sábado, março 29, 2008
A Estratégia da Culpa e Expiação
“O que me chamou a atenção, Alita, foi uma academia científica, como supostamente o é a Pontifícia Academia, ter organizado uma sessão plenária sobre «A possibilidade de predição na ciência: precisão e limitações»; estranhei porque os cientistas reúnem-se para apresentar novos resultados, analisar problemas com vista à sua ultrapassagem, nunca para concordar em que a ciência tem esta ou aquela limitação intrínseca.”
“De facto, um cientista nunca aceita que a ciência tem limitações que não possam ser ultrapassadas... mesmo quando está convencido disso declara que a limitação é da natureza e não da ciência, como no Princípio da Incerteza... como interpretas isso?”
“Penso que esta assembleia não tinha, na realidade, o objectivo de discutir fosse o que fosse mas foi uma forma de fazer uma declaração: a academia científica do Vaticano declara que a Ciência é incapaz de fazer predições fiáveis!”
“Para muita gente isso seria o mesmo que afirmar que a Ciência não serve para nada...”
“Claro; é por isso que é um bocado despropositado uma academia científica fazer tal declaração.”
“Mas é uma academia do Vaticano. Repara: os cientistas não são autónomos, estão sempre ao serviço dum Poder, seja político, económico ou religioso. Essa academia está ao serviço da Religião e essa declaração parece-me inserida na luta pelo papel de guia máximo da humanidade que a Ciência e a Religião travam há longo tempo.”
“ A Ciência e a Religião a disputarem o lugar de Pastor da Humanidade!”
“Exactamente! Ou melhor, o velho pastor, a Religião, a afirmar que o novo Pastor, a Ciência, não pode prever o Futuro. Isso é muito importante para a Religião porque a sua força também depende da ideia de que «o Futuro a Deus pertence» e ela é o intermediário para Deus, logo, para o Futuro.”
“Interessante falares do velho pastor e do novo pastor... tive um sonho sabes...” Subitamente, a expressão de Tulito mostrou cansaço e preocupação. Alita pousou a mão no ombro dele, o olhar preocupado e terno, e segredou-lhe maternalmente:
“A nossa missão é de observação, não podes envolver-te tanto...”
“Eu sei, mas não posso ficar indiferente, estou como um torcedor de futebol, não posso intervir mas isso não me impede de sofrer por uma equipa e de tentar perceber as tácticas em campo... e isto não é um jogo de futebol!”
Alita reagiu de imediato, aproveitando a deixa: “Boa imagem! Vamos então agir como espectadores de um jogo e descodificar as tácticas!” Percebia-se o falso entusiasmo da declaração com que procurava combater o momento de desânimo do Tulito. “Ora conta-me lá esse sonho” rematou, decidida.
Tulito deitou-lhe um olhar quase divertido, a tentar mostrar um ânimo que ainda não sentia, e começou a contar: “Havia um pastor novo e um velho... percebi que eram a ciência e a religião... e havia um abismo que percebi que era o Evento... o velho sabia disso mas o novo não... “
“E?”
“ E o velho percebeu que não podia avisar o outro, nem as ovelhas do outro, porque ao conhecimento do velho já ninguém ligava.”
“Normal.”
“Mas o velho viu então uma possibilidade de tirar vantagem da situação: se ele fizesse um aviso, sem insistir, deixando que pensassem que o aviso era uma maluqueira dele, as ovelhas que sobrevivessem lembrar-se-iam do aviso e passariam a acreditar no conhecimento do velho e a segui-lo; desta forma, ele poderia a voltar a ser o único pastor.”
“humm... não sei não... se essas ovelhas são os humanos...”
“Pois, o velho do meu sonho teve então uma reacção estranha, que me ficou vivamente marcada na memória.”
“ Qual?”
“ Entrou em pânico, começou a chamar burro a si mesmo, a dizer que ninguém poderia saber nada, nunca, nunca! Acordei nessa aflição, de um segredo que tem ser mantido a todo o custo; e com a sensação de que precisava desesperadamente de encontrar uma solução.”
“Claro!”
“Claro? Porquê? Não estou a perceber nada.” O espanto misturava-se com algum desânimo.
“Querias que as humanas ovelhas dissessem: que burras que nós fomos, bem nos avisou o velho? Nada disso!”
“ Então?!”
“Então, os humanos têm sempre de arranjar um culpado para tudo o que lhes acontece. A primeira coisa que vai surgir na cabeça das ovelhas é: quem é o culpado? Ora a resposta «eu» nunca serve; logo, elas irão fatalmente culpar o velho pastor. Afinal, ele sabia e não as protegeu, não as avisou devidamente!”
“...mas se elas nunca acreditariam nele...”
“Claro, mas na altura do desastre elas não vão pensar isso, pensarão que ele não as convenceu de propósito.”
“ Então a solução seria o velho pastor não dizer nada, fazer segredo do que sabia e deixar a catástrofe acontecer?”
“De certeza que não; a função dos pastores é proteger as ovelhas, se acontecer a catástrofe ambos os pastores serão crucificados pelas sobreviventes. A história dos humanos é fértil em situações em que a ocorrência de um desastre natural determinou o massacre dos sacerdotes.”
“O que dizes faz sentido, excepto numa coisa: se eu não sabia isso, como pude sonhar isso?”
“O teu cérebro sabe muito mais do que aquilo de que tens consciência. Essa informação toda que tu pesquisas, tu analisas, seleccionas e depois esqueces o que achas que não tem interesse; o teu cérebro, porém, faz a escolha dele e memoriza a nível inconsciente coisas que ele acha importante, mesmo que o teu consciente não ache. E é com esse material que ele constrói os sonhos. Isso é básico.” O olhar de Alita tinha o mesmo ar condescendente das mulheres humanas quando falam duma coisa que é trivial para elas mas não para os homens.
“Talvez tenhas razão. De facto, este sonho liga-se a coisas que eu já li. Como o tão falado 3º segredo de Fátima que não é mais do que uma descrição do clássico massacre dos sacerdotes quando acontece uma catástrofe. E já percebi que o Vaticano tinha uma estratégia para enfrentar o Evento, que era a do Deus Colérico, um deus que iria escaqueirar o planeta irritado pelos pecados humanos, sobretudo pelos que não crêem nele. Li discursos de altos dignitários do Vaticano e afirmações da vidente que definiam claramente essa estratégia. Com essa estratégia inocentava-se a Igreja e definia-se a priori quem era o culpado: os “pecadores” e os não-crentes!”
“Vês? Afinal até estava no teu consciente o conhecimento que gerou o sonho!” Alita suspendeu-se meditativa. “Mas não percebo uma coisa: os sonhos desse tipo resultam de um conflito entre as informações de que o cérebro dispõe, e a angústia com que terminam é a procura de uma solução para o conflito; ora eu não estou a ver onde está o conflito.”
“Ahh, mas eu estou!” Tulito num súbito recobro de confiança, “ O conflito está entre essa estratégia e o discurso do Papa. O Papa fez um discurso nessa assembleia. Esse discurso tem de ter um significado, toda essa cerimónia foi preparada para passar uma mensagem. Ora o que esse discurso mostra é que há uma nova estratégia. Mas eu ainda não percebi exactamente os seus contornos. Queres ver?”
“De facto, um cientista nunca aceita que a ciência tem limitações que não possam ser ultrapassadas... mesmo quando está convencido disso declara que a limitação é da natureza e não da ciência, como no Princípio da Incerteza... como interpretas isso?”
“Penso que esta assembleia não tinha, na realidade, o objectivo de discutir fosse o que fosse mas foi uma forma de fazer uma declaração: a academia científica do Vaticano declara que a Ciência é incapaz de fazer predições fiáveis!”
“Para muita gente isso seria o mesmo que afirmar que a Ciência não serve para nada...”
“Claro; é por isso que é um bocado despropositado uma academia científica fazer tal declaração.”
“Mas é uma academia do Vaticano. Repara: os cientistas não são autónomos, estão sempre ao serviço dum Poder, seja político, económico ou religioso. Essa academia está ao serviço da Religião e essa declaração parece-me inserida na luta pelo papel de guia máximo da humanidade que a Ciência e a Religião travam há longo tempo.”
“ A Ciência e a Religião a disputarem o lugar de Pastor da Humanidade!”
“Exactamente! Ou melhor, o velho pastor, a Religião, a afirmar que o novo Pastor, a Ciência, não pode prever o Futuro. Isso é muito importante para a Religião porque a sua força também depende da ideia de que «o Futuro a Deus pertence» e ela é o intermediário para Deus, logo, para o Futuro.”
“Interessante falares do velho pastor e do novo pastor... tive um sonho sabes...” Subitamente, a expressão de Tulito mostrou cansaço e preocupação. Alita pousou a mão no ombro dele, o olhar preocupado e terno, e segredou-lhe maternalmente:
“A nossa missão é de observação, não podes envolver-te tanto...”
“Eu sei, mas não posso ficar indiferente, estou como um torcedor de futebol, não posso intervir mas isso não me impede de sofrer por uma equipa e de tentar perceber as tácticas em campo... e isto não é um jogo de futebol!”
Alita reagiu de imediato, aproveitando a deixa: “Boa imagem! Vamos então agir como espectadores de um jogo e descodificar as tácticas!” Percebia-se o falso entusiasmo da declaração com que procurava combater o momento de desânimo do Tulito. “Ora conta-me lá esse sonho” rematou, decidida.
Tulito deitou-lhe um olhar quase divertido, a tentar mostrar um ânimo que ainda não sentia, e começou a contar: “Havia um pastor novo e um velho... percebi que eram a ciência e a religião... e havia um abismo que percebi que era o Evento... o velho sabia disso mas o novo não... “
“E?”
“ E o velho percebeu que não podia avisar o outro, nem as ovelhas do outro, porque ao conhecimento do velho já ninguém ligava.”
“Normal.”
“Mas o velho viu então uma possibilidade de tirar vantagem da situação: se ele fizesse um aviso, sem insistir, deixando que pensassem que o aviso era uma maluqueira dele, as ovelhas que sobrevivessem lembrar-se-iam do aviso e passariam a acreditar no conhecimento do velho e a segui-lo; desta forma, ele poderia a voltar a ser o único pastor.”
“humm... não sei não... se essas ovelhas são os humanos...”
“Pois, o velho do meu sonho teve então uma reacção estranha, que me ficou vivamente marcada na memória.”
“ Qual?”
“ Entrou em pânico, começou a chamar burro a si mesmo, a dizer que ninguém poderia saber nada, nunca, nunca! Acordei nessa aflição, de um segredo que tem ser mantido a todo o custo; e com a sensação de que precisava desesperadamente de encontrar uma solução.”
“Claro!”
“Claro? Porquê? Não estou a perceber nada.” O espanto misturava-se com algum desânimo.
“Querias que as humanas ovelhas dissessem: que burras que nós fomos, bem nos avisou o velho? Nada disso!”
“ Então?!”
“Então, os humanos têm sempre de arranjar um culpado para tudo o que lhes acontece. A primeira coisa que vai surgir na cabeça das ovelhas é: quem é o culpado? Ora a resposta «eu» nunca serve; logo, elas irão fatalmente culpar o velho pastor. Afinal, ele sabia e não as protegeu, não as avisou devidamente!”
“...mas se elas nunca acreditariam nele...”
“Claro, mas na altura do desastre elas não vão pensar isso, pensarão que ele não as convenceu de propósito.”
“ Então a solução seria o velho pastor não dizer nada, fazer segredo do que sabia e deixar a catástrofe acontecer?”
“De certeza que não; a função dos pastores é proteger as ovelhas, se acontecer a catástrofe ambos os pastores serão crucificados pelas sobreviventes. A história dos humanos é fértil em situações em que a ocorrência de um desastre natural determinou o massacre dos sacerdotes.”
“O que dizes faz sentido, excepto numa coisa: se eu não sabia isso, como pude sonhar isso?”
“O teu cérebro sabe muito mais do que aquilo de que tens consciência. Essa informação toda que tu pesquisas, tu analisas, seleccionas e depois esqueces o que achas que não tem interesse; o teu cérebro, porém, faz a escolha dele e memoriza a nível inconsciente coisas que ele acha importante, mesmo que o teu consciente não ache. E é com esse material que ele constrói os sonhos. Isso é básico.” O olhar de Alita tinha o mesmo ar condescendente das mulheres humanas quando falam duma coisa que é trivial para elas mas não para os homens.
“Talvez tenhas razão. De facto, este sonho liga-se a coisas que eu já li. Como o tão falado 3º segredo de Fátima que não é mais do que uma descrição do clássico massacre dos sacerdotes quando acontece uma catástrofe. E já percebi que o Vaticano tinha uma estratégia para enfrentar o Evento, que era a do Deus Colérico, um deus que iria escaqueirar o planeta irritado pelos pecados humanos, sobretudo pelos que não crêem nele. Li discursos de altos dignitários do Vaticano e afirmações da vidente que definiam claramente essa estratégia. Com essa estratégia inocentava-se a Igreja e definia-se a priori quem era o culpado: os “pecadores” e os não-crentes!”
“Vês? Afinal até estava no teu consciente o conhecimento que gerou o sonho!” Alita suspendeu-se meditativa. “Mas não percebo uma coisa: os sonhos desse tipo resultam de um conflito entre as informações de que o cérebro dispõe, e a angústia com que terminam é a procura de uma solução para o conflito; ora eu não estou a ver onde está o conflito.”
“Ahh, mas eu estou!” Tulito num súbito recobro de confiança, “ O conflito está entre essa estratégia e o discurso do Papa. O Papa fez um discurso nessa assembleia. Esse discurso tem de ter um significado, toda essa cerimónia foi preparada para passar uma mensagem. Ora o que esse discurso mostra é que há uma nova estratégia. Mas eu ainda não percebi exactamente os seus contornos. Queres ver?”
Etiquetas:
O Segredo
segunda-feira, março 24, 2008
O Limite dos Modelos Matemáticos
“Para perceberes o que o Papa disse, é preciso que eu te fale primeiro sobre os limites da ciência dos humanos, Alita.”
“Aiii.... está bem, mas promete-me que não te vais esquecer que a minha área não é a matemática!” Um sorriso doce sublinhou o pedido da Alita e transformou-o em ordem. Tulito sorriu-se, não conseguia reagir doutra maneira aos encantos de sereia da Alita.
“Claro, Alita, vou só tentar mostrar a natureza do problema. Diz-me por favor: qual é o objectivo essencial da Ciência, aquele que faz com as pessoas estejam dispostas a pagar os seus custos?”
“Ora, a previsão do Futuro, ou melhor, a previsão dos perigos que podem surgir no futuro, claro; a que propósito vem essa pergunta?” A mão suspensa traduzia o espanto da Alita.
“Acontece que o Método Científico deles se resume à construção de Modelos Matemáticos de ajuste aos resultados das observações. Tu não saberás, mas há uma coisa que os modelos matemáticos não podem fazer: é prever o Futuro!” Tulito pensou um instante, pegou no apontador e começou a fazer um desenho:
“Aiii.... está bem, mas promete-me que não te vais esquecer que a minha área não é a matemática!” Um sorriso doce sublinhou o pedido da Alita e transformou-o em ordem. Tulito sorriu-se, não conseguia reagir doutra maneira aos encantos de sereia da Alita.
“Claro, Alita, vou só tentar mostrar a natureza do problema. Diz-me por favor: qual é o objectivo essencial da Ciência, aquele que faz com as pessoas estejam dispostas a pagar os seus custos?”
“Ora, a previsão do Futuro, ou melhor, a previsão dos perigos que podem surgir no futuro, claro; a que propósito vem essa pergunta?” A mão suspensa traduzia o espanto da Alita.
“Acontece que o Método Científico deles se resume à construção de Modelos Matemáticos de ajuste aos resultados das observações. Tu não saberás, mas há uma coisa que os modelos matemáticos não podem fazer: é prever o Futuro!” Tulito pensou um instante, pegou no apontador e começou a fazer um desenho:
Modelo Matemático para dois pontos? Fácil! Uma recta, 1º grau (azul)! Mais um ponto? Fácil! 2º grau (amarelo)! Mais outro ponto! Fácil, sempre fácil, mais um grau no polinómio! E o ponto nº 5, onde é que vai aparecer? Ahh, isso agora... o Futuro não pertence à Matemática...
“Vou dar-te um exemplo simples. Fazer um Modelo Matemático é como estabelecer o polinómio que passa por uma série de pontos do plano; se os pontos forem apenas dois, há sempre uma recta que passa por eles; se forem três, há sempre um polinómio do segundo grau que se ajusta a eles; se foram 4, o polinómio será do 3º grau; e por aí fora.”
“Aí ainda chego!” A Alita com voz condescendente, quase ofendida, mas ainda suave como a sua presença.
“Eu sei, espera, falta-me terminar. Se tiveres 3 pontos não tens dificuldade em obter o polinómio do 2º grau que por eles passa, certo?” Tulito apontou a linha amarela do seu desenho.
“Certo, certo”
“Mas supõe que os pontos afinal eram 4 e tu só viste 3. Qual a probabilidade a priori de o polinómio que calculaste para os 3 pontos passar também pelo 4º?”
“Ora, nula!”
“Claro, Alita, isso mesmo! O Modelo Matemático que fizeste para os 3 dados que consideraste não vai acertar com outros dados, ou seja, não pode prever qual é o acontecimento seguinte. Ou melhor, em muitos casos pode prever aproximadamente um acontecimento na vizinhança de um dos pontos usados no modelo, mas o erro cresce com o afastamento e torna a extrapolação do modelo matemático sem valor.”
“Ou seja, estás a dizer que a Ciência deles é incapaz de prever o Futuro porque se baseia apenas em Modelos Matemáticos?”
“Isso mesmo.”
“Estou a perceber, falta-lhe a outra perna, como disseste, a perna da Intuição, de que falou o Poincaré. Embora eu não entenda bem porque chamou ele “Intuição” à geração de hipóteses...”
“Porque essa geração de hipóteses não é conseguida pela aplicação de um método, é uma capacidade mental que os humanos têm mais ou menos desenvolvida, não é um processo consciente.”
“Como é isso?” O ar surpreendido da Alita parecia dizer «sabes coisas sobre os humanos que eu, a especialista, não sei?»
“Eu sei lá!” Tulito riu-se com gosto.”A especialista em Humanologia és tu, não sou eu!”
Alita sorriu contrafeita, o seu jeito sedutor enrodilhou-se. Reagiu: “Eu já coleccionei alguma informação sobre isso, mas ainda a não consegui ordenar. Eles falam de ter «jeito», ou «intuição», ou «dom», ou «talento» mas ainda não percebi de que se trata. Ainda hoje vi uma frase dum tal Martin Heidegger que dizia «Nunca chegamos aos pensamentos. São eles que vêm». Já vi várias frases deste tipo. São um bocado estranhos os Humanos: são «hipnotizáveis», têm «talentos» e «intuição», e não sei que mais irei eu descobrir sobre eles...”
“Olha, que são muito arrogantes, com a mania da infalibilidade. A Igreja é infalível, a Ciência é infalível... uma obsessão com a infalibilidade. Em parte, penso que será por isso que se limitam aos modelos matemáticos, porque esses podem ser construídos por métodos simples e «infalíveis»... podem sempre determinar os polinómio que passa pelos acontecimentos... mas não podem é prever o Futuro e isso é fatal!”
“Tu mostraste-me o que é um Modelo Matemático e eu percebi porque é que não pode prever o Futuro; mas qual é a alternativa?”
“A alternativa é um modelo Físico. A alternativa é descobrir o que é que gera os pontos no plano em vez de determinar o polinómio que passa por eles. Só sabendo a causa dos pontos, ou seja, a rede de relações causa-efeito que os gera, é que se pode prever o próximo acontecimento. A alternativa é, pois, simplesmente, «compreender»!”
“Pois, lembro-me que o Einstein falou disso.”
“E que responderam os Físicos?”
“Que era a coisa mais estúpida que ele tinha dito.”
“Vês? É muito mais fácil fazer Modelos Matemáticos do que «Compreender», por isso eles limitam-se a fazer Modelos Matemáticos e ainda chamam estúpidos aos que buscam a compreensão. Mas os Modelos Matemáticos condenam-nos ao desastre porque não podem ser extrapolados.”
“Deixa-me então adivinhar: o discurso do Papa é sobre a incapacidade da Ciência para prever o Futuro?”
Etiquetas:
O Segredo
sábado, março 22, 2008
O Pastor Cego
“Essa relva faz mal às barriguinhas, xooo, xooo”, aquilo é que ele tem uma lata, sempre a orientar o rebanho para aqui e para ali, inventando perigos constantes; e as ovelhas acreditam, acreditam sempre, muitas das minhas já passaram para o rebanho dele, conquistadas pelo ar de quem sabe, pela convicção dele. Duvidam dos próprios olhos para acreditarem nos olhos de quem não vê.
O velho pastor, apoiado no bordão, mirava o outro pastor apontando com o cajado um novo pasto ao seu imenso rebanho, já bem maior que o rebanho do velho. O novo pastor, que com ele aprendera a arte para depois iniciar o seu próprio rebanho em vez de se tornar seu ajudante. Uma sombra turvou o olhar do velho.
O velho pastor, apoiado no bordão, mirava o outro pastor apontando com o cajado um novo pasto ao seu imenso rebanho, já bem maior que o rebanho do velho. O novo pastor, que com ele aprendera a arte para depois iniciar o seu próprio rebanho em vez de se tornar seu ajudante. Uma sombra turvou o olhar do velho.
Com alguma dificuldade conseguia convencer as suas ovelhas a ficarem. Ia-lhes dizendo que o outro pastor estava tão cego que nem a própria ignorância via; lá ficavam na dúvida, hesitando assim em trocar o pastor que já dos pais delas cuidara pelo novo pastor e suas promessas.
Mas o novo pastor não tinha aprendido tudo o que ele podia ensinar, percebeu subitamente o velho, que reconhecia agora aquele local. O pai do seu pai, lembrava-se, dele lhe falara. Os sinais ainda lá estavam. “Quando os vires”, avisara ele,”sabe que o fim do terreno está próximo. Dentro do canavial se acaba o solo, as ovelhas desaparecem tragadas pela cova sem fundo. Sem tempo para um balido. Umas atrás das outras. Apenas as mais ligeiras ou as que o destino escolher se salvarão.”
Um sorriso doce e triste conquistou a face. Era a recordação das histórias que o pai do pai contava nas longas tardes da sua infância, voltados para poente, assistindo ao pôr-do-sol nos longínquos cumes de contornos diáfanos na contraluz. Com um abanão de cabeça afastou tais memórias, tinha de estar atento, o canavial já se avistava.
Claro que o outro nada sabia disso e a soberba cegava-lhe a prudência. Conduzia o seu rebanho direitinho para o canavial. Avisá-lo? Seria inútil, para o outro nada havia a aprender com o velho, como lhe chamava. Avisar as ovelhas inútil era, rir-se-iam, confiantes que estavam na sabedoria do seu pastor. Mais cego é quem não quer ver do que quem não tem olhos.
Um pensamento malicioso despontou. As ovelhas do outro perceberiam que o seu pastor sempre era cego e ignorante quando começassem a cair... nessa altura viriam ter consigo... as que se salvassem... como filhos pródigos regressando a casa... O rebanho voltaria a ser um só, e ele o seu pastor!
Endireitou-se. Quase que sentiu remorsos, aquela alegria com o desastre iminente não lhe parecia própria. De qualquer maneira, pensou, não está na sua mão evitar o desastre. Este pensamento aliviou-lhe a culpa. O plano está traçado: dirá a todas as ovelhas, às suas e também às do outro, que o novo pastor está cego e as conduz atrás de enganos; as ovelhas do novo não acreditarão evidentemente, porque haveriam de acreditar?; mas quando acontecer o desastre, as sobreviventes lembrar-se-ão, e perceberão então que apenas ele, o velho pastor, as pode guiar, pois apenas ele vê, apenas ele tem o conhecimento verdadeiro.
Mas o novo pastor não tinha aprendido tudo o que ele podia ensinar, percebeu subitamente o velho, que reconhecia agora aquele local. O pai do seu pai, lembrava-se, dele lhe falara. Os sinais ainda lá estavam. “Quando os vires”, avisara ele,”sabe que o fim do terreno está próximo. Dentro do canavial se acaba o solo, as ovelhas desaparecem tragadas pela cova sem fundo. Sem tempo para um balido. Umas atrás das outras. Apenas as mais ligeiras ou as que o destino escolher se salvarão.”
Um sorriso doce e triste conquistou a face. Era a recordação das histórias que o pai do pai contava nas longas tardes da sua infância, voltados para poente, assistindo ao pôr-do-sol nos longínquos cumes de contornos diáfanos na contraluz. Com um abanão de cabeça afastou tais memórias, tinha de estar atento, o canavial já se avistava.
Claro que o outro nada sabia disso e a soberba cegava-lhe a prudência. Conduzia o seu rebanho direitinho para o canavial. Avisá-lo? Seria inútil, para o outro nada havia a aprender com o velho, como lhe chamava. Avisar as ovelhas inútil era, rir-se-iam, confiantes que estavam na sabedoria do seu pastor. Mais cego é quem não quer ver do que quem não tem olhos.
Um pensamento malicioso despontou. As ovelhas do outro perceberiam que o seu pastor sempre era cego e ignorante quando começassem a cair... nessa altura viriam ter consigo... as que se salvassem... como filhos pródigos regressando a casa... O rebanho voltaria a ser um só, e ele o seu pastor!
Endireitou-se. Quase que sentiu remorsos, aquela alegria com o desastre iminente não lhe parecia própria. De qualquer maneira, pensou, não está na sua mão evitar o desastre. Este pensamento aliviou-lhe a culpa. O plano está traçado: dirá a todas as ovelhas, às suas e também às do outro, que o novo pastor está cego e as conduz atrás de enganos; as ovelhas do novo não acreditarão evidentemente, porque haveriam de acreditar?; mas quando acontecer o desastre, as sobreviventes lembrar-se-ão, e perceberão então que apenas ele, o velho pastor, as pode guiar, pois apenas ele vê, apenas ele tem o conhecimento verdadeiro.
.
Etiquetas:
O Segredo
quinta-feira, março 20, 2008
Vida de Estrela
"Estás a ver esta imagem tirada pelo telescópio espacial Hubble duma estrela num processo de expulsão de matéria?"
Alita semicerrou os olhos, tentando perceber bem o que Tulito lhe mostrava. “Ah, sim, já estou a perceber, há umas linhas de luz que são artefactos do sistema óptico... e a imagem de baixo é uma ampliação da zona central...”
“Exacto. Esta imagem já é antiga, do ano 2000 da Era deles. Mas continua a ser um enigma para eles, porque não pode ser explicada por nada que eles conheçam. E vão encontrando, aqui e além, estrelas em processos de expulsão de matéria que ele não podem explicar a não ser com recurso a fantasias como buracos negros na vizinhança ou campos magnéticos mágicos; às vezes nem isso.”
“Será que já perceberam que os processos violentos nas estrelas não ocorrem só durante a sua formação e extinção?”
“Não encontrei isso dito em lado nenhum, Alita. Penso que os cientistas humanos ainda não colocaram essa hipótese, o que não me admira, porque eles não sabem gerar hipóteses; mas não me admirava que os que trabalham para a Igreja o tivessem feito, porque esses têm as “duas pernas”, ou seja, sabem usar a intuição e a lógica.”
“E daí pensares que eles começam a perceber que os processos de expulsão de matéria ocorrem ao longo de toda a vida da estrela e estarem alarmados...”
“Exactamente; e desconfiei que eles sabem isso por causa de um recente discurso do Papa.”
“Mas tu já lês os discursos do Papa?” Alita deixou escapar um sorriso leve, com temperos de admiração e de troça, “não me digas que te começas a interessar também pela personalidade dos humanos?”
“Interessar, interessa-me, mas tenho-te a ti para ma explicares!” Um sorriso largo respondeu ao sorriso de Alita, dois sorrisos a medir forças, dois corações a palpitarem mais rápido. “Eu estou a investigar a organização científica deles que, basicamente, tem duas estruturas, a ciência que depende dos governos e a que depende do Vaticano. É por isso que sei a história da Academia Linceana e foi assim que tropecei nesse discurso, entre muitas outras coisas.”
“E que disse o Papa de tão importante?” A curiosidade irrompeu dos olhos da Alita, que tomaram cor de nuvem banhada em Sol.
Alita semicerrou os olhos, tentando perceber bem o que Tulito lhe mostrava. “Ah, sim, já estou a perceber, há umas linhas de luz que são artefactos do sistema óptico... e a imagem de baixo é uma ampliação da zona central...”
“Exacto. Esta imagem já é antiga, do ano 2000 da Era deles. Mas continua a ser um enigma para eles, porque não pode ser explicada por nada que eles conheçam. E vão encontrando, aqui e além, estrelas em processos de expulsão de matéria que ele não podem explicar a não ser com recurso a fantasias como buracos negros na vizinhança ou campos magnéticos mágicos; às vezes nem isso.”
“Será que já perceberam que os processos violentos nas estrelas não ocorrem só durante a sua formação e extinção?”
“Não encontrei isso dito em lado nenhum, Alita. Penso que os cientistas humanos ainda não colocaram essa hipótese, o que não me admira, porque eles não sabem gerar hipóteses; mas não me admirava que os que trabalham para a Igreja o tivessem feito, porque esses têm as “duas pernas”, ou seja, sabem usar a intuição e a lógica.”
“E daí pensares que eles começam a perceber que os processos de expulsão de matéria ocorrem ao longo de toda a vida da estrela e estarem alarmados...”
“Exactamente; e desconfiei que eles sabem isso por causa de um recente discurso do Papa.”
“Mas tu já lês os discursos do Papa?” Alita deixou escapar um sorriso leve, com temperos de admiração e de troça, “não me digas que te começas a interessar também pela personalidade dos humanos?”
“Interessar, interessa-me, mas tenho-te a ti para ma explicares!” Um sorriso largo respondeu ao sorriso de Alita, dois sorrisos a medir forças, dois corações a palpitarem mais rápido. “Eu estou a investigar a organização científica deles que, basicamente, tem duas estruturas, a ciência que depende dos governos e a que depende do Vaticano. É por isso que sei a história da Academia Linceana e foi assim que tropecei nesse discurso, entre muitas outras coisas.”
“E que disse o Papa de tão importante?” A curiosidade irrompeu dos olhos da Alita, que tomaram cor de nuvem banhada em Sol.
.
segunda-feira, março 17, 2008
Os Jardins Secretos do Vaticano
“Ahh, isto é interessante...” Alita endireitou-se, levantou os olhos, deixou pender a cabeça para trás, o que acabara de ler incendiara-lhe o pensamento.
“Siimm? Então de que se trata?” Tulito respondeu automaticamente, estava habituado aquele «pensar em voz alta» com que Alita brindava os pensamentos que a intrigavam.
“ A Pontifícia Academia de Ciências propôs ao Papa a colocação nos Jardins do Vaticano de uma estátua do Galileu.”
“Interessante isso!? A mim parece-me estranho... se a Academia quer uma estátua do Galileu, que a ponha nas suas instalações... ou então é o Papa que quer e usou a Academia...”
“Tu sabes o que é a Pontifícia Academia da Ciência, não sabes?” a voz de Alita era suave como um sonho.
“Olha, sei que é algo muito estranho. Uma Academia Científica tutelada pelo Vaticano? Mais uma originalidade dos humanos...”
“E já viste a composição?” o olhar da Alita tornou-se agora vivo; levantou-se e aproximou-se do Tulito.
“Já. Uns 80 ilustríssimos cientistas. Mais de quarenta prémios Nobel já fizeram parte dela, muitos deles nomeados antes de terem sido laureados. Talvez a maior concentração de ilustres cérebros da ciência que os humanos têm. E para quê?”
“Vejo que já andaste a investigar essa Academia. Sabes que remonta à famosa Academia do Lince, de que Galileu foi membro?”
“Considerada a primeira academia científica dos humanos.” Tulito sentiu-se satisfeito consigo próprio por este pequeno pedaço de conhecimento que acalmou os grandes olhos expectantes da Alita.
“Sabes muito... eheh... mas não saberás porque foi tão importante para a Igreja que o Galileu investigasse em segredo, que não defendesse publicamente as teorias copernicanas, que a Igreja já sabia que estavam certas desde o Papa anterior?”
Tulito sentiu-se subitamente estúpido. Claro! A preocupação da Igreja com Galileu nunca foi por causa das ideias dele, o que ela não queria era que ele as divulgasse! O livro do Copérnico foi posto no Índex só para evitar a sua divulgação, porque continuou a ser avidamente estudado no seio da Igreja. O que a Igreja queria era Segredo, sempre quis, continua a querer: há muitos anos que a Igreja investiga em segredo, pois investe aí recursos demasiadamente importantes para a aparente pobreza de resultados! Veio-lhe à lembrança um momento embaraçoso do seu tempo de estudante. Balbuciou, sentindo-se como aluno apanhado em falta:
“Pois, realmente não pensei nisso...” desviou para baixo o olhar, perdendo contacto com os fascinantes olhos em arco-íris da Alita, mas a eles logo regressou, expulsando a sensação que do passado o inibia.
“Passa-te pela cabeça que a Ciência deles ainda não conseguiu juntar a geração de hipóteses à lógica?”
“Estás a brincar comigo?”
“Sério! Os humanos raramente têm as duas capacidades: ou são bons na geração de hipóteses, bons intuitivos dizem eles, ou são bons na lógica, bons matemáticos dizem eles. Mas, para os estudos de Física, não fazem equipas simbióticas, não sabem sequer o que é. Para eles, o mérito é um conceito individual!”
“Nãooo!”
“Verdade! Não te admires muito, porque nós, há três gerações atrás, também éramos assim, não sabias?” As cores dos olhos da Alita fundiram-se num tom doce e suave, reflectindo alguma recordação do seu passado, ou talvez a nostalgia do seu longínquo planeta.
“Sim, eu sei, mas isso parece-me agora tão primitivo...”
“Pois, lá primitivo é.”
“E o que tem isso a ver com o que estávamos a falar, Alita?”
“O que era o Galileu? Um Intuitivo ou um Matemático?”
“Seria um Intuitivo, evidentemente; como o Copérnico, o Newton, o Poincaré, o Einstein....”
“Claro Tulito. Agora repara, a generalidade dos intuitivos que ficaram famosos agiram à margem da Ciência, porque a Ciência é dominada pelos Lógicos, ou Matemáticos.”
“Sim, és capaz de ter razão. Lembro-me de ler lido que o Copérnico afirmou temer os «matemáticos» e pediu a protecção do Papa.”
“Tanto quanto percebi, o pensamento Aristotélico foi adoptado como guia entre os europeus, determinando a primazia da lógica sobre a geração de hipóteses. Foi o primeiro passo natural e necessário no caminho do conhecimento, mas nunca deram o segundo, o domínio da geração de hipóteses.”
“Ou seja, a Ciência deles é como um homem com uma só perna, a perna da Lógica, por isso anda devagarinho e não ultrapassa grandes obstáculos...”
“Ena, como tu estás imaginativo Tulito! Influências dos Humanos?”
“Eh eh ... se calhar..”
“Mas é isso mesmo, é uma boa imagem.” Os olhos da Alita encheram-se de todas aquelas cores que tão fascinante a tornavam para o Tulito.
“Mas é tão óbvio que é necessário dominar a geração das hipóteses...”
“Para a maioria deles, pelos vistos, não é óbvio. O Poincaré escreveu que «a lógica, a única que pode dar a certeza, é o instrumento da demonstração; a intuição é o instrumento da invenção». A Igreja sabe que sem os intuitivos não se fazem descobertas. E, como sabemos, a Igreja tem um projecto de investigação muito especial desde há muitos séculos...”
“Obviamente.”
“Por isso, Tulito, a Igreja procurou ter uma estrutura própria, pequena que fosse mas com as duas pernas. Essa estrutura é encabeçada pela Pontifícia Academia. Bom, isto é o que eu sei; agora temos de pensar sobre essa notícia...”
“... a notícia de que as grandes cabeças que formam essa academia se reuniram, pensaram sobre magnos problemas, pensaram, e a importante conclusão a que chegaram foi: vamos pedir ao Papa para pôr uma estátua de Galileu nos Jardins do Vaticano!”
“Estás a ironizar mas és capaz de ter razão...”
“Razão? Como? Mas não me admira eheh... nós somos uma boa equipa simbiótica!”
“Eu penso que esse pedido será uma metáfora. Os verdadeiros jardins do Vaticano são os jardins do conhecimento que laboriosa e secretamente o Vaticano vem construindo. Galileu foi aquele que não aceitou a imposição do segredo sobre as suas investigações. Que divulgou algum conhecimento que o Papa pretendia que ficasse na Igreja. Associar Galileu aos Jardins do Vaticano será uma forma de pedir ou anunciar a divulgação do conhecimento secreto do Vaticano. Devem ter descoberto algo que os assustou muito.”
“Hummm... talvez eu saiba do que se trata...”
.
“Siimm? Então de que se trata?” Tulito respondeu automaticamente, estava habituado aquele «pensar em voz alta» com que Alita brindava os pensamentos que a intrigavam.
“ A Pontifícia Academia de Ciências propôs ao Papa a colocação nos Jardins do Vaticano de uma estátua do Galileu.”
“Interessante isso!? A mim parece-me estranho... se a Academia quer uma estátua do Galileu, que a ponha nas suas instalações... ou então é o Papa que quer e usou a Academia...”
“Tu sabes o que é a Pontifícia Academia da Ciência, não sabes?” a voz de Alita era suave como um sonho.
“Olha, sei que é algo muito estranho. Uma Academia Científica tutelada pelo Vaticano? Mais uma originalidade dos humanos...”
“E já viste a composição?” o olhar da Alita tornou-se agora vivo; levantou-se e aproximou-se do Tulito.
“Já. Uns 80 ilustríssimos cientistas. Mais de quarenta prémios Nobel já fizeram parte dela, muitos deles nomeados antes de terem sido laureados. Talvez a maior concentração de ilustres cérebros da ciência que os humanos têm. E para quê?”
“Vejo que já andaste a investigar essa Academia. Sabes que remonta à famosa Academia do Lince, de que Galileu foi membro?”
“Considerada a primeira academia científica dos humanos.” Tulito sentiu-se satisfeito consigo próprio por este pequeno pedaço de conhecimento que acalmou os grandes olhos expectantes da Alita.
“Sabes muito... eheh... mas não saberás porque foi tão importante para a Igreja que o Galileu investigasse em segredo, que não defendesse publicamente as teorias copernicanas, que a Igreja já sabia que estavam certas desde o Papa anterior?”
Tulito sentiu-se subitamente estúpido. Claro! A preocupação da Igreja com Galileu nunca foi por causa das ideias dele, o que ela não queria era que ele as divulgasse! O livro do Copérnico foi posto no Índex só para evitar a sua divulgação, porque continuou a ser avidamente estudado no seio da Igreja. O que a Igreja queria era Segredo, sempre quis, continua a querer: há muitos anos que a Igreja investiga em segredo, pois investe aí recursos demasiadamente importantes para a aparente pobreza de resultados! Veio-lhe à lembrança um momento embaraçoso do seu tempo de estudante. Balbuciou, sentindo-se como aluno apanhado em falta:
“Pois, realmente não pensei nisso...” desviou para baixo o olhar, perdendo contacto com os fascinantes olhos em arco-íris da Alita, mas a eles logo regressou, expulsando a sensação que do passado o inibia.
“Passa-te pela cabeça que a Ciência deles ainda não conseguiu juntar a geração de hipóteses à lógica?”
“Estás a brincar comigo?”
“Sério! Os humanos raramente têm as duas capacidades: ou são bons na geração de hipóteses, bons intuitivos dizem eles, ou são bons na lógica, bons matemáticos dizem eles. Mas, para os estudos de Física, não fazem equipas simbióticas, não sabem sequer o que é. Para eles, o mérito é um conceito individual!”
“Nãooo!”
“Verdade! Não te admires muito, porque nós, há três gerações atrás, também éramos assim, não sabias?” As cores dos olhos da Alita fundiram-se num tom doce e suave, reflectindo alguma recordação do seu passado, ou talvez a nostalgia do seu longínquo planeta.
“Sim, eu sei, mas isso parece-me agora tão primitivo...”
“Pois, lá primitivo é.”
“E o que tem isso a ver com o que estávamos a falar, Alita?”
“O que era o Galileu? Um Intuitivo ou um Matemático?”
“Seria um Intuitivo, evidentemente; como o Copérnico, o Newton, o Poincaré, o Einstein....”
“Claro Tulito. Agora repara, a generalidade dos intuitivos que ficaram famosos agiram à margem da Ciência, porque a Ciência é dominada pelos Lógicos, ou Matemáticos.”
“Sim, és capaz de ter razão. Lembro-me de ler lido que o Copérnico afirmou temer os «matemáticos» e pediu a protecção do Papa.”
“Tanto quanto percebi, o pensamento Aristotélico foi adoptado como guia entre os europeus, determinando a primazia da lógica sobre a geração de hipóteses. Foi o primeiro passo natural e necessário no caminho do conhecimento, mas nunca deram o segundo, o domínio da geração de hipóteses.”
“Ou seja, a Ciência deles é como um homem com uma só perna, a perna da Lógica, por isso anda devagarinho e não ultrapassa grandes obstáculos...”
“Ena, como tu estás imaginativo Tulito! Influências dos Humanos?”
“Eh eh ... se calhar..”
“Mas é isso mesmo, é uma boa imagem.” Os olhos da Alita encheram-se de todas aquelas cores que tão fascinante a tornavam para o Tulito.
“Mas é tão óbvio que é necessário dominar a geração das hipóteses...”
“Para a maioria deles, pelos vistos, não é óbvio. O Poincaré escreveu que «a lógica, a única que pode dar a certeza, é o instrumento da demonstração; a intuição é o instrumento da invenção». A Igreja sabe que sem os intuitivos não se fazem descobertas. E, como sabemos, a Igreja tem um projecto de investigação muito especial desde há muitos séculos...”
“Obviamente.”
“Por isso, Tulito, a Igreja procurou ter uma estrutura própria, pequena que fosse mas com as duas pernas. Essa estrutura é encabeçada pela Pontifícia Academia. Bom, isto é o que eu sei; agora temos de pensar sobre essa notícia...”
“... a notícia de que as grandes cabeças que formam essa academia se reuniram, pensaram sobre magnos problemas, pensaram, e a importante conclusão a que chegaram foi: vamos pedir ao Papa para pôr uma estátua de Galileu nos Jardins do Vaticano!”
“Estás a ironizar mas és capaz de ter razão...”
“Razão? Como? Mas não me admira eheh... nós somos uma boa equipa simbiótica!”
“Eu penso que esse pedido será uma metáfora. Os verdadeiros jardins do Vaticano são os jardins do conhecimento que laboriosa e secretamente o Vaticano vem construindo. Galileu foi aquele que não aceitou a imposição do segredo sobre as suas investigações. Que divulgou algum conhecimento que o Papa pretendia que ficasse na Igreja. Associar Galileu aos Jardins do Vaticano será uma forma de pedir ou anunciar a divulgação do conhecimento secreto do Vaticano. Devem ter descoberto algo que os assustou muito.”
“Hummm... talvez eu saiba do que se trata...”
.
Etiquetas:
O Segredo
quarta-feira, março 12, 2008
O Chamamento
Despediu-se rapidamente do Mário e da Luísa, o vento frio cortava-lhe a nuca como navalhas, má ideia cortar o cabelo. De qualquer maneira, era tardíssimo, não era hora para despedidas demoradas, até porque mais logo ali se encontrariam de novo. Estugou o passo, cerrando os olhos na direcção onde pensava ter deixado o carro. Lá estava, com o seu azul clarinho, azul do céu diurno, dir-se-ia um pedaço de dia que a luz dos candeeiros afagava na noite fria. Entrou rápido, ligou de imediato o motor, deixando-o aquecer uns segundos enquanto punha o cinto. Ajeitou-se na cadeira. Meteu a primeira, pisca, espelho, “... Galileu... jardins do Vaticano..”, que era aquilo?, fez um esforço de memória para recuperar a noticia que tinha acabado de ouvir no auto rádio “...qualquer coisa sobre o Papa ir pôr uma estátua do Galileu nos Jardins do Vaticano, era isso, sem dúvida!”
Desengatou a primeira, desligou o pisca. A cabeça pendeu-lhe sobre o volante. “Era o Sinal. Sabia-o. O Papa fazia o chamamento. Que fazer?”
Tinha-o desejado tanto quanto o tinha temido. Fosse o João Paulo I a dar o sinal e teria ido a correr. Mas agora hesitava. Sentia o projecto de poder por detrás deste Papa. Tinha de pensar... “ Se calhar o Papa tem razão, a humanidade tem de ser gerida com mão firme... o Pastor é que sabe para onde leva o seu rebanho, as ovelhas nada entendem dos desígnios que determinam as suas vidas. Só pode haver uma Vontade.”
...
...
“... ou não?”
Desengatou a primeira, desligou o pisca. A cabeça pendeu-lhe sobre o volante. “Era o Sinal. Sabia-o. O Papa fazia o chamamento. Que fazer?”
Tinha-o desejado tanto quanto o tinha temido. Fosse o João Paulo I a dar o sinal e teria ido a correr. Mas agora hesitava. Sentia o projecto de poder por detrás deste Papa. Tinha de pensar... “ Se calhar o Papa tem razão, a humanidade tem de ser gerida com mão firme... o Pastor é que sabe para onde leva o seu rebanho, as ovelhas nada entendem dos desígnios que determinam as suas vidas. Só pode haver uma Vontade.”
...
...
“... ou não?”
.
Etiquetas:
O Segredo
terça-feira, março 11, 2008
Todo o Universo é composto de mudança
. "Todo o Mundo é composto de mudança..."
“Exacto, Luísa, agora é que tu disseste uma coisa muito acertada! E vamos desmontar essas aparentes invariâncias uma por uma. Vamos começar pela LUZ.”
“O que é que eu fiz...” repito em voz alta a pergunta da Ana mas pergunto a mim mesmo o que vou eu fazer... ao mesmo tempo sinto o destino tão traçado e inescapável como Jesus o terá sentido quando rumou a Jerusalém...
“Sim, qual é a tua descoberta?!” insiste a Ana, estranhamente inquisitiva para alguém que eu me habituara a pensar tão suave. Afasto as dúvidas e respondo:
“A generalidade das pessoas, antes de Copérnico, considerou naturalmente que a Terra estava no centro do Universo, pois é isso que corresponde às informações dos sentidos; outra hipótese nem sequer se punha. Mas move-se, como sabemos, não é?”
“Claro”, a Ana com os grandes olhos abertos a olhar desconfiada para mim.
“Bem, mas não presumimos apenas que a Terra estava parada; presumimos mais coisas. Digam uma por exemplo.”
O ar atónito de todos não surpreende, pois se há coisa de que não temos consciência é das inúmeras presunções que fazemos; mas espero que alguém diga alguma coisa, me dê uma ponta para eu puxar o fio.
“Que existe Deus?!?”
“Bem, isso é outra questão Luísa; refiro-me às propriedades do Universo.”
... parece que não vão lá, tenho de ser eu a puxar...
“Por exemplo, presumimos que o Universo é eterno, inalterável, que os fenómenos que ocorrem hoje ocorrerão sempre da mesma maneira, não é? Ou seja, presumimos que as características fundamentais do Universo são invariantes no Tempo.”
“Não é bem assim, Jorge. Não presumimos nada, medimos. Por exemplo, medimos a massa do protão e sabemos hoje que a possibilidade de esta poder variar no tempo é ridiculamente pequena.”
“Daí concluis, portanto, que a massa do protão é invariante no tempo, não é?”
“Claro! Não vou negar o resultado das observações. Essa é a grande força do método científico, nunca contrariar as observações!”
“Pois, foi mais ou menos isso que disseram ao Galileu quando ele defendeu uma ideia tão contrária às evidências. Não te ocorreu que, da mesma maneira que não podemos medir o estado de movimento do nosso sistema, talvez também não possamos medir a variação ao longo do tempo da massa das partículas atómicas?”
“Não podemos medir a velocidade da Terra, mas ela move-se; não podemos medir a variação da massa mas ela varia. É isso?”
O tom seguro da Ana faz-me um arrepio na espinha. Há qualquer coisa que esses olhos misteriosos escondem.
“Não pode ser isso”, adianta-se seguro o Mário, “porque nós podemos observar a massa das partículas agora e no passado: basta analisarmos os fenómenos físicos nas estrelas distantes. A luz que delas nos chega demorou muito tempo a cá chegar e traz-nos, por isso, imagens do passado distante, imagens que nós podemos analisar!”
“Exactamente Mário! E que nos diz essa luz do passado?”
“Uma coisa especial... que as estrelas se estão a afastar de nós, tanto mais depressa quanto mais distantes elas se encontram de nós; mas não nos indicam nenhum fenómeno diferente, pelo contrário, mostram que a Física do passado distante era exactamente a mesma de hoje.”
“Mário, confundiste uma presunção com uma conclusão! Nós presumimos que a Física é a mesma e por isso concluímos que a diferença que encontramos, o desvio da frequência da luz para o vermelho, se deve a uma velocidade de afastamento ou a uma expansão do espaço! Mas, Mário, presumimos mal, porque é exactamente ao contrário: o espaço não expande, as propriedades fundamentais do Universo é que mudam no tempo.”
“Jorge, se estás a pensar que a massa varia no tempo desengana-te: isso já foi testado!”
“Mário, quem pensou isso foi a Ana, não fui eu!” Larguei uma gargalhada, o que fez estampar na cara da Ana uma expressão de profundo espanto. Gostei. “Não vos disse já que Deus é subtil? É preciso muito mais subtileza para entender o Universo! Variar a massa!! Mas que hipótese tão simplória!”
“Já me estás a fazer nervos! Desembucha de vez!”
“Calma Luísa, primeiro vamos ver um mistério do Universo: o mistério da invariância da velocidade da luz!”
“Estou a ver que neste Universo tudo parece invariante mas tudo varia!” Luísa esboçou o começo de uma gargalhada, mas eu nem lhe dou tempo, espetando o dedo na direcção dela afirmo:
“Sim, qual é a tua descoberta?!” insiste a Ana, estranhamente inquisitiva para alguém que eu me habituara a pensar tão suave. Afasto as dúvidas e respondo:
“A generalidade das pessoas, antes de Copérnico, considerou naturalmente que a Terra estava no centro do Universo, pois é isso que corresponde às informações dos sentidos; outra hipótese nem sequer se punha. Mas move-se, como sabemos, não é?”
“Claro”, a Ana com os grandes olhos abertos a olhar desconfiada para mim.
“Bem, mas não presumimos apenas que a Terra estava parada; presumimos mais coisas. Digam uma por exemplo.”
O ar atónito de todos não surpreende, pois se há coisa de que não temos consciência é das inúmeras presunções que fazemos; mas espero que alguém diga alguma coisa, me dê uma ponta para eu puxar o fio.
“Que existe Deus?!?”
“Bem, isso é outra questão Luísa; refiro-me às propriedades do Universo.”
... parece que não vão lá, tenho de ser eu a puxar...
“Por exemplo, presumimos que o Universo é eterno, inalterável, que os fenómenos que ocorrem hoje ocorrerão sempre da mesma maneira, não é? Ou seja, presumimos que as características fundamentais do Universo são invariantes no Tempo.”
“Não é bem assim, Jorge. Não presumimos nada, medimos. Por exemplo, medimos a massa do protão e sabemos hoje que a possibilidade de esta poder variar no tempo é ridiculamente pequena.”
“Daí concluis, portanto, que a massa do protão é invariante no tempo, não é?”
“Claro! Não vou negar o resultado das observações. Essa é a grande força do método científico, nunca contrariar as observações!”
“Pois, foi mais ou menos isso que disseram ao Galileu quando ele defendeu uma ideia tão contrária às evidências. Não te ocorreu que, da mesma maneira que não podemos medir o estado de movimento do nosso sistema, talvez também não possamos medir a variação ao longo do tempo da massa das partículas atómicas?”
“Não podemos medir a velocidade da Terra, mas ela move-se; não podemos medir a variação da massa mas ela varia. É isso?”
O tom seguro da Ana faz-me um arrepio na espinha. Há qualquer coisa que esses olhos misteriosos escondem.
“Não pode ser isso”, adianta-se seguro o Mário, “porque nós podemos observar a massa das partículas agora e no passado: basta analisarmos os fenómenos físicos nas estrelas distantes. A luz que delas nos chega demorou muito tempo a cá chegar e traz-nos, por isso, imagens do passado distante, imagens que nós podemos analisar!”
“Exactamente Mário! E que nos diz essa luz do passado?”
“Uma coisa especial... que as estrelas se estão a afastar de nós, tanto mais depressa quanto mais distantes elas se encontram de nós; mas não nos indicam nenhum fenómeno diferente, pelo contrário, mostram que a Física do passado distante era exactamente a mesma de hoje.”
“Mário, confundiste uma presunção com uma conclusão! Nós presumimos que a Física é a mesma e por isso concluímos que a diferença que encontramos, o desvio da frequência da luz para o vermelho, se deve a uma velocidade de afastamento ou a uma expansão do espaço! Mas, Mário, presumimos mal, porque é exactamente ao contrário: o espaço não expande, as propriedades fundamentais do Universo é que mudam no tempo.”
“Jorge, se estás a pensar que a massa varia no tempo desengana-te: isso já foi testado!”
“Mário, quem pensou isso foi a Ana, não fui eu!” Larguei uma gargalhada, o que fez estampar na cara da Ana uma expressão de profundo espanto. Gostei. “Não vos disse já que Deus é subtil? É preciso muito mais subtileza para entender o Universo! Variar a massa!! Mas que hipótese tão simplória!”
“Já me estás a fazer nervos! Desembucha de vez!”
“Calma Luísa, primeiro vamos ver um mistério do Universo: o mistério da invariância da velocidade da luz!”
“Estou a ver que neste Universo tudo parece invariante mas tudo varia!” Luísa esboçou o começo de uma gargalhada, mas eu nem lhe dou tempo, espetando o dedo na direcção dela afirmo:
“Exacto, Luísa, agora é que tu disseste uma coisa muito acertada! E vamos desmontar essas aparentes invariâncias uma por uma. Vamos começar pela LUZ.”
.
Etiquetas:
Relatividade
sexta-feira, março 07, 2008
O princípio do Princípio da Relatividade
“Do Einstein queres tu dizer, o Princípio da Relatividade é do Einstein, isso eu ainda sei ah ah!” A satisfação de Luísa é tanta que até me custa desiludi-la:
“O Einstein tornou-o famoso, alargou o seu âmbito de aplicação, mas a ideia nasce com Galileu.”
“Bem, lá estás tu a trocares-nos as voltas! Ah ah ... “, a Luísa está imparável, “sempre quero ver o que vai sair daí.”
“Repara: o Galileu sustentava que a Terra se movia, não é verdade? O que é que os seus opositores diriam?”
“Ora, que é evidente, incontornavelmente evidente, que a Terra não se move, penso eu...”, a Luísa agora séria, puxa pela memória, “ acho que até já li um poema... era qualquer coisa a gozar com a ideia de que a Terra podia estar a mover-se mais depressa que uma bala...”
“Claro, qualquer pessoa de bom senso «percebe» que a Terra não se move! Se ninguém nos tivesse ensinado em pequeninos que a Terra se move, não acreditaríamos em tal disparate! Não se está mesmo a ver que este chão que pisamos está solidamente parado, não há a mais pequena vibração, nenhum objecto estremece ou escorrega, não há nada, nada, que possa suportar a mínima suspeita de que a Terra se move? O Galileu teria de ser um doido para pensar outra coisa, não é?”
“Acho que concordo contigo!”, a Luísa solta nova gargalhada, a alegria é perfume do ar que ela respira.
“E como podia o esperto Galileu contestar estes argumentos?”
“Sei lá! Isso pode contestar-se? Não é evidente que não se move?” Mais uma risada, parece-me que agora para chamar a atenção do Mário, algo distante, que reage com um sorriso um pouco forçado.
“Bem, o Galileu foi analisar o que acontece num sistema em movimento. Num barco, por exemplo. Será que uma pessoa fechada na cabina de um barco é capaz de determinar se o barco se move ou está ancorado? Que experiência é que tu farias, Luísa, para o descobrires?”
“Euuu?”, consegui surpreender a Luísa, dá-me uma certa sensação de controlo, “espera aí, deixa-me pensar... hummm, já sei! Teria de fumar um cigarro e observar o movimento do fumo... se o fumo subir na vertical o barco está parado... assim fumar passava a ser uma experiência científica e já podia fumar num espaço fechado!” Risada desbragada. Pufff, lá se foi a minha ilusão de controlo...
“O Galileu tem um texto onde refere isso”, respondo como se a resposta dela fosse para levar a sério, “e também refere outras experiências, como levar moscas ou borboletas e observar o seu voo, e conclui que não é possível saber se o barco se move a uma velocidade constante ou se está ancorado; qualquer que seja a velocidade uniforme de deslocamento, tudo se passa como se o sistema estivesse em repouso absoluto.”
“Recordo-me que na primeira vez que andei de avião fiquei surpreendida por a sensação ser a mesma de andar de comboio, embora a velocidade fosse umas dez vezes maior.” Um prazer ouvir a voz suave da Ana; não entendo porque mexe tanto comigo esta misteriosa Ana... talvez seja por isso mesmo, há algo de secreto nela...
“Não foi só o Galileu, outros fizeram experiências de queda de corpos do alto dos mastros de um barco em movimento para verificar se a trajectória difere consoante o barco se move ou não.”
“Certo Mário, mas ninguém se atreveu, como ele, a usar isso para afirmar que a Terra se movia.”
“E o que é que isso tem a ver com o Princípio da Relatividade?”
“Tudo!”, o Mário ri-se do espanto da Luísa, “a invariância das leis físicas num sistema em movimento inercial é o enunciado do PR.”
“A invariância de quêêê?”
“Eu dou-te um enunciado melhor Luísa. O Princípio da Relatividade consiste na seguinte propriedade: em qualquer sistema isolado tudo se passa como se esse sistema estivesse em repouso absoluto no centro do Universo.”
“Eh lá, isso não me parece uma boa definição! Repouso absoluto? O que é isso? Centro do Universo? Isso existe?”
“Pois é Mário, esta estranha definição é que é a definição certa, como te mostrarei; por agora tem paciência, a seu tempo compreenderás.” Colocar o Mário numa situação em que eu sou o mestre e ele o aluno é certamente algo de inaceitável para o Mário; dou uma risada ligeira como que troçando eu próprio da situação e continuo:
“Não sei se já te deste a esse trabalho, Mário, mas basta o PR para estabelecer toda a Dinâmica dos corpos.”
“Como é isso?”
“A partir do PR, deduz-se imediatamente a Lei da Inércia, a lei do choque elástico, e por aí fora, todas as leis da Dinâmica da Mecânica.”
“Nunca tinha pensado nisso... queres dizer, em vez de deduzir a Mecânica a partir dos princípios de Newton, deduzir do Princípio da Relatividade? Interessante ideia... não é de estranhar, se as leis físicas satisfazem o PR também poderão ser deduzidas dele...“ Ficamos em silêncio a observar a expressão subitamente ausente do Mário, fechado com os seus pensamentos. Conhecemos esses momentos autistas, que fascinam, pois temos a sensação que quase conseguimos «ver» os seus pensamentos. Receamos perturbar, aguardamos, mas a Luísa já se agita, a Luísa é um míni-tufão em tarde de Verão:
“Mas então, se o PR é do Galileu, o que é que fez o Einstein?”
“Einstein generalizou o PR às situações que envolvem campos de forças, ou seja, o campo gravítico e o electromagnético. No tempo de Galileu o conceito de campo de força ainda não tinha sido estabelecido, o seu PR preocupava-se apenas com o movimento uniforme, ignorava os campos.”
“É mais relevante do que parece assim dito”, o Mário «saltou» lá de dentro dele num piscar de olhos, “porque enquanto a Relatividade de Galileu não contraria muito a nossa percepção da realidade, a de Einstein chega a resultados surpreendentes, como a interdependência entre espaço e tempo.”
“E tu, o que é que fizeste?”, a voz suave da Ana foi como onda de mar que invade subitamente a praia quando a maré começa a encher. Não sei porque me sinto tão intimidado pelo olhar dela, que parece ter contagiado os outros, pois afinal é para falarmos do que eu descobri que nos reunimos. Hesito, espreita-me a sensação de que não sou já eu o promotor desta conversa, que estou a ser induzido a falar do que deveria permanecer secreto.
“O Einstein tornou-o famoso, alargou o seu âmbito de aplicação, mas a ideia nasce com Galileu.”
“Bem, lá estás tu a trocares-nos as voltas! Ah ah ... “, a Luísa está imparável, “sempre quero ver o que vai sair daí.”
“Repara: o Galileu sustentava que a Terra se movia, não é verdade? O que é que os seus opositores diriam?”
“Ora, que é evidente, incontornavelmente evidente, que a Terra não se move, penso eu...”, a Luísa agora séria, puxa pela memória, “ acho que até já li um poema... era qualquer coisa a gozar com a ideia de que a Terra podia estar a mover-se mais depressa que uma bala...”
“Claro, qualquer pessoa de bom senso «percebe» que a Terra não se move! Se ninguém nos tivesse ensinado em pequeninos que a Terra se move, não acreditaríamos em tal disparate! Não se está mesmo a ver que este chão que pisamos está solidamente parado, não há a mais pequena vibração, nenhum objecto estremece ou escorrega, não há nada, nada, que possa suportar a mínima suspeita de que a Terra se move? O Galileu teria de ser um doido para pensar outra coisa, não é?”
“Acho que concordo contigo!”, a Luísa solta nova gargalhada, a alegria é perfume do ar que ela respira.
“E como podia o esperto Galileu contestar estes argumentos?”
“Sei lá! Isso pode contestar-se? Não é evidente que não se move?” Mais uma risada, parece-me que agora para chamar a atenção do Mário, algo distante, que reage com um sorriso um pouco forçado.
“Bem, o Galileu foi analisar o que acontece num sistema em movimento. Num barco, por exemplo. Será que uma pessoa fechada na cabina de um barco é capaz de determinar se o barco se move ou está ancorado? Que experiência é que tu farias, Luísa, para o descobrires?”
“Euuu?”, consegui surpreender a Luísa, dá-me uma certa sensação de controlo, “espera aí, deixa-me pensar... hummm, já sei! Teria de fumar um cigarro e observar o movimento do fumo... se o fumo subir na vertical o barco está parado... assim fumar passava a ser uma experiência científica e já podia fumar num espaço fechado!” Risada desbragada. Pufff, lá se foi a minha ilusão de controlo...
“O Galileu tem um texto onde refere isso”, respondo como se a resposta dela fosse para levar a sério, “e também refere outras experiências, como levar moscas ou borboletas e observar o seu voo, e conclui que não é possível saber se o barco se move a uma velocidade constante ou se está ancorado; qualquer que seja a velocidade uniforme de deslocamento, tudo se passa como se o sistema estivesse em repouso absoluto.”
“Recordo-me que na primeira vez que andei de avião fiquei surpreendida por a sensação ser a mesma de andar de comboio, embora a velocidade fosse umas dez vezes maior.” Um prazer ouvir a voz suave da Ana; não entendo porque mexe tanto comigo esta misteriosa Ana... talvez seja por isso mesmo, há algo de secreto nela...
“Não foi só o Galileu, outros fizeram experiências de queda de corpos do alto dos mastros de um barco em movimento para verificar se a trajectória difere consoante o barco se move ou não.”
“Certo Mário, mas ninguém se atreveu, como ele, a usar isso para afirmar que a Terra se movia.”
“E o que é que isso tem a ver com o Princípio da Relatividade?”
“Tudo!”, o Mário ri-se do espanto da Luísa, “a invariância das leis físicas num sistema em movimento inercial é o enunciado do PR.”
“A invariância de quêêê?”
“Eu dou-te um enunciado melhor Luísa. O Princípio da Relatividade consiste na seguinte propriedade: em qualquer sistema isolado tudo se passa como se esse sistema estivesse em repouso absoluto no centro do Universo.”
“Eh lá, isso não me parece uma boa definição! Repouso absoluto? O que é isso? Centro do Universo? Isso existe?”
“Pois é Mário, esta estranha definição é que é a definição certa, como te mostrarei; por agora tem paciência, a seu tempo compreenderás.” Colocar o Mário numa situação em que eu sou o mestre e ele o aluno é certamente algo de inaceitável para o Mário; dou uma risada ligeira como que troçando eu próprio da situação e continuo:
“Não sei se já te deste a esse trabalho, Mário, mas basta o PR para estabelecer toda a Dinâmica dos corpos.”
“Como é isso?”
“A partir do PR, deduz-se imediatamente a Lei da Inércia, a lei do choque elástico, e por aí fora, todas as leis da Dinâmica da Mecânica.”
“Nunca tinha pensado nisso... queres dizer, em vez de deduzir a Mecânica a partir dos princípios de Newton, deduzir do Princípio da Relatividade? Interessante ideia... não é de estranhar, se as leis físicas satisfazem o PR também poderão ser deduzidas dele...“ Ficamos em silêncio a observar a expressão subitamente ausente do Mário, fechado com os seus pensamentos. Conhecemos esses momentos autistas, que fascinam, pois temos a sensação que quase conseguimos «ver» os seus pensamentos. Receamos perturbar, aguardamos, mas a Luísa já se agita, a Luísa é um míni-tufão em tarde de Verão:
“Mas então, se o PR é do Galileu, o que é que fez o Einstein?”
“Einstein generalizou o PR às situações que envolvem campos de forças, ou seja, o campo gravítico e o electromagnético. No tempo de Galileu o conceito de campo de força ainda não tinha sido estabelecido, o seu PR preocupava-se apenas com o movimento uniforme, ignorava os campos.”
“É mais relevante do que parece assim dito”, o Mário «saltou» lá de dentro dele num piscar de olhos, “porque enquanto a Relatividade de Galileu não contraria muito a nossa percepção da realidade, a de Einstein chega a resultados surpreendentes, como a interdependência entre espaço e tempo.”
“E tu, o que é que fizeste?”, a voz suave da Ana foi como onda de mar que invade subitamente a praia quando a maré começa a encher. Não sei porque me sinto tão intimidado pelo olhar dela, que parece ter contagiado os outros, pois afinal é para falarmos do que eu descobri que nos reunimos. Hesito, espreita-me a sensação de que não sou já eu o promotor desta conversa, que estou a ser induzido a falar do que deveria permanecer secreto.
Etiquetas:
Relatividade
Subscrever:
Mensagens (Atom)