sábado, maio 26, 2012

O que a Economia e o Desporto têm de comum? - 2



(continuado)

A Regulação é imprescindível


 (imagem daqui)

Vimos que uma economia de competição tende (na ausência de regulação), como qualquer competição pura, a terminar-se; e “terminar”, no caso desta economia, significa chegar a um estado em que uns poucos controlam toda a riqueza produzida e os outros subsistem no limiar de sobrevivência – que é o estado em que a sociedade humana tem existido a maior parte do tempo desde que deixou a organização tribal. A este estado terminal chamo “escravatura”. Neste estado, a sociedade já não se desenvolve e a única forma dos ricos continuarem a enriquecer é através da luta entre eles – o mais forte conquista a riqueza do mais fraco (esta conquista pode ser feita pela força das armas ou pelas regras do mercado, é para isso, em parte, que umas e outras são como são).

Vimos também, como é evidente, que uma condição necessária ao sucesso deste sistema económico é que ele origine o enriquecimento de toda a população, mesmo que desigual – ou seja, o crescimento absoluto da riqueza dos mais ricos tem de ser inferior ao crescimento absoluto da riqueza total porque o contrário implica o empobrecimento de parte da população.

Uma característica do crescimento económico que se pode intuir dos dados existentes é que a taxa de crescimento parece ser inversamente proporcional à desigualdade; este fenómeno torna, a partir de certo valor da desigualdade, explosivo o empobrecimento de parte crescente da sociedade, e conduz rapidamente à situação terminal, ou seja, à escravatura.

Ter estas 3 características dum sistema económico de competição bem presentes é muito importante.

Portanto, um sistema económico de competição não se auto-regula; ele carece de um sistema político que exerça efectivamente essa regulação ou tende fatalmente para a escravatura ou para uma revolução, militar ou popular.

Esta regulação pode ser feita admitindo maior ou menor desigualdade; ou seja, mais regulação para conseguir menor desigualdade, ou então reduzir a regulação para aumentar a desigualdade. Não se presuma que existe um ponto ótimo de equilíbrio – os sistemas activos nunca têm um equilíbrio estático, o equilíbrio é sempre dinâmico, ou seja, é um estado oscilatório de amplitude controlada.

Num sistema democrático, é o voto dos eleitores que decide isto, através de dois partidos políticos, em que ambos se comprometem com as medidas comuns (combate à corrupção, legislação clara, justiça eficiente) mas um aplica as medidas de alargamento e reequilíbrio da competição (regulação) e o outro as destrói; os eleitores escolhem um ou outro dos partidos para governar consoante sentem que lhes convém mais o reforço da componente competitiva ou da equilibrante. Esses dois partidos são os partidos ditos do “centro”, o da componente competitiva é o do “centro-direita” e o da componente equilibrante é o do “centro-esquerda”. No caso americano, são os Republicanos e os Democratas; no caso português são o PSD e o PS. Ambos estes partidos defendem o sistema competitivo da economia mas têm papéis opostos na sua regulação. O ponto de equilíbrio que definem pode situar-se mais à direita, como acontece em nos EUA, ou mais à esquerda, como acontece na Dinamarca. Note-se que a função dos partidos não é meramente económica e a organização da sociedade não se resume à Economia, mas é apenas disso que me ocupo agora.

Os partidos ditos da extrema, direita ou esquerda, são contra o sistema competitivo na economia e é por isso que afirmam que os partidos do centro são apenas duas faces do mesmo.

O problema maior da regulação é que os governantes tendem a acabar reféns dos mais ricos e deixarem de fazer a regulação do sistema; daí a necessidade de inventar um poder “incorruptível” acima dos partidos, como um monarca ou um presidente, ou de desenvolver sistemas de fiscalização da acção dos governantes; mas estes sistemas também acabam reféns, propriedade, dos mais ricos, como acontece com os media. Actualmente, há a esperança de que a internet, associada ao aumento do conhecimento das pessoas, possa constituir um sistema de fiscalização robusto (razão pela qual é alvo de ataques como este; qualquer dia, até os comentários do tripadvisor serão proibidos...)

Quando se iniciou a globalização económica, as medidas de controlo do enriquecimento dos mais ricos deixaram de poder ser aplicadas porque o espaço económico transcendeu o espaço político – impedir uma empresa nacional de crescer demasiado seria limitar a sua capacidade competitiva a nível mundial. Instalou-se a desregulação. Isto abriu portas à especulação financeira – os capitais deixaram de “ter pátria”, fugiram aos impostos e a todos os mecanismos de controlo. O desequilíbrio disparou e grande parte das pessoas deixou de enriquecer. A regulação da economia “foi-se”.

 As pessoas votaram “à esquerda” onde isso estava a suceder – EUA e nos países do sul da Europa. Porém, controlar o crescimento da desigualdade num quadro em que a economia ultrapassa a política é impossível. Nos EUA esse controlo nunca foi totalmente perdido, mas nos países da Europa foi; por isso, os governos de esquerda nos países do Sul da Europa, apesar de tomarem algumas medidas correctas, apenas conseguiram atrasar um pouco o agravar da situação. Os eleitores votaram então à direita e abriram a porta à catástrofe, porque a receita da direita é a desregulação, o aumento da desigualdade – exactamente o oposto do que precisam os países mais pobres. Isso é bom porque como não há inteligência suficiente para entender o processo económico, porque somos ignorantes, egoístas e gananciosos, dependemos de sofrer na pele as consequências dessa ignorância e desse egoísmo para percebermos porque é que temos de agir doutra maneira – e quanto mais depressa o erro se tornar claro, mais depressa se poderá corrigi-lo.

Entretanto, em todo o mundo se fecham agora as portas à globalização. Quem não quiser uma sociedade de escravos tem de repor rapidamente a regulação da Economia, submetê-la à política e não o contrário. O sábio Obama comanda, as recentes nacionalizações na América do Sul terão o seu dedo. Todas as potências emergentes têm ferozes políticas de proteção das actividades nacionais, mais fortes do que alguma vez existiram, como a obrigatoriedade de capitais nacionais para todas as empresas que queiram operar no seu país e a aplicação de taxas alfandegárias elevadíssimas; e até o barramento de acesso a conteúdos nacionais na net a partir do estrangeiro (?!). E na Europa?

quarta-feira, maio 09, 2012

O que a Economia e o Desporto têm de comum? - 1


Uma coisa que nos caracteriza é o nosso instinto competitivo; estamos sempre prontos para competir seja em que área for; somos uma espécie de galos de combate.

Enquanto acharmos que podemos ganhar, competimos. É por isso que não dispensamos os joguinhos de computador. Competimos nos jogos e competimos em tudo o que tem a ver com a vida: competimos para sermos o mais popular, competimos pelo emprego, para sermos ricos, para ter o parceiro (a) mais interessante, o carro melhor, a casa mais agradável, etc. Claro que cada um de nós não anda a competir em todas as frentes, mas há sempre uma ou outra em que concentramos a nossa competitividade. A “boa educação” é, em parte, sabermos controlar as nossas reacções competitivas fora de contexto.

Eu distingo dois tipos de competição: a primária, que visa o nosso exclusivo interesse, e a secundária, que serve também os interesses dos outros – exemplo desta segunda é o desejo de ser o mais útil, de contribuir para a máxima felicidade do nosso parceiro (a), etc.

O desporto é uma criação humana que representa o quadro mais perfeito de competição primária que conseguimos conceber. E esse quadro tem uma característica fundamental: está organizado de tal maneira que todos os competidores (os atletas) tenham, em princípio, as mesmas possibilidades de ganhar. Isso reflete-se, por exemplo, no facto de o desporto estar dividido por níveis, idades, sexo e, nalgumas modalidades, por peso.

Uma modalidade é o futebol profissional; ora bem, neste quadro de competição definido com tantos cuidados de igualdade, o que acontece? Acontece que se estabelece uma enorme desigualdade naquilo que os jogadores ganham: tal como na economia a que pertencemos, o 1% dos jogadores mais bem pagos arrecadam uma fatia enorme das receitas totais do futebol; e uma fatia cada vez maior.

Apesar das abissais diferenças de salários, um clube mais pobre pode ainda ganhar uns joguitos a clubes maiores – a razão é que a diferença de qualidade em valor absoluto é pequena. A diferença de ordenados é que é enorme porque não interessa quanto vale a diferença de um jogador para outro em valor absoluto mas apenas em valor relativo – o jogador que pertence ao lote dos 1% melhores adquire uma imensa cotação de mercado e vale imenso dinheiro porque há muito dinheiro no mundo actual e essa pequena diferença que ele dá à sua equipa permite a esta ganhar imenso dinheiro.

Esta é uma característica incontornável de um sistema de competição primário: as pequenas vantagens pagam-se a peso de ouro e a desigualdade na distribuição das recompensas cresce sempre.

Sendo os recursos limitados, esta tendência dos sistemas competitivos faria desaparecer os mais fracos, ou seja, os clubes mais pequenos; só que o futebol não pode reduzir-se aos 3 ou 4 maiores, não é verdade? Contra quem jogariam eles? Então, o sistema de futebol tem de manter os clubes pequenos e por isso tem de ter um sistema de redistribuição de receitas que os aguente ou acaba-se o futebol.

Um sistema competitivo primário tende para um vencedor que elimina todos os outros. Aplica-se-lhe a frase do filme Duelo Imortal (Highlander): “no final só pode haver um”. Para manter indefinidamente um sistema assim, só há duas maneiras: ou o “jogo” recomeça sempre que chega ao fim ou existem mecanismos que beneficiam os que ficam para trás e vão reequilibrando a competição.

Vejamos agora a Economia
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O objectivo da Economia é maximizar a produção de riqueza; a solução capitalista é o uso da competição. No entanto, como já se viu, esta competição tem de ser regulada para que não se termine.

Consideremos o caso dos fabricantes de automóveis – dos inúmeros que existiam há meio século, hoje o número de fabricantes independentes conta-se pelos dedos (embora cada um deles apresente várias marcas) e, deixando as regras da competição pura funcionar, num futuro não muito distante existirá um único dono de toda a indústria automóvel (será, provavelmente, um grupo chinês...). Ora a competição findava-se nesta altura e isso não pode acontecer. Portanto, a Economia tem de contemplar mecanismos que impeçam o fim da competição e isso é basicamente, por um lado, estimular o aparecimento de novos competidores e, por outro, limitar o crescimento dos maiores, nomeadamente impedindo aquisições, fusões, cartelizações e mesmo cindindo empresas. É necessário, portanto, uma acção de regulação. Saber quanta regulação aplicar é que não é fácil – se esta for excessiva, abafa a competição e diminui a produção de riqueza; se for de menos, dispara a desigualdade e cai-se na situação do futebol em que os clubes pequenos abririam falência e os grandes deixavam de ter contra quem jogar. Como equilibrar a regulação com a desregulação?

Isso poderia ser feito “científicamente”, para isso existem múltiplos índices que permitem saber em que direção actuar. Porém, definir o ponto de equilíbrio é um assunto político; e como se resolve isso por via política?

(continua)