quarta-feira, maio 30, 2007

Quem lê, entenda


Todo o Sul de França se encontra agora em chamas, estando em curso a maior evacuação de pessoas jamais realizada em território europeu. A conferencia de Paris vai aprovar medidas drásticas de combate ao aquecimento global. Às 20 horas apresentaremos uma reportagem exclusiva sobre os últimos desenvolvimentos, logo a seguir à habitual conferência de imprensa dos líderes mundiais.
- Desliga isso, já nada do que a televisão diz nos pode interessar. Tens os últimos resultados do nível de metalicidade do Sol? – perguntou, impaciente, o mais velho.
O outro baixou o som do televisor e respondeu desinteressadamente - Que interessa isso? Já passou do nível crítico, vai ser antes do próximo máximo, nem é preciso telescópio para ver as manchas ao longo de todo o equador solar...
- Desculpa, claro, é do stress. Esta espera dá-me cabo dos nervos.
- O quê, estás farto de esperar? – o mais novo, na casa dos trinta, pele morena denunciando as suas origens latinas, soltou sonora gargalhada, atirando a cabeça para trás com gosto.
Um leve sorriso descontraiu um pouco a face tensa do outro – Realmente... é um bocado ridículo... estar a desejar que aconteça...
O jovem ficou então sério – Estamos mesmo decididos, não é verdade? – perguntou com uma voz saída do fundo dos pulmões e da alma também.
- Eu estou. Este observatório tinha por finalidade descobrir isto atempadamente; como chefe dele, estou como o comandante de um navio que se afunda. A tua decisão é que não me parece muito racional.
- Mas é, podes crer... embora... – riu-se novamente – embora nós sejamos homens de fé e não de razão! – outra sonora gargalhada rematou a frase. Mas curta; subitamente sério, o jovem continuou – quero testemunhar o que vai acontecer, quero estar nas mesmas condições de toda a gente que vai sofrer isto na pele. Se o fizer, e se sobreviver, poderei ajudar. Agora, se for lá para baixo com os outros e sair do abrigo depois da explosão, qual será a minha moral para enfrentar as pessoas? Dirão: sabias que isto ia acontecer e não nos avisaste?
- Os grandes líderes não são da tua opinião... estas vídeo-conferências deles... percebe-se que estão a fazê-las de abrigos... há mais de um mês que estão dentro de abrigos... os seus assessores devem ter concluído que avisar a humanidade iria causar mais pânico e mais estragos do que a própria explosão... optaram por continuar a culpar o dióxido de carbono; assim, depois podem dizer que não sabiam de nada...
- Pois, conclusão muito cómoda para eles.
- Não os podemos criticar pois não? A opção do Papa não foi, no fundo, a mesma?
- Sei lá... preferiu apoiar esses grupos que anunciam que a cólera de Deus se vai abater sobre os infiéis e os pecadores... Assim, depois, pode dizer que a Igreja bem avisou que o braço de Deus iria punir a humanidade – o braço do jovem moveu-se no ar mas conteve-se no momento de bater no braço da cadeira.
- Parece cruel, mas isso pode garantir a continuidade da Igreja após a catástrofe. E as pessoas vão precisar mais do que nunca de acreditar num Deus. Os sobreviventes vão pensar que foram eleitos por Deus para serem salvos, e essa fé dar-lhes-á forças... e bem irão precisar delas...
- Talvez tenhas razão mas eu não sou político, sou um cientista jesuíta.
Os dois homens calaram-se. Os olhares estavam fixos no écran, onde imagens de incêndios, fome e conflitos se sucediam. Finalmente, o chefe quebrou o silêncio.
- Esta estupidez do aquecimento global e do dióxido de carbono... comentou entre-dentes.
- Realmente – concordou o jovem – como é possível um disparate destes ter-se mantido tanto tempo! Combater o frágil dióxido de carbono, o gás vital da vida, como é possível tal nível de imbecilidade!!! – agitou-se, tinha ali um tema que lhe permitia dar algum escape à sua adrenalina de jovem. O mais velho já sabia o que se seguiria, e procurou acalmá-lo – Foram os interesses, não te exaltes, interessava a toda a gente, os governos criaram novas taxas, novas indústrias floresceram, os ecologistas ganharam protagonismo, as pessoas tinham uma explicação para tudo o que corria mal e a quem culpar... os ricos ficaram mais ricos, e a culpa foi para toda a gente e para o dióxido de carbono...
-... pois, e os cientistas que apoiavam a teoria ganhavam fundos – acrescentou inconformado o jovem jesuíta.
- O financiamento sempre foi o grande problema da Ciência.
- A Academia Linceana já foi fundada por causa disso... acrescentou o jovem com um ar tão longínquo como a Academia Linceana. Subitamente agitou-se - Eu estava a esquecer-me de algo que te quero dizer a propósito da tua decisão de “ires ao fundo com o navio”. Tu não tens a minha idade, dificilmente sobreviverás, não vejo a utilidade da tua decisão. E tu não te podes considerar responsável por só recentemente termos descoberto o fenómeno das expulsões estelares. Há que séculos que tentamos descobri-lo! Para isso é o Vaticano apoiou o Copérnico e o Galileu, para isso é que tem a maior colecção de meteoros do Mundo, para isso é que tem este observatório no Monte Graham, um dos melhores observatórios ópticos do Mundo, como já o eram o de Tucson, o do Castelo Gandolfo e anteriores. Há mais de mil anos que andamos a tentar entender a “personalidade de Deus”, como eufemisticamente dizemos. Ou seja, que andamos a tentar entender que fenómeno é este de que falam as escrituras e que as pessoas chamam de “fim do mundo”. Não és tu, ou eu, ou qualquer um de nós o responsável de o não termos conseguido, fizemos tudo o que pudemos. Aliás, não está escrito que ninguém sabe quando ocorrerá, nem o Filho? Se o tivéssemos descoberto estaríamos a contrariar o que está escrito!
- Deve ser por isso que o Vaticano já anda há bastante tempo a divulgar a ideia de que o braço de Deus vai escaqueirar isto tudo... ou não acreditava que descobríssemos, ou já sabia doutras fontes, ou jogou pelo seguro...
- Isso é bem visto... desde Fátima, não é?
- Pois, ouve – com ar calmo e seguro pôs a mão sobre o braço do jovem, tentando transmitir pelo toque a certeza que o animava - eu entendo a tua visão de homem de Fé e confiante numa Sabedoria Superior. Mas eu sou obrigado a ter uma visão mais pragmática. Era nosso objectivo descobrir a tempo. Cabe-me a mim a última responsabilidade e seria impensável reservar-me uma sorte diferente da das outras pessoas.
- Agora está tu a ser romântico em vez de pragmático. Encontras justificações para os responsáveis políticos safarem a sua pele mas não as queres para ti. Afinal, mesmo que nós não o tenhamos descoberto a tempo, houve quem o fizesse, não te esqueças...
- Sim, mas ele deu um passo grande demais para a ciência, que se move em passinhos curtos. Mas nós, que não temos as limitações da Ciência, que sabíamos do fenómeno, deveríamos tê-lo entendido. Acho que no fundo, ao fim de tantos séculos de pesquisa, já duvidávamos que o fenómeno pudesse voltar a acontecer...
Os dois homens mergulharam em silêncio profundo. O jovem ainda ruminou – pois, mas a ciência também sabia que existe um fenómeno que de vez em quando causa extinções maciças e desde o fim do século XX que se sabe que não é um meteoro nem é a actividade vulcânica... deveriam ter prestado mais atenção ao assunto...
O silêncio envolveu de novo os dois homens. O écran mostrava imagens da conferência de líderes, que os dois olhavam sem ouvir.
- O Sol já se pôs – comentou com ar casual o jovem – os outros devem estar a aparecer.
- Sim – concordou num sopro o velho jesuíta, quase sem mover os lábios, os olhos nas imagens do écran, o olhar muito distante. De repente disparou – tu ainda tens aquela ideia de que estas explosões determinam um salto evolutivo?
- Claro! – o jovem sorriu-se – tudo isto são dores de parto. A seguir virá a próxima geração de humanos. Isso também está escrito... homem de pouca fé!!!
Um ligeiro sorriso iluminou suavemente a face cansada do mais velho. Talvez tivesse razão, talvez tivesse de ser assim...

segunda-feira, maio 28, 2007

por causa do 25 de Abril ou apesar dele?


Nesta altura em que vemos a Espanha disparar na nossa frente e o país afundar-se pesadamente nos lugares do ranking europeu merecedores de despromoção, a necessidade de encontrar o culpado começa a perfilar explicações mais ou menos óbvias: em Espanha não houve revolução, em Espanha há estabilidade... é isso, a instabilidade, a revolução são ao causa do nosso atraso!


Mas será mesmo?


Já reparam no seguinte: a Espanha é umas 5 vezes maior do que Portugal. Numa economia de mercado tendencialmente global, isso é uma vantagem enorme. Porquê? Por várias razões.


Uma das razões, talvez a mais importante para já, é o mercado interno. Qualquer indústria instalada num país produz prioritariamente para esse país. Só em casos muito especiais isto não se verifica, por exemplo, quando se trata de explorar mão-de-obra mais barata, ou outros esquemas de vantagem, como apoios estatais. Mas estes casos não contam, não têm peso no PIB, estas indústrias desaparecem assim que essas vantagens temporárias se esgotam. O mercado interno é ainda o suporte esmagador do PIB.


Por exemplo, faz sentido a cerveja produzida em Portugal ser destinada à exportação? Claro que não. Se houver um mercado para cerveja noutro país, faz-se lá uma fábrica de cerveja, não se exporta.


Para compensar o seu menor mercado interno, um país pequeno tem de ser intransigente na defesa da sua produção. E isso tem de ser feito pelos seus cidadãos - por exemplo, não passa pela cabeça de um dinamarquês comprar produtos alemães, ele compra produtos dinamarqueses, é claro! Claro que o Estado tem de dar uma ajudinha e ir encontrando formas de dar alguma vantagem à produção nacional.


Por outro lado, as empresas dos países pequenos são mais pequenas, logo, fáceis de comprar por empresas estrangeiras. A ideia de que as grandes empresas não têm nacionalidade, que são de inúmeros accionistas, é treta: na realidade, têm um conjunto muito pequeno de accionistas que controlam a empresa, que são os seus verdadeiros donos. Os lucros da empresa ficam com eles. São canalizados para os seus países de origem. Mas não só: por exemplo, as empresas espanholas que actuam em Portugal na área da construcção fazem a compra de bens e serviços a Espanha, naturalmente. E, naturalmente também, o estado Espanhol só adjudica a empresas espanholas! E nós (como é possível?!?) até já tivemos um PR que foi a Espanha pedir que ao menos uma vez adjudicassem a uma empresa portuguesa!!! Em vez de aprender com os espanhóis, o estado português quer que Espanha faça os mesmos erros! Como é possível?!?


Outro factor tem a ver com a capacidade de produzir indivíduos particularmente aptos para determinadas actividades. Como no futebol - hoje o poder futebolístico de um pais já não depende do número de pessoas do país porque nos países mais avançados a esmagadora maioria das pessoas não se dedica a jogar futebol, os futebolistas vêm quase sempre de meios de pobreza; mas ainda não há muitos anos a dimensão do pais tinha enorme peso nos seus feitos futebolisticos.


Em conclusão, precisamos de ter consciência de que somos um país pequeno e que isso representa um desafio acrescido ao desenvolvimento. Como os dinamarqueses, precisamos de ter uma atitude decidida na defesa do que é produzido em Portugal e temos de ter um esforço de investimento na formação muito maior que um pais maior. É assim que os paises pequenos sobrevivem, à custa de uma fortíssima união em torno do interesse colectivo e de um esforço enorme na formação e desenvolvimento. Nós partimos em desvantagem para esta corrida e temos de fazer um esforço mais concentrado para compensarmos a nossa pequenez.



quarta-feira, maio 23, 2007

Vários dos comentários que tenho recebido contêm afirmações importantes para nos ajudarem a entender o porquê das coisas. Hoje resolvi postar um comentário da Indomável (colocado em Desvios 2) que mostra bem como o pragmatismo pode ser não só inútil como prejudicial. É pelo caminho da inteligência, da subtileza, que se avança. O do pragmatismo só dá para "safar". Se queremos avançar, temos de deixar fluir a nossa inteligência e alimentar o fascínio de que a Indomável fala ao concluir. Para deixarmos de pensar em "safarmo-nos" e passarmos a abraçar a Vida. Aqui vai:

Há dois anos dei explicações de lingua portuguesa e francesa a uma rapariga que estava com uma enorme dificuldade em acompanhar as aulas da sua turma, porque trabalhava ao mesmo tempo. O problema dela era que precisava de fazer o exame nacional e a professora estava a dar as aulas, resolvendo com os alunos exames de anos anteriores...Estas aulas não mais eram do que resumos dos exames que a própria professora tinha resolvido - ela limitava-se a dar as respostas aos alunos.Como eu não estava por dentro do programa do 12º ano, comprei um pequeno livro de preparação para os exames de lingua portuguesa, com análises das obras. Posso-te garantir que era uma bosta. O que será fazer um resumo sobre a obra de Cesário Verde sem nunca ter saboreado um dos seus poemas?Sabes o que fiz?Na internet pesquisei os autores estudados, imprimi um sem numero de textos - poesia ou prosa, consoante o autor - e pusemo-nos a ler cada um deles. Digo-te que aquela rapariga nunca tinha lido um texto de Pessoa e apaixonou-se pela mensagem. Ao fim de pouco tempo ela sabia distinguir de olhos fechados os pseudónimos de Pessoa, apenas pela sensibilidade transmitida no texto.

Quando fez o exame ia cheia de medo e depois de o ter feito ficou desconsolada porque nenhum dos colegas tinha respondido da mesma maneira. Nas nossas sessões limitei-me a ler com ela, a ver os textos à luz da história pessoal do autor, da sua biografia, dizendo-lhe que o escritor quando escreve não está a ver se o poema é decassilábico ou se a rima é emparelhada ou o raio que a parta. Ainda assim, era bom que ela soubesse o que isso era, para poder esquecê-lo quando lesse as obras. Ela lia e eu perguntava-lhe de quem ela pensava que era o texto, porque não lhe dava o nome, por isso te digo que ela distinguia o autor de olhos fechados!

Posso dizer-te ainda, que aquela rapariga teve uma das notas mais altas da escola dela nos exames nacionais de lingua portuguesa.Vais dizer-me que foi mérito meu, eu respondo-te que o mérito é todo dela. O trabalho foi dela, o interesse foi dela, eu apenas lhe transmiti um bocadinho de curiosidade e gosto pela leitura de autores que são analisados na escola como se fossem coisas chatas e sem interesse.Os nossos miudos interrogam-se porque raio têm de ler Herculano, Camões, Pessoa e mais tarde, quando são adultos e com um bocadinho de sorte até gostam de ler, descobrem livros empoeirados em alguma biblioteca ou num alfarrabista e apaixonam-se pelos clássicos, porque eles disseram coisas que parece estarem eles a descobrir agora.

A escola não ensina porque tudo é normalizado, tudo é ensinado como se fossem verdades absolutas. Se houve coisa que aprendi na Universidade e que me chocou imenso foi que não existem verdades absolutas. Se nas escolas isto fosse ensinado, garanto-te que a curiosidade seria enorme. Toda a gente teme a incerteza mas ela atrai-nos como a luz atrai as melgas. Talvez porque o fascinio de descobrir algo novo e diferente seja a luz que nos move...

segunda-feira, maio 21, 2007

O Alfabeto do Futuro


Estranhará quem lê a diversidade de assuntos postados. E tem razão, pois não parecerá de quem tem muito juizo este constante saltitar - afinal, estamos a discutir o fim dos impérios, ou a creatividade, ou o ensino, ou ciclo do Azoto, ou estamos somente numa divagação inconsequente?



Na realidade, estamos a tomar contacto com um alfabeto. Todos estes assuntos e os mais que se lhes seguirão são as letrinhas com que iremos escrever a palavra "FUTURO".



O Humano primitivo vivia na Natureza; saber os Porquês da Natureza afigurava-se empresa dificil, grande esforço para fracos resultados. Por isso, surgiram as filosofias do Como. Descobrir, ou aprender, como usar a natureza em nosso benefício é que era útil, a demanda dos Porquês era canseira, vaidade vã.


O Humano actual vive num sistema por si criado. Este sistema determina grande parte das suas acções e das suas condições de vida e de sobrevivência. Este sistema e o próprio ser humano. O resto, se chove, se faz sol, se o peixe vem à rede, só já muito remotamente influencia os humanos destinos. O Humanos dependem deles e do seu Sistema.


Mas agora entender os Porquês já não é tarefa transcendente. Só temos de entender os porquês do Sistema que criamos, e temos de nos conhecer a nós mesmos.


Conhece-te a ti mesmo é algo que há muito a humanidade sabe que tem de fazer. Conhecer o Sistema que criou é algo que se torna cada vez mais importante há medida que este vai aumentando de complexidade.


Se não entendemos os porquês de nós e do nosso sistema, somos apenas espectadores do presente, peões já não de um deus mas do nosso próprio sistema, o Futuro surge-nos como um mistério absoluto e indecifrável. Se, porém, começarmos a entender um pouco estes porquês, o nosso olhar começa a penetrar na bruma do Futuro. Saberemos então melhor escolher os caminhos do Futuro.


Actualmente, a crença num Deus já não sossega os nosso medos porque vamos consciencializando que já não é dum Deus (a Natureza) que dependemos, mas de nós e do nosso Sistema. Dependemos do Homem e não de um Deus. E isso assusta alguns, não querem, querem antes depender de um Deus, por isso pretendem destruir o que o Homem criou. Anseiam que o seu Deus ponha um fim a isto, rezam por um Fim do Mundo.


Neste blogue não estamos preocupados em achar que isto está mal e aquilo está bem; que deveria ser assim ou assado; estamos preocupados em ir entendendo o que pudermos sobre nós e o nosso Sistema.


Para o conseguirmos teremos de encontrar respostas para muitos porquês. Por isso, a diversidade de posts, tão diversos como as perguntas de uma criança. Mas cada resposta, cada pequenino detalhe que vamos entendendo, é uma letra do alfabeto com que escreveremos o Futuro.


Há algo de quase mágico na maneira como estas "letras" vão operando. Assim como uma criança, com o seu constante perguntar, ascende até ao Presente, nós prosseguiremos a viagem mais além, quase sem darmos por isso.

O Ciclo das Fezes

Eis uma descoberta mais importante que a roda! Ninguém fala nela por causa do cheiro...

Certamente já leram que a invenção da agicultura deu origem ao sedentarismo. Bom, isso é só meia verdade.

Sabem que a Vida se baseia esencialmente em 4 elementos: Carbono, Oxigénio, Hidrogénio e Azoto. C, O, H e N. Os 3 últimos são superabundantes na atmosfera. O Carbono já foi, na forma de Dióxido de Carbono, mas infelizmente este gás é retirado da atmosfera em grandes quantidades por processos quimicos, nomeadamente formando calcários, e hoje encontra-se reduzido a uma expressão insignificante. Hoje, o CO2, o dióxido de carbono, é mais raro que o Árgon que, como sabem, é um gás raro. A sua quantidade é tão diminuta que não se mede em percentagem mas em partes por milhão, ou ppm. São cerca de 300 ppm, ou seja, 0,03%!!!

A falta de dióxido de carbono tem consequências gravíssimas para a vida no planeta, como é fácil de perceber, mas isso será assunto para outro post.

Nós, os animais, obtemos esses preciosos átomos de C, O, H e N directa ou indirectamente a partir das plantas, que os transformam em compostos que podemos processar. Cabe essencialmente às plantas obter esses elementos da natureza e incorporá-los em matéria orgânica. Ora as plantas têm uma grave limitação nesta tarefa: salvo raras excepções, elas não são capazes de fixar o Azoto, de retirar o Azoto da Atmosfera. Para incorporarem o Azoto, elas necessitam de compostos de Azoto que vão buscar ao solo!

O que é que aconteceu quando a humanidade começou a fazer agricultura? ao fim de pouco tempo os solos ficavam sem esses compostos de azoto e tornavam-se estéreis! Solução: ir cultivando sempre novos campos, deixando um deserto para trás.

Portanto, a agricultura "tout court" não podia suportar sedentarismo de longa duração.

Soluções. Uma solução foi cultivar nas margens de rios. Por causa da água? Não, por causa das cheias! É que as cheias dos rios transportavam lamas azotados de montante que depositavam nos terrenos agrícolas que submergiam. O Nilo, a civilização egípcia, recordam-se? os aluviões do Tejo?
Bem, mas e onde não existia um rio? A solução só podia ser uma: devolver à terra tudo o que se tirava dela. Nós não libertamos azoto a não ser nos gases intestinais e nas fezes. Por isso, à terra era devolvido tudo o que não era aproveitado: restos não usados das plantas cultivadas e as fezes. As fezes tinham de ser cuidadosamente aproveitadas. Disto tudo se fazia o estrume.
Verdadeiramente, foi o estabelecimento deste ciclo de fezes que permitiu o sedentarismo.

Actualmente, produzem-se industrialmente os compostos de azoto, os adubos.
Esta produção industrial de adubos é um marco na evolução da vida sobre a Terra. Porque até essa altura a bio massa, a quantidade total de Vida sobre a Terra, estava limitada pela quantidade de Azoto fixado nas origens da Terra. Pela primeira vez, a quantidade total de Vida sobre a Terra pode aumentar, por acção dos Humanos!

Portanto, o Homem, ao libertar-se do ciclo das fezes, alterou profundamente um equilíbrio que existirá há uns 3 milhares de milhões de anos: a quantidade de biomassa!

Olha se os ecologistas e os fundamentalistas religiosos tivessem percebido isso? O que eles estariam fartos de protestar!
... porque eles não sabem que nos ombros da humanidade e seus descendentes repousa a continuidade da Vida sobre a Terra... coisa que descobriremos quando avançarmos um pouco para o Futuro...

sábado, maio 19, 2007

A Ilusão de Riqueza


Já referi noutro post que estamos cada vez mais pobres mas que, em consequência da diminuição de preços de muitos produtos, não o percebemos ainda.

Uma outra razão para o não percebermos é a seguinte: desde há várias décadas que se tem vindo a operar uma inversão nos valores relativos das coisas. Por exemplo, um televisor era um objecto de luxo há 40 anos, hoje pode custar uma bagatela. Um gira-disco era um objecto de culto na minha adolescência, hoje um leitor de DVD chega a custar menos que um DVD!

Ao poder ter estes objectos, ao poder fazer coisas que dantes eram quase inacessíveis, como viajar, temos a sensação de que estamos muito mais ricos do que estavamos. O que eram objectos de desejo, de sonho, passaram a estar ao nosso alcance.

Estas coisas, porém, não são indispensáveis à sobrevivência. O facto de elas estarem muito baratas pode ter a ver com qualidade de vida mas não com aspectos essenciais da sobrevivência.

Há coisas, parte integrante do conceito de sobrevivência, que não ficaram mais baratas. Ter um filho por exemplo. Dantes, ter um, ou dois, ou três filhos, educá-los adequadamente, estava ao alcance de qualquer familia "remediada". Mas hoje já não está pois não?

Estamos iludidos com sonhos que se tornaram realidade, e isso enviezou a nossa escala de medida de riqueza. Não estamos mais ricos por podermos comprar um LCD ; estamos mais pobres porque já não podemos educar 3 filhos!

Educar três filhos é o limiar de sobrevivência. É o mínimo necessário à manutenção da população, à transmissão à posteridade daquilo que recebemos. Podemos comprar um LCD, ir passar férias ao estrangeiro e, no entanto, estamos abaixo do limiar de sobrevivência.

Poder-se-á dizer: não é por falta de dinheiro, é por opção, muitos preferem a carreira profissional a ter filhos. Ora não é bem assim. Acontece simplesmente que as pessoas não têm essa opção. O mundo profissional tornou-se extremamente competitivo; tentar partilha-lo com filhos pode significar perca de competitividade profissional, logo perca de rendimentos, logo insuficiência de meios para sobrevivência.


Há outro facto que pesa nisto, que é o total desajuste do sistema de ensino, concebido a pensar apenas nos homens, em relação a este problema. A ele virei em breve mas, para já, é bom que tenhamos consciência que já somos pobres demais para podermos educar 3 filhos, que é o mínimo em termos de conceito de sobrevivência.

sexta-feira, maio 18, 2007

O Ciclo das Civilizações

Se calhar já se esqueceram, mas existe um problema por detrás destes posts, que é o Fim dos Impérios: percebermos porque acabam eles e o que podemos fazer em relação ao nosso império.

Eis uma visão muito simples : o ciclo de uma civilização é como um jogo do monopólio. Os jogadores começam todos em igualdade mas, com o desenrolar do jogo, mais cedo ou mais tarde, chega-se fatalmente a um cenário em que um domina tudo, compra tudo, tem o dinheiro todo. É quando o jogo acaba!

Sonhar o Futuro


Sabem, o Futuro é um sítio muuuito diferente do passado. Já viram como é diferente o presente dum passado de há 100 anos? Por isso, para se dar uns passinhos na direcção do Futuro é necessário termos a mente preparada para pensar coisas diferentes. Mas o nosso cérebro está treinado a fazer algo muito diferente. O que o cérebro faz durante todo o dia é identificar as situações que enfrentamos, seleccionar a situação mais parecida que temos em memória, e aplicar a solução já estudada para essa situação.

Durante o dia o cérebro não pensa! o que o cérebro faz é um trabalho de "ordenador" - identificação de situações e escolha de solução de entre as que existem no seu banco de dados.

Por exemplo, se forem a atravessar uma rua e aparecer um carro, o cérebro surge logo com a solução de fuga para a frente ou fuga para trás; como são duas soluções, pode acontecer que fiquem um momento paralisados sem saber por qual das duas optar. O cérebro não surge com uma opção de "voar" porque essa opção não consta do seu banco de dados, foi previamente eliminada.

Se não fosse assim, se o cérebro se pusesse a fazer o levantamento das opções possíveis e depois se dedicasse à análise da melhor, morreriamos atropelados.

Portanto, durante o dia, o cérebro não "pensa", o cérebro "ordena" informação. E isso é assim para que consigamos sobreviver, porque se o cérebro "pensasse" seria demasiado lento.

Bom, o cérebro não pensa de dia mas pensa de noite: durante a noite, o cérebro vai buscar as situações enfrentadas de dia, ou cria mesmo situações derivadas dessas, e entretem-se a procurar solução para elas. Enquanto dormimos, o cérebro pensa! É durante a noite que ele preenche o banco de dados que nos habilita à rápida tomada de decisão indispensável à sobrevivência.

Para sermos "criativos", para termos ideias novas, que não sejam a repetição de ideias antigas, precisamos de ser capazes de pensar sem estarmos completamente a dormir. Precisamos de "enganar" o cérebro. Ou precisamos de ser capazes de pôr o cérebro a pensar naquilo que queremos enquanto dormimos.

Se adormecemos preocupados com um assunto, durante a noite o cérebro vai analisar essa situação e de manhã podemos ter a solução - acontece muito aos estudantes, não é?

Mas há outras maneiras. Durante a noite o cérebro tende a mudar para o estado "pensador", por isso os intelectuais ou criativos sentem que têm mais rendimento quando trabalham de noite.

Podemos também "trabalhar" quando nos sentimos a cair de sono - óptima altura para o cérebro se assumir como "pensador". Ou, e isso é o que mais resulta comigo, quando começo a acordar não saio da cama - deixo o pensamento fluir, fluir, até começarem a surgir ideias novas, soluções para os problemas da véspera.

Pergunta e ser-te-á respondido. Já ouviram isso, não é verdade? E está certo. Ao "perguntar" colocamos uma questão ao nosso cérebro. Depois ele vai pensar nisso, de uma forma inconsciente, nós não damos por nada. E, de repente, pode surgir-nos a resposta. Para isso basta que saibamos perguntar ao nosso cérebro. Que perguntemos e o deixemos em paz para pensar no assunto, não podemos pôr o chato do consciente sempre a interferir, a dar sugestões, analisa isto, analisa aquilo.

Bem, já vimos aqui o que são os sonhos (alguns), como funciona o cérebro para garantir a sobrevivência, como o podemos usar para "pensar". Fui um pouco radical na exposição, porque o cérebro também é capaz de pensar durante o dia. Mas não é essa a sua tendência e temos de tomar alguns cuidados senão deixamos de ser "racionais", passamos simplesmente a ser capazes de reproduzir o passado. Por isso é que tantas pessoas vivem quase toda a sua vida repetindo-se dia após dia.

quinta-feira, maio 17, 2007

O Suor do Rosto

Todos já ouvimos falar de ganhar o pão com o suor do rosto. No tempo dos nossos avós era assim. Muito suor era preciso verter antes de ganhar o pão. Mas isso não foi sempre assim nem no tempo nem no espaço. Por exemplo, nos climas tropicais a sobrevivência pode ser coisa fácil. Não é preciso proteger do frio, logo não é preciso fazer roupas nem cuidar delas. Muito suor se poupa só aí. Comer? Apanha-se a fruta da árvore. Há sempre fruta na árvore. Também não é preciso suar para isso. E pode-se caçar. Sua-se, mas sua-se de prazer, não é desse suor que estamos a falar...

As condições dificeis que a humanidade, em consequência do seu crescente número, foi tendo que suportar é que foram exigindo "o suor do rosto" para garantir a sobrevivência.

Mas a humanidade foi descobrindo maneiras de suar menos. Aprendeu a comunicar, aprendeu a organizar-se, inventou a agricultura, a pecuária, etc. Ou seja, criou um sistema que faz que com o mesmo esforço seja possível obter muito mais. Menos suor para mais produto.

Portanto, o conjunto de conhecimentos e capacidades que a humanidade foi desenvolvendo ao longo das eras funciona como um amplificador do trabalho humano. A riqueza produzida pela humanidade já não é o directo resultado do suor do rosto mas do Sistema construido, passado de geração em geração e sucessivamente ampliado. Nós, humanos, somos agora operadores deste sistema.

Para termos uma ideia da relação entre o nosso trabalho, o suor do nosso rosto, e a riqueza produzida pelo sistema em que estamos inseridos podemos recorrer ao seguinte exemplo:

Uma viagem de comboio entre Lisboa e Porto custa aproximadamente o mesmo que duas horas de um trabalho indiferenciado (duas horas de ordenado mínimo). Portanto, por duas horas de trabalho não especializado o nosso Sistema transporta-nos a 300 km de distância. Se não existisse o Sistema, que distância percorreríamos em 2 horas? A corta-mato... uns 10 km? Bom, então o Sistema ampliou 30 vezes o nosso "suor"!

Isto poderá parecer-vos ridiculo à primeira vista, mas se começarem a comparar as diferenças de ordenado em países com diferentes graus de desenvolvimento, ou seja, com Sistemas de diferente eficiência, vêm que essas diferenças de ordenado estão relacionadas com as diferenças de eficiência.

Por outro lado, se forem trabalhar para um lugar onde não disponham de computador nem da organização nem das muitas coisas que constituem o Sistema que aqui existe, logo verão o que acontece à vossa capacidade de produzir riqueza.

Daqui podemos concluir uma coisa: o pagamento que recebemos pelo trabalho que realizamos não é uma medida do "suor do nosso rosto", como o era no tempo dos nossos avós. O condutor do comboio que transporta 500 pessoas em 3 horas de Lisboa ao Porto não é mais sábio que o cocheiro que nesse tempo, para levar dois passageiros ao mesmo destino tinha de conhecer uma infinidade de caminhos entre aldeias, cuidar dos cavalos, da carruagem e dos passageiros. Antes pelo contrário. Nós hoje recebemos muito mais em troco do mesmo suor porque temos um Sistema muito mais desenvolvido

Portanto, a riqueza, o PIB se quiserem, não é directamente produzido por nós mas por um sistema que operamos. Essa riqueza é depois redistribuída sob diversas formas, uma das quais é o vencimento que recebemos. Mas esse vencimento já não é a contrapartida directa do nosso suor, ela resulta de um processo de redistribuição da riqueza produzida.

A cobrança de impostos pelo Estado faz parte do processo de redistribuição de riqueza, como o pagamento de reformas, ou da assistência médica, ou do ensino.

As reformas não têm nada a ver com os descontos que fizemos no passado, os impostos que pagamos não são tirados ao suor do nosso rosto. O suor do nosso rosto só corresponde a uma pequenina parte do que recebemos.

Percebo daqui a indignação do leitor. Mas pense um pouco. Faça umas continhas. Veja, por exemplo, que um horita do seu trabalho dá para pagar uma refeição num restaurante. Mas já viu o que foi preciso para essa refeição? Foi preciso criar legumes, criar gado, dispôr de água potável, produzir a sua bebida, transportar isso tudo, cozinhar, e para isso foi preciso fabricar utensílios com materiais retirados das entranhas da terra, usar combustível idem, e foi servido numa casa que teve de ser construida, etc, etc, etc. Tudo isso por uma hora do seu trabalho. É bom, não é?
No tempo dos nossos avós, às vezes um dia inteiro de trabalho só dava para uma codea de pão...
Mas, graças a eles, aos nossos pais, que se esforçaram por melhorar o Sistema, hoje dispomos de uma verdadeira máquina de produzir riqueza.

Agora podemos começar a pensar sobre o processo de redistribuição de riqueza, ainda usando conceitos do tempo em que o Sistema era pouco eficiente mas já namorando o futuro.

terça-feira, maio 15, 2007

Não resisto!

Não resisto a pegar na comentário do António ao post anterior e a desenvolver um pouco a ideia...

O António tem de certeza alguma razão ... como o ensino não forma para a autonomia, as pessoas que entram no sistema de ensino tendem a sair menos autónomos... logo empresários só os que escaparam à acção do sistema de ensino...

Agora vejam o seguinte: as pequenas e médias empresas é que geram a riqueza nacional - essas grandes empresas, que tanto enchem os noticiários, representam uns 2% do PIB. Ou seja, com elas ou sem elas ficavamos na mesma!

Muitas das pessoas que se formam vão trabalhar para as grandes empresas de capital estrangeiro. O seu impacto na riqueza nacional é mínimo.

Imaginem agora que o sistema de ensino se torna muito eficiente, deixa de haver abandono escolar. Então, catástrofe das catástrofes, essa massa de gente que faz empresas desaparece! Paasamos a ter só bons alunos, desesperadamente à procura de emprego numa multinacional qualquer. Como muitos não conseguem, ficam desempregados, porque a alternativa, fazer a sua própria empresa, é-lhes impensável, têm 20 anos de escola onde foram ensinados a NÃO fazer isso!

Os sinais já aí estão, o desemprego entre licenciados está a aumentar! (porque é que as pessoas de baixa formação saem do desemprego fazendo empresas e os licenciados não? Os centros de emprego promovem o empreeendedorismo entre os licenciados desempregados?)

Felizmente que já sabemos, por informação da Laura-que-anda-na-chuva, que se dão cursos de empreendedorismo aos maus alunos! Agora percebemos porquê! Pois se são eles que fazem as empresas, nada como prepara-los melhor para essa actividade. Afinal, são eles que nos vão sustentar...

segunda-feira, maio 14, 2007

noticia

"na última década do século XX, os donos das empresas que surgiram tinham, em média, 7,7 anos de escolaridade."
(dados do Ministério do Trabalho, notícia do Destak de hoje)

Isto é dramático, não é? Só nos países muito, muito, terceiro mundo, não será?

De toda a gente deste país, só há um grupo de pessoas que de certeza não tem culpa nesta situação - estas pessoas de baixa formação que criaram empresas.

mas animem-se: o próximo post dirá coisas estimulantes, para tristezas já chega!

domingo, maio 13, 2007

Ecossistema Humano

Quando eu comecei a trabalhar, a minha natureza e juventude levou-me a tentar introduzir alterações em alguns processos de trabalho existentes no meu emprego. A reacção (indignada) de 90% das pessoas era: mas eu sempre fiz assim! há 20 anos que eu faço assim!

Durante séculos, as pessoas fizeram o mesmo geração após geração - já o meu pai e o meu avô faziam assim. No séc XX isto passou a mudar de geração para geração mas a permanecer invariante em cada geração.

Numa sociedade que não evolui, em que a riqueza produzida é sensivelmente constante, o objectivo de "ter sucesso na vida", quase que só pode ser conseguido à custa dos outros. Ou seja, para eu ter mais dinheiro, alguém terá de ter menos; para eu ser considerado o melhor numa área, os outros terão de se considerados piores. A ascensão, material ou social, faz-se à custa dos outros.

Num quadro destes, a exigência de conceitos morais sólidos torna-se importante para evitar o descalabro. O pior é que depois os que ascendem são os que não se limitam por esses conceitos.

Disse-me uma vez, com dôr, um brilhante astrónomo do Porto: os conselhos da avózinha são o estigma do fracasso.

Assim, a pouco e pouco, uma sociedade que não evolui acaba refém dos espertos, dos que pregam para os outros uma moral que não seguem. As pessoas "ricas", "importantes", são normalmente muito "crentes", pois a Igreja é o veículo da moral que lhes convém que os outros sigam. A Igreja é muito mais do que isso, mas também é isso.

A alternativa, a porta de saída para esta situação infernal, é as pessoas procurarem contribuir para um aumento da riqueza colectiva - um aumento do bolo.

Por exemplo, se a banca investir em novas empresas, contribuir para o aumento da riqueza colectiva, os seus lucros serão algo a festejar, sinal de que estamos, no conjunto, mais ricos.

Mas não, a banca não faz isso, os seus lucros resultam de taxas sobre os utilizadores dos seus serviços e actividades especulativas. Não geram riqueza colectiva, apenas ficam com uma fatia maior do bolo. Se a banca fica mais rica, então nós ficamos mais pobres. (este ano ficamos perto de mil milhões de euros mais pobres... )

Esta mentalidade do salve-se quem puder impregna toda a sociedade. Por isso a relutância no investimento na pré-primária, porque convém a quem já tem uma fatia do bolo maior que o analfabetismo funcional se propague. Por isso a falta de orientação de um ensino para a autonomia. Por isso os privilégios de que beneficiam os colégios estrangeiros. As médias de entrada em Medicina não vos causam espanto? Claro, muitos tem aquelas médias por processos fraudulentos, ainda que "legais". Mas ninguém se incomoda com isso, quem sabe quer é aproveitar-se.

Quem pode mudar este estado de coisas que nos arrasta colectivamente para o fundo?
Para começar, os professores. Eu tenho uma grande fé nos professores. Os professores dos níveis de ensino até ao 12º ano têm nas suas mãos a sociedade do futuro. São os primeiros agentes do Futuro.
Antigamente, a Escola ensinava os conhecimentos do Passado, porque estes se mantinham válidos no Futuro; os empregos pediam pessoas com experiência, esta era uma vantagem. Mas hoje os conhecimentos do passado já não são os do Futuro, e a experiência serve para quê? Os empregos pedem pessoas sem experiência e com capacidade de aprendizagem.
A Escola de hoje não pode ficar no passado, os professores têm de ensinar o que ainda não sabem! Tem de ensinar os vectores do conhecimento, da cidadania e da autonomia. Parece transcendente mas não é: basta a Escola seguir aquilo que é a verdadeira herança da nossa civilização, o primado da razão, ou a herança helénica, Socrática, se assim o quiserem. Abrirem as cabeças ao livre pensamento. Imensos professores já fazem isso, mas haverá que transformar em vaga gigante o que são ainda ondas dispersas.

E quanto a valores? Só os valores fundados na razão funcionam! Os outros, heranças mais ou menos religiosas, as suas obscuras bases sossobram no primeiro embate com o Interesse. Aceitamos os valores que compreendemos.

Bom, mas isso é para a próxima geração. E nós, o que podemos fazer agora?

sábado, maio 12, 2007

Educar para a autonomia


Educar para a autonomia... o que é isso? Para mim, duas componentes fundamentais o caracterizam.

Uma é desenvolver a capacidade de questionar, de procurar pontos de vista alternativos, de saber pensar à luz doutros interesses.


Por exemplo, que eu saiba, não se estuda religiões no nosso ensino. Ou estuda-se uma, sem sentido crítico. Não se estudam morais, estuda-se que uma é boa, a nossa, as outras estão erradas. Sendo a religião católica tão importante na nossa sociedade, analisa-se, por exemplo, os seus dogmas? Santíssima Trindade ... Pai, Filho e... Espírito Santo?!? Porquê? A mãe de Jesus era... Virgem? Que se aprende das outras religiões, que estão a ter uma importância fundamental na história actual?

Outra, é ensinar o que é a nossa sociedade. Antigamente, as sociedades humanas tinham uma estrutura relativamente simples, não era preciso ensiná-la, mas hoje é ao contrário: o Universo Humano, as regras, as forças, os agentes da sociedade que construímos atingiram uma elevada complexidade. Saber coexistir com isto tornou-se muito mais importante do que saber botânica ou mineralogia.


Por exemplo, os jovens saem do 12º ano com idade para votar. Mas que sabem eles do nosso sistema político? Que pensam do facto de os nosso deputados não responderem directamente perante os seus eleitores? que pensam da disciplina partidária? Têm capacidade crítica do sistema ou pensarão que esta é a única forma de uma democracia?


Quando olhamos para os outros países europeus vemos que, em muitos, estas questões já estão resolvidas, que há a preocupação de ensinar aquilo que é importante para a vida e responsabilidades que esperam os jovens. Então, porque é que cá não se faz isso?

(e quando se tenta qualquer coisa nesse sentido surgem logo as vozes críticas - estou a lembrar-me duma tentativa de discutir os "reality show" nas escolas...)


Laura-que-anda-na-chuva, esclareça por favor esta angústiante interrogação que paira na minha mente: estará o nosso ensino mais próximo do que é praticado nos países islâmicos do que nos países mais avançados?


Eu desconfio que o nosso ensino não prepara cidadãos mas súbditos e que não é por incompetência, é de propósito, é por ser esse o interesse dos grupos dominantes. O que liga este assunto à visão do António da sociedade humana como um ecossistema autónomo. A analisar num próximo post...

sexta-feira, maio 11, 2007

Desvio 2 - Ordenados Baixos


A interacção com os leitores está frutuosa, nomeadamente com o António e a Laura-anda-à-chuva, e aqui vai mais uma ideia nela originada .


O que é que faz os ordenados serem altos ou baixos? A ganância dos patrões? A luta dos sindicatos? A intervenção do Estado?

Consideremos um cenário de empresas pouco sofisticadas, de baixa eficiência e produtividade. Não carece de empregados muito eficientes, não precisa de seleccionar os seus trabalhadores, qualquer um serve. Os ordenados serão baixos.
Consideremos o caso das empresas altamente eficientes. Cada posto de trabalho é um lugar de responsabilidade, onde o trabalhador tem normalmente de ter uma visão geral da empresa, onde é um componente importante do sistema. A sua eficiência reflete-se na eficiência da empresa. O patrão tem de seleccionar os empregados e pagará muito mais, dependendo da oferta do mercado.

Num cenário como o português, com muitas pessoas com baixa formação e empresas de todos os tipos, a tendência será para a existência de um grande leque salarial.

Consideremos agora que o sistema educativo é altamente eficiente e todas as pessoas são altamente qualificada. Então, mesmo que as empresas sejam todas altamente eficientes, exigindo trabalhadores muito competentes, os ordenados são todos baixos porque volta a não ser preciso selecção, todas as pessoas são qualificadas. Paradoxal, não é?


Qual é a solução para evitar o esmagamento dos ordenados? Simples:

Cada trabalhador tem de ser um empresário em potência. Se não lhe pagam o que ele quer como empregado, então ele tem de ser capaz de montar a sua própria empresa. Sozinho ou com outros. E isto que lhe dá poder negocial.

Isto exige dois tipos de condições:

1- um sistema educativo que prepare as pessoas para a vida empresarial
2- um adequado sistema de apoio (financeiro, estatal) à criação de novas empresas

Se o sistema educativo for capaz disso, o resto vem por arrastamento.

Conclusão: uma escola que não prepara para a vida empresarial não prepara os seus alunos para o futuro

quinta-feira, maio 10, 2007

Desvios 1 - Sobrevivência

Os vários comentários, alguns recebidos só por email, estão a fervilhar na minha cabeça e preciso de pôr alguma ordem nisto. Vou tentar organizar algumas ideias, divagando um pouco.

Em relação ao fim dos impérios, continuo com a ideia de que é o facto de as condições de sobrevivência não estarem asseguradas para uma parte significativa da população que vai determinar o descalabro.

O conceito de condições de sobrevivência é relativo - em África o que é necessário para sobreviver é incomparavelmente menos do que numa cidade ocidental, sobretudo num clima extremo. Moçambique será dos países mais pobres do mundo, no entanto a taxa de população em risco de sobrevivência pode ser muito menor que noutros paises supostamente muito mais "ricos". E não é só uma questão de clima, por exemplo, no Brasil uma significativa parte da população, porque vendeu os terrenos para o cultivo da cana de açucar e outras razões, e porque, ao contrário do que ainda acontece em África, não pode alimentar-se da fruta das árvores, deixou de ter condições de sobrevivência, pois a sociedade brasileira ainda não tem emprego para cerca de 200 milhões de pessoas. A "civilização" já impede as pessoas de viverem da natureza mas ainda não fornece uma alternativa para todos.

As pessoas que fazem desacatos em França e incendiam automóveis estão possivelmente com um problema de sobrevivência. Eles percebem que não terão condições de sobrevivência - ou seja condições para terem casa, dignidade, não passarem fome, terem filhos - no quadro actual da sociedade francesa.
Assim, temos de entender o conceito de sobrevivência como a capacidade de viver com dignidade e assegurar a reprodução no quadro da sociedade em que se vive. Estas condições são muito diferentes em diferentes sociedades. Quando insuficientes no quadro de uma dada sociedade, levam à emigração ou à revolta. Em grande escala, determinarão o descalabro, o caos, o fim desse modelo de sociedade. O fim do Império.

Ainda pegando no conceito de sobrevivência, podemos entender melhor o 25 de Abril, como referiu um amigo que me contactou por email. A guerra em África tinha-se tornado algo eterno, sem fim à vista. Todo o jovem tinha presente que um dia iria andar na selva africana a disparar tiros sem saber porquê e arriscar-se a ficar estropiado ou morto. Todos os pais tinham presente que os seus filhos teriam de passar pela guerra em África. O 25 de Abril fez-se para acabar com a guerra, não se fez por causa da ditadura, até porque esta estava em clara reforma pelo Marcelo Caetano. A única coisa que os portugueses não queriam do sistema antigo era a guerra. A guerra estava a manchar a sobrevivência. O resto do sistema estava de acordo com as suas mentalidades.

Ora isto leva-me a um terceiro aspecto - os portugueses exibem uma clara tendência para serem súbditos, empregados, dependentes, em vez de cidadãos, empresários, responsáveis. É nisto que está a diferença entre uma ditadura e uma democracia. A democracia faz-se com cidadãos, não com súbditos.

Porque é que é assim? Eu não acredito em explicações genéticas, portanto será algo que tem a ver com o sistema, a educação. Quem dá explicações?

terça-feira, maio 08, 2007

porque caem os impérios

Procupamo-nos muito com as catástrofes naturais que se repetem, desde tremores de terra à queda de meteoros, mas ignoramos as catástrofes que ocorrem no seio da sociedade humana e que até são mais destrutivas que as naturais. E não estamos conscientes deste tipo de catástrofes por duas razões: porque ignoramos a sua natureza e porque pensamos que eram coisas dum passado atrasado e ultrapassado - até falamos do "fim da história", tal como muitos cientistas falam do "fim da física", dois máximos exemplos da ilimitada estupidez que Eisntein referiu.

Eu estava convencido que razão principal da queda sistemática das grandes civilizações tinha a ver com o problema da sobrepopulação. Os grandes impérios formam-se na sequência de grandes desenvolvimentos na organização e na produção de alimentos, como foi o caso dos Fenícios, Egípcios, Romanos, etc.. As zonas vizinhas, sem esses avanços, suportam densidades populacionais mais baixas, e essas civilizações vão se expandido porque a aplicação do seu conhecimento nesses espaços cria zonas que suportam mais população; e têm de viver em continua expansão porque a população vai crescendo e atingindo a saturação no espaço existente.

Mas há sempre um limite para a expansão que a organização consegue suportar e quando já não há mais expansão possível, o Império deixa de ser capaz de assegurar a sobrevivência dos seus cidadãos e entra em colapso - primeiro instala-se a desordem, o salve-se quem puder, o sistema organizativo começa a degradar-se, a capacidade de prover a sobrevivência agrava-se e dá-se o colapso.

Depois do último post e graças aos comentários recebidos, a minha visão alargou-se. A razão do colapso continua a ser a mesma, i. e., a incapacidade da assegurar a sobrevivência, mas a sobrepopulação não é a única causa do colapso. E esta causa é que vai ser determinante no futuro próximo.

O que é preciso para a sobrevivência? Diz-se que a Guiné-Bissau é dos paises mais pobres do mundo. Quererá então isso dizer que que lá a sobrevivência é crítica?
Nada disso. Eu estive lá. No interior. Vi pessoas que nada tinham, praticamente nem roupa tinham e, no entanto, sentiam-se no paraiso. Nada lhes faltava. A comida estava nas árvores. E ainda tinham uns pequenos porcos pretos para quando queriam variar a ementa. Que se criavam à solta, por si sós, quase sem ser necessário cuidar deles. As suas tabancas eram tudo o que precisavam para dormir. E dei por mim a discutir complexos conceitos filosóficos com eles. Não admira: têm o tempo todo para pensar... e falavam uma data de linguas: o português, o crioulo, a lingua nativa deles, a da mulher deles, o francês do pais vizinho... no mínimo.

Portanto, aquela gente não é pobre, não tem carências, tem tudo o que precisa para a sua sobrevivência. Não têm a minha angústia com o dia seguinte ou com o fim do mês. (note-se, isto era no interior, em Bissau já não é bem assim)

Vejamos agora a situação na nossa sociedade ocidental. Para sobreviver uma pessoa precisa de dinheiro para comprar roupa, alimentação, casa (não pode fazer a sua com o que apanha na natureza...), luz, água, transportes, comunicações; precisa de dinheiro para ter filhos e para lhes dar a educação necessária à vida na nossa sociedade. Quanto dinheiro representa isso tudo? Será que a nossa sociedade está a assegurar esse montante à sua população? Será a sobrevivência mais fácil aqui ou na Guiné-Bissau? Quem é mais pobre: um português com ordenado mínimo ou um guineense do interior sem ordenado nenhum mas dispondo da natureza?

Quando um "império" está a começar, as pessoas são basicamente iguais em direitos e o que há é distribuido por todos; depois acontece um fenómeno: a taxa de enriquecimento de cada um torna-se proporcional à riqueza já adquirida. Então, os mais ricos vão ficando cada vez mais ricos e poderosos e os outros vão tendo uma fracção cada vez menor da riqueza produzida. Nos primeiros tempos esta situação é sustentável porque o aumento de riqueza produzido pela nova sociedade é tal que dá para ir enriquecendo todos, apenas mais uns do que outros; mas a partir de certa altura, quando metade da riqueza produzida passa a estar na posse de muito poucos, o crescimento da riqueza destes passa a fazer-se sobretudo à custa dos outros e não já da riqueza produzida pela sociedade. A consequência é que a maioria da população começa a empobrecer. Começa a ter dificuldade em reunir o dinheiro necessário à sua sobrevivênvia como seres humanos. Um primeiro sinal, na nossa sociedade capaz de controlar a natalidade, é o deixarem de ter filhos.

Será que o ordenado mínimo assegura a sobrevivência de uma familia que trabalha na zona de Lisboa? Eu gostava de saber como é que tantas familias conseguem sobreviver assim. Se calhar não conseguem - não têm filhos porque o dinheiro não dá, passam um frio de rachar no inverno porque não podem ter aquecimento, etc.

Claro que já foi pior para muitas pessoas. Houve um ciclo de melhoria, enquanto os mais ricos não enriqueceram à custa dos outros, não atingiram os 50% do PIB. Mas esso ciclo já acabou, agora o peso dos mais ricos determina necessariamente o empobrecimento sustentado de mais de 90% da população.

A Globalização não surge como uma necessidade de acabar com a fome e o atraso no mundo. É que nos paises onde os 10% mais ricos já ultrapassaram há muito os 50% do PIB, o enriquecimento destes já não pode ser feito à custa da sua própria população (nos EUA, esta já só representa menos de 30% do PIB). Então tem de ser feita sobre o resto do mundo. Claro que primeiro é preciso engordar o porco antes de o matar, por isso a globalização pode determinar uma primeira fase de "desenvolvimento" antes de entrar na fase do "esmagamento".

Eu tenho até agora falado de riqueza, mas esta e o poder são duas faces do mesmo. As democracias gregas sossobraram porque o poder foi-se concentrando e acabaram por degenerar em ditaduras. Por isso é que a solução para este ciclo infernal passa sempre por retirar poder a quem o tem a mais. Mas isso nem sempre é possivel, quando a população de um país deixa de ter peso económico, quando 90% representam menos de 20% do PIB, então ficam na condição de escravos. Estamos quase lá.

Um exemplo: os lucros dos bancos têm crescido brutalmente. À custa de quê? De gerarem mais riqueza para o país? Nada disso. Apenas os consumidores dos seus serviços estão a pagar mais e a serem mais aldrabados com propostas de investimento enganadoras. A EDP teve lucros fabulosos. E os consumidores ainda vão ter de pagar uma taxa adicional para compensar as baixas tarifas??? Vêem: a riqueza e poder dos mais ricos crescem aceleradamente. A "crise", isto é, o empobrecimento de 90% da população, e o aumento dos lucros dos mais ricos estão associados. E escusam de esperar que o partido A ou B resolva a situação, quem for para o Governo vai estar demasiadamente preocupado com a sobrevivência do Estado, sem perceber que a diminuição de receitas é inexorável, como referi no post anterior, e vai estar ocupado a inventar taxas novas... e só vai acelerar o empobrecimento da população.

Este problema terá de ser resolvido por nós ou pelos nosso filhos. Falta é descobrir como. Se não descobrirmos, cedo ou tarde teremos mais um colapso civilizacional.

Notem que eu não sou do Bloco de Esquerda, não tenho ideias comunistas nem estou integrado em nenhum movimento politico. Busco apenas entender. Como qualquer filósofo. No meu caso, formado no interior da Guiné-Bissau (não é nas universidades que aprende a procurar os Porquês).

Notem também que nada me move contra os "ricos". São pessoas como outras quaisquer, agindo em consequência das regras do Sistema e dos seus interesses. Como todas as pessoas. O Sistema é que tem falhas.

sábado, maio 05, 2007

Porque não há solução para a crise

Sabem porque é que não há saída para a crise? Reparem nos seguintes dois factos:

1- Em todas as economias liberais, os 10% mais ricos concentram pelo menos 50% da riqueza produzida, do PIB - creio que a China não atingiu ainda este valor mas está muito perto e que nos EUA andará pelos 70%.

2- a riqueza dos 10% mais ricos cresce mais que o PIB (os PIB crescem 1 digito, a riqueza dos 10% mais cresce muitas vezes na casa dos 2 digitos; já viram como têm crescido os lucros da banca neste Portugal de pobrezinhos?)

Destes dois factos surje uma conclusão inevitável: 90% da população está cada vez mais pobre! Óbvio, não é verdade? Se um pais tiver 50% da riqueza na mão de 10%, se o seu PIB crescer 3% e a riqueza do 10% mais ricos crescer 8%, a riqueza do restante 90% das pessoas vai diminuir 2%.

Portanto, o actual sistema conduz inexoravelmente ao empobrecimento de 90% da população!
Isto é um facto. Como pertenceremos a estes 90% (os 10%mais não têm tempo para blogs) vamos ficar sempre mais pobres!

Claro que isto é em termos médios. Os governos têm de ir subindo ordenados mínimos (em Portugal parece que já nem isso...). Então, vão descer nalgum outro lado - nas reformas, nos gastos sociais, nomeadamente na saude, etc

Por outro lado, há uma razão para não notarmos esse empobrecimento: é que o preço de muitos produtos está sempre a descer.

O PIB resulta do produto do aumento de produção pelo valor do que se produz. Se a produção dobrar mas o preço do produto cair para metade, o PIB não aumenta. O que acontece é que o aumento de produção suplanta ligeiramente a queda de preços.

Essa queda de preços é fácil de constatar nos produtos electrónicos. Mas noutros produtos está a ficar complicado, porque as exigencias de qualidade são crescentes. Os carros "baratos" não embaratecem porque cada vez têm de cumprir mais especificações. A alimentação já bateu no fundo, já usou lixo reciclado como alimento para animais, mas hoje começa a não o poder fazer.

Ou seja, o preço dos bens e serviços essenciais começa a ter dificuldade em descer. E, não descendo, o embobrecimento da população começa a sentir-se fortemente.

Não quer dizer que estes preços já tenham atingido o mínimo - em breve será talvez possivel criar músculo em laboratório, acabando com a necessidade de criação de gado, por exemplo, o que poderá significar uma nova janela de preços descendentes na alimentação. Mas no entretanto...

Outro problema mais grave: como 90% da população está cada vez mais pobre, os rendimentos de 90% da população vão tendendo para o ordenado mínimo; ora estes não pagam IRS. Então, acontece que, com o actual sistema de impostos, as receitas do Estado e da segurança social vão diminuir! O Estado vai ficar cada vez mais pobre! Cerca de 50% dos portugueses já não pagam IRS porque não têm rendimentos suficientes. Este número tende a aumentar, a taxa média de IRS tende a descer.

Para fazer face a isto o Estado começa a cortar despesas, que é como quem diz, serviços. E começa a querer cobrar noutro tipo de impostos, o que conduz a um empobrecimento ainda maior dos 90% da população - é o que acontece com o aumento do IVA: se o IVA aumenta 3% isso significa que ficamos 3% mais pobres porque o nosso poder de compra diminui 3%. E introduz ecotaxas, taxas moderadoras, impostos para os reformados...

A situação é pois esta: no nosso sistema económico 90% da população, o Estado e a segurança social estão cada vez mais pobres. Isto é inerente ao sistema tal como está a funcionar. O Estado será cada vez mais fraco e incapaz de controlar o aumento de riqueza e de poder dos 10% mais ricos. O Estado vai tentar manter as suas receitas à custa dos 90% cada vez mais pobres e os 10% mais ricos vão culpar o Estado da situação para que ninguém os culpe a eles. Vamos tender todos para o ordenado mínimo, degradado por cada vez mais taxas e menos serviços tendencialmente gratuitos, e depois teremos de inventar uma revolução. Outra vez.

Nos paises mais fortes, tentarão ir buscar riqueza no estrangeiro, tentarão que o aumento de riqueza dos 10% mais ricos se faça à custa doutros povos. Que terão de se revoltar. Outra vez.

No entretanto, aproveitemos as viagens de avião cada vez mais baratas...