Há sempre uma solução. Mas temos de a encontrar. Temos de
começar por perceber que estamos em guerra. A guerra começou por se fazer à
pedrada, depois com espadas, depois a tiro, depois à bomba e agora faz-se com o
dinheiro. Mas é guerra na mesma. Temos de meter isso na cabeça e abrir os
olhos!
Quando estivermos dispostos a dar prioridade ao interesse colectivo sobre o
individual, então poderemos começar a tratar da solução. E a solução passa por
fazermos como os nórdicos: inventarmos o sistema que serve os nossos
interesses em vez de sermos bons alunos de um sistema que serve interesses que não são os nossos. Vejam como os Dinamarqueses foram bem sucedidos em condições bem
mais difíceis do que as nossas. Nós temos recursos infinitamente superiores aos
deles, não só no nosso território como pelo facto de podermos fazer uma união
abrangendo a Ibéria e os países que falam português e espanhol. E não
estou a dizer nada de novo: os economistas americanos há muito que vêm dizendo que essa é
a nossa saída. É por isso que as privatizações das empresas públicas
portugueses vão ser feitas sem concurso – para impedir que Angolanos e
Brasileiros atrapalhem a nossa
mexicanização.
Pessoalmente, advogaria a introdução de moeda nacional, válida apenas
no mercado interno. Riem-se? Pois fiquem a saber que a China
tem duas moedas, uma internacional e outra exclusivamente interna, e que em
várias regiões da Alemanha se tem testado a emissão de moeda só para compras
locais. Se essa solução é boa para a China, e até para a Alemanha, não será
também boa para nós? Por exemplo, em vez de cortar o 13ª e 14º mês, o Estado pagaria 15% dos ordenados em moeda nacional, que seria aceite pelos comerciantes que aderissem; estes usá-la-iam no comercio interno ou para pagamentos ao Estado e, eventualmente, para o pagamento de ordenados numa percentagem limitada.
Mas há outras medidas ainda mais imediatas. Por exemplo, os carros acima do
utilitário deviam ser muito mais taxados do que são, à semelhança do que fazem
os países sem indústria automóvel própria; os produtos alimentares importados
de países que não importam os nossos deviam ser sujeitos a rigorosas e
dispendiosas verificações; assim se aumentariam as receitas do estado sem criar
recessão, pelo contrário. Isto sem falar nas tais gorduras que continuamos à
espera de ver serem cortadas... é que ainda não vi nada que afectasse os
milhares de boys para quem essas gorduras foram criadas.
Entretanto, como no dia 12 há uma manifestação de militares, talvez seja
uma boa ideia juntarmo-nos todos à manifestação. Mas temos de fazer algo
original, inesperado. Porque greves e manifestações já estão previstas, não vão
adiantar de nada. Nem a comunicação social lhe vai dar atenção, já não são
notícia (qualquer assalto a ourivesaria tem mais tempo de antena).
Fica aqui o desafio: que podemos fazer no dia 12 que traga as manifestações de volta às notícias? Que deixe o «eixo
franco-alemão» de cara à banda? Uma marcha silenciosa, como o Ghandi fez na Índia? Todos vestidos de
igual? Como? Dêem sugestões. É preciso uma poderosa manifestação de unidade.
Mostrar que todos somos um.
Por último, um conselho da avózinha: quem nos quer mal, diz que nos quer bem, pois essa é a forma de
poder fazer mal. Quem nos quer bem, critica-nos mas age por nós. Olhem os
actos, não as palavras. Porque será que as medidas do Obama são diametralmente
opostas às que se tomam aqui?