terça-feira, janeiro 31, 2012
O capitalismo desenfreado dos financeiros
O actual sistema
económico ocidental caminha, conduzido pelas suas próprias regras, para um
desfecho: um mundo de escravos governado por uma pequenina minoria. Nada de
verdadeiramente novo na história da humanidade, que quase sempre existiu nesse
estado, pontualmente cortado por uma revolução que repôs alguma igualdade...
mas sempre durante pouco tempo.
A razão deste
desfecho no quadro actual é a seguinte.
Nas pequenas
actividades económicas, como os cafés, os cabeleireiros, as mercearias, é fácil
surgir uma nova empresa, um concorrente; isto estabelece pressão sobre a
qualidade dos serviços prestados ou dos bens produzidos, força a inovação, a
eficiência e mantém os preços baixos.
Nestas
actividades não se enriquece, vive-se.
Mas no mundo das
grandes empresas não é assim. Onde há grandes empresas, as pequenas
desaparecem, comidas pelas grandes; como uma nova grande empresa, ao contrário
das pequenas, não pode surgir do nada, não há novos concorrentes. Isto tem uma
consequência: estas empresas competem em termos de qualidade e inovação, mas
não em termos de preço. As áreas onde existem grandes empresas tornam-se
inacessíveis às outras e, por isso, estas cartelizam e tornam-se muito
lucrativas (repare-se no prodígio da TDT portuguesa, limitada a 4 canais para não provocar descida dos preços no cabo).
O preço nas áreas
de actividade onde as grandes empresas já eliminaram as pequenas é o que maximiza
o lucro global na respectiva área de actividade.
Por exemplo, o
preço da gasolina é o que maximiza o ganho das petrolíferas. Aumentar o preço
provocaria redução de consumo e menores lucros. O mesmo com o preço dos
chamadas de telemóveis, dos juros bancários, etc, etc.
A única área onde
as grandes empresas não fazem subir os preços é no retalho – porque aí o que
elas fazem é esmifrar os produtores, porque elas controlam o acesso ao mercado.
É por isso que os
juros das dívidas soberanas europeias sobem tanto – porque como o dinheiro
passou a ser propriedade do BCE e a sua colocação no mercado monopólio dos
bancos, estes fazem-no ao preço que maximiza os seus lucros – se subissem mais
os juros ou os Estados deixariam de pagar, como a Grécia, ou passariam sem o
empréstimo, como fez a Alemanha há pouco tempo.
Vejamos o caso do
petróleo; o preço do barril de petróleo continua muito baixo (muito mais baixo
do que o preço pelo qual pagamos a gasolina) porque não se consente que os
países produtores controlem o preço deste (quando estes ameaçam fazê-lo, são
atacados militarmente; é por isso que o Irão quer uma bomba nuclear ou, pelo
menos, quer conseguir chegar a uma situação em que os EUA pensem mesmo que eles
a podem ter, para poder controlar o preço do petróleo sem receio de que lhe
aconteça o mesmo que ao Iraque e Líbia).
Ora o dinheiro,
ao contrário do petróleo, é livremente controlado pelo BCE e sua clique de
banqueiros que, na Europa, se tornaram independentes do poder político. Os
árabes não podem controlar o preço do petróleo mas o BCE e os banqueiros podem
controlar o preço do dinheiro.
As grandes
empresas, como estão cotadas em bolsa, estão à mercê (nem todas, algumas
blindaram os estatutos) de quem disponha de uma coisa: dinheiro. Ora isso é o que
os bancos e os vários tipos de instituições financeiras têm. Por isso, as
grandes empresas vão sendo, uma após a outra, directamente ou indirectamente,
propriedade de bancos ou doutras instituições financeiras. Sabem qual é a
empresa mais poderosa do mundo ocidental? O Barclays. Entre as 10 empresas mais
poderosas do mundo há apenas um grupo industrial; ver aqui. E os bancos são
propriedade de quem? De uns quantos financeiros no mundo ocidental.
Assim, o mundo
ocidental acaba governado pelos seus financeiros. Como têm o dinheiro, são o
sustentáculo, logo os donos, dos partidos políticos. É por isso que temos os
governos a servirem o interesse dos banqueiros e não o das pessoas, em toda a
Europa, com a eventual excepção da Islândia. É por isso que os bancos centrais
são mais autónomos do poder político do que a justiça e se gerem por regras
mais secretas que as da maçonaria – como é que funciona o Banco de Portugal?
Donde vêm os seus lucros? Quem paga as pensões milionárias aos seus
ex-gestores? A quinta com cavalos? O BdP não pode cortar os subsídios e o de
Espanha pode??
Para acabar com a
actual crise das dívidas soberanas, basta o BCE emprestar aos Estados como o
faz à banca; mas essa possibilidade nem se põe. Porquê? Pode-se mudar os
tratados europeus, pode-se exigir perdas de soberania, alterar Constituições,
mas mexer no estatuto do BCE é que não!!! Em vez disso, o BCE andará a gastar
(imprimir) centenas de milhar de milhões de euros (até agora 500 mil milhões
segundo ouvi dizer) a comprar dívida soberana no mercado secundário a juros
fabulosos para enriquecer os bancos. Claro que há um problema de solvência da
banca, mas o dinheiro que falta aí não está nos bolsos das pessoas, está no incalculável poder económico acumulado pelos financeiros.
Os financeiros
não actuam para produzir uma sociedade melhor; o seu único objectivo é serem
cada vez mais ricos e a curto prazo. Aliás, nem têm muita escolha: neste sistema, ou se luta
para se ser o mais rico ou se fica o mais pobre.
O plano dos
financeiros, após terem conseguido a sua independência do poder político e o
controlo deste, consiste em ficarem donos de todas empresas dos chamados
monopólios naturais. As pessoas dependem da actividade dessas empresas, por
isso quem as detém pode espoliar todos os rendimentos das pessoas – é o
conhecido “golpe da cantina”, uma velha técnica de escravização de que já
falei. Reparem: estas empresas não podem ser compradas na bolsa, foi preciso
inventar um esquema para conseguir pôr a mão nelas, estão a perceber?
Com a
privatização das empresas públicas e a consequente instauração do “sistema de
cantina”, rapidamente se chegará a um estado final tipo marajás das Índias: uns
quantos imensamente ricos servidos por uma multidão de escravos. Esta situação
desenha-se a traços largos em todos os países da Europa; não nos iludamos pelos
altos valores dos ordenados mínimos noutros países: em termos de paridade de
poder de compra, uma grande parte da população em toda a Europa vive em
condições mínimas de sobrevivência, qualquer que seja o país
Este é o objectivo
essencial do plano dos banqueiros; o ataque às dívidas soberanas é apenas um
passo intermédio, que serve este objectivo. Vender as empresas públicas não
altera rigorosamente nada o problema da dívida soberana, este existe qualquer
que seja o valor da dívida (a dívida da Espanha é das mais pequenas da Europa,
do mundo); essa exigência das troikas não tem nada a ver com a regularização
das contas públicas, é um objectivo em si mesmo. Repare-se na metodologia:
começa-se por privatizar as empresas lucrativas, como a EDP, e tornam-se
lucrativas as que o não são, como nos transportes com a subida dos preços, e
depois é que se privatizam; ora vender empresas lucrativas só piora as contas
públicas, não as melhora. Além disso, as verbas que se encaixam com estas
privatizações são ridiculamente pequenas, sem qualquer significado no montante
da dívida pública.
Este plano teria
sido inexoravelmente bem sucedido se, felizmente para nós, não existisse um
país no mundo com outro sistema económico, com força suficiente para intervir e
com boas relações com os portugueses.
Na China, o
Governo é que detém o poder económico. Um Governo é eleito e tem sempre na sua
agenda melhorar as condições de vida das pessoas. Por isso, entre o capitalismo
desenfreado dos financeiros, que não têm quaisquer responsabilidades sociais, e
um capitalismo regulado pelo Estado, o segundo é muito melhor para as pessoas.
Foi assim que os países ocidentais se desenvolveram, até que os Estados
perderam o poder económico e desde então as condições de vida de grande parte
das pessoas só piorou. Evidentemente. Porque o poder financeiro visa
objectivamente o empobrecimento das pessoas, o aumento da desigualdade, o único
processo de conseguirem o enriquecimento rápido.
Mas atenção: não
são os chineses que vão fazer esta guerra por nós. Eles estão na guerra deles,
os governantes chineses não são eleitos por nós, estão apenas a usar-nos para
os seus objectivos, que não são os nossos, embora tenhamos um inimigo comum. Os
nossos aliados têm de ser os povos europeus, a começar pelos gregos, espanhóis
e italianos. A união faz a força e quem tiver medo do “contágio” vai morrer;
somos patos a serem caçados de trás para a frente, sem perceberem que o que
aconteceu ao de trás acontece depois a eles.
Esta guerra ainda
está a começar. E nós, os portugueses, podemos ter uma responsabilidade
especial nela. Penso mesmo que aqui é o único sítio da Europa
onde a guerra se pode começar a ganhar.
No próximo post
vou falar de uma coisa muito interessante: o tabu do Cavaco Silva, o pânico das
escutas, o papel do Constâncio e outros detalhes desta operação. E depois vou
começar a apresentar a minha contribuição para esta guerra.
quinta-feira, janeiro 19, 2012
Como deixamos de ser "lixo"
A figura acima, que me chegou via email mas sem referir a origem (as minhas desculpas ao autor, que não sei quem é) mostra bem que os ratings das agências financeiras não são ciência oculta nem ataques ao euro nem manipulações políticas; são simplesmente a tradução do estado da balança de pagamentos, como referi no post anterior. Podem ver aqui que há mais quem pense assim. Portanto, deixar de ser "lixo" é resolver o problema da balança de pagamentos: passar a ter um fluxo positivo do dinheiro que entra no país. Para isso, há que reduzir importações, saídas de capital, e aumentar as exportações e as entradas de capital.
Parte do problema deve-se às regras actuais, por isso há quem aconselhe a cortar as importações oriundas da Alemanha, para criar sobre ela uma pressão que eleve à adopção de condições mais equilibradas. Isso é uma verdade, mas não é só isso: grande parte do problema resulta de os alemães serem uma sociedade onde os interesses da sociedade são prioritários e nós sermos um balde de gente onde os interesses individuais têm a primazia. O colectivo é sempre mais forte do que o indivíduo.
Mas vejamos o que podemos fazer de imediato enquanto não resolvemos o nosso problema de fundo.
Quanto às importações e saídas de capital
A ASAE fez
finalmente algo que devia ter feito há muito – atacou os produtos importados em
dumping.
Os espanhóis e os
franceses há muito que exploram este país de parvos. Fazem assim: os preços nos
seus países são mantidos adequadamente altos, controlando as quantidades de
produtos alimentares que colocam no mercado, nomeadamente fruta e peixe (no caso
dos espanhóis); depois os excedentes mandam para Portugal a qualquer preço,
arruinando a produção nacional. E malta vai a correr comprar o peixe espanhol à
lota ou ao supermercado, sem questionar como é que o peixe espanhol se vende mais barato em
Portugal do que em Espanha, ou comprar o leite a 13 cêntimos no Continente sem
se questionar que leite é esse que é mais barato do que a água.
O nosso clima
também é descaradamente explorado com a construção de aldeamentos e hotéis
estrangeiros, o que permite a alemães e ingleses virem passar férias ao algarve
sem deixarem cá um tostão. Porreiro pá! É preciso sermos ceguinhos de todo.
E isso traz-me ao
terceiro aspecto: o negócio que os pequenos países do norte da europa exploram,
que consiste em cobrarem uma taxa pequenina para as empresas enviarem os seus
lucros para offshores. Ora diz o ditado que se não podes lutar com eles,
junta-te a eles. Portanto, temos é de fazer o mesmo: copiar a legislação
holandesa ou irlandesa e fazer o esquema com o offshore da Madeira.
Isto é o que o
Governo tem de fazer; tem de fazer mas não fará, é claro; e cada um de nós? É
fácil, é só fazermos o mesmo que os outros povos: não compramos produto
estrangeiro a não ser que seja indispensável e não haja nenhum produto
português alternativo.
Porque,
entendamo-nos: o que arruinou o país não foram as obras públicas, as
autoestradas, os hospitais – isso foi feito com grande incorporação nacional e
comparticipação de fundos europeus. As reparações que eu faço cá em casa não me empobrecem, pelo contrário. O que empobrece são a compras ao estrangeiro – são
os carros, os telemóveis, etc, etc; são os lucros das empresas de
telecomunicações que são exportados, são os lucros fabulosos da EDP que vão
passar a ir para a China, etc, etc.
Portanto, em
grande parte, o responsável por esta situação é o nosso perfil de consumidor.
Esta é uma diferença fundamental entre norte e sul: os povos do norte são
ensinados de pequeninos a não comprar o produto estrangeiro. Fazem esse
sacrifício. Nós é que não estamos para isso, era só o que faltava! e enganamo-nos com teorias pseudo-liberais para podermos fechar os olhos à realidade.
E quanto às
exportações?
É passarmos a
consumir mais produto nacional; isso fortalece as empresas nacionais e aumenta
a sua capacidade de exportar. Nenhuma empresa existe cá se não tiver mercado
interno (a não ser que pretenda explorar mão-de-obra escrava, o que cá é cada
vez mais fácil e noutros lados mais difícil).
Em resumo, se nós
agirmos a pensar no nosso interesse individual imediato, estaremos todos
lixados. Essa é a grande armadilha dos poderosos: pôr os pequeninos a pensarem
que é lícito, normal, conveniente, agir no seu interesse pessoal. Isso até
funciona um pouco no tempo de vacas gordas, mas leva às vacas magras e depois
ao desastre total. Os poderosos deste mundo associam-se em maçonarias,
partidos, cartéis e mais entidades secretas; e é assim que facilmente fazem o que
querem neste mundo de zés onde cada um puxa a brasa à sua sardinha. É por isso
que os povos do norte não caem nestas armadilhas, pois lá o povo sabe o que tem
a fazer, é uma comunidade, é uma “maçonaria”; as obrigações dos portugueses uns
com os outros são iguais às dos irmãos duma maçonaria. Ou percebemos isso ou
vamos ser riscados do mapa, merecidamente, porque as sociedades não se
constroem com pessoas que não têm consciência colectiva.
Bem, caros
leitores e amigos, tenho uma má notícia: esta negociata da dívida soberana vai
em breve desaparecer para dar lugar a outra muuuuito melhor; no próximo post.
segunda-feira, janeiro 16, 2012
Porque o rating está certo
Tem sido lançada
uma grande confusão na cabeça das pessoas com a constante referência à dívida
soberana, como se ela fosse a causa da presente crise financeira. Ora salta aos
olhos que não pode ser: a Espanha tem uma dívida externa pequeníssima, muito
mais pequena do que as dos países que aparecem cotados com altos ratings, e
está com problemas.
Quando comprei o
meu andar, fiquei com uma dívida muito maior do que o meu rendimento anual – o
meu “PIB”; fiquei com uma dívida de mais de 200% do meu PIB; no entanto, o meu
rating era AAA para a banca; Porquê? Porque o que eu ganhava era superior aos
que eu gastava e aos meus encargos com essa dívida.
E este é que é o
busílis da questão: o que se ganha dar ou não para pagar as despesas.
O que é isto de
“o que se ganha” em termos de um país? É o dinheiro que entra, pelas
exportações, turismo, remessas de emigrantes. E o que se gasta? É o dinheiro
que sai, pelas importações, turismo, movimentos de capital, remessas de
imigrantes.
Portanto, o que
faz com que um país seja AAA ou lixo é este balanço, não é a sua dívida
soberana. Basicamente, é a balança de pagamentos do país. É por isso que a
Alemanha tem necessariamente um rating AAA.
A balança de
pagamentos é por isso a preocupação nº 1 de qualquer outro país.
Portugal tem uma
balança de pagamentos altamente deficitária há décadas; é um país que gasta
mais do que ganha, portanto. Como é que Portugal pode ter um rating que não seja
“lixo”??? Naturalmente que é lixo! É como uma pessoa que todos os anos pede um
novo empréstimo para conseguir pagar os encargos dos empréstimos anteriores.
Como é que
deixamos de ser lixo? Veremos no próximo post.
quarta-feira, janeiro 11, 2012
Génese e evolução da Crise
Esta crise e as
anteriores têm a sua origem profunda num erro filosófico, que será abordado num
próximo texto; mas mudar esse erro não é fácil, pelo que o que interessa para
já são as causas directas da crise, a fim de percebermos o que podemos esperar
do futuro próximo.
Vou dar uma
explicação muito simples, não completamente correcta mas reveladora do busílis
da questão, de acordo com o meu entendimento.
Existe uma certa
quantidade de dinheiro físico. Na Europa, o BCE imprime todos os anos mais um
pouco – não sei qual é o montante, arbitremos 2%. Portanto, excluindo o resto
do Mundo do nosso raciocínio, o montante de dinheiro cresce à taxa de 2% ao
ano.
Este dinheiro
está aonde? Nos bancos. Que fazem os bancos com ele? Emprestam. Vamos supor que
o emprestam todo e que a taxa média de juro que conseguem é 10%. Então, ao fim
de 1 ano, a dívida representa 110% do dinheiro inicial; este, por sua vez,
aumentou os 2% que o BCE imprimiu. Temos, portanto, que ao fim de 1 ano a dívida
é quase 8% mais do que o dinheiro existente.
Ou seja, o total
em dívida supera o dinheiro existente devido às taxas de juros serem superiores
ao dinheiro introduzido pelo BCE; e esta diferença cresce anualmente (na
verdade, cresce também por outra razão, mas não compliquemos porque esta é que é mais relevante devido ao seu efeito cumulativo).
Se ao fim de 1
ano as dívidas tivessem de ser todas pagas mais os juros, haveria uma crise
porque não haveria dinheiro suficiente.
Os financeiros
sabem disso, e têm uma solução: não querem que lhes paguem as
dívidas, querem é que lhes paguem os juros. Por isso emprestam
indiscriminadamente e com prazos a perder de vista.
As pessoas têm
empréstimos para a casa, carro, etc; o que elas pagam por mês é quase só juros,
as amortizações são a 40 anos (até para carros...). Portanto, o real encargo
das pessoas não é a dívida, são os juros da dívida.
Assim, o problema só surge quando os juros excedem o dinheiro existente
- os devedores deixam de poder pagar os juros. O crescimento da desigualdade
agrava a situação.
É nessa altura
que estala a crise: ao deixar de receber os juros, os credores querem reaver os
créditos (os bancos têm de depositar no banco central as dívidas em falha) e
gera-se uma “corrida às dívidas”. Uma corrida sem solução porque simplesmente
não existe dinheiro físico suficiente para o total em dívida. Ainda por cima,
parte do dinheiro físico está retido como reserva, uma medida destinada a
evitar a “corrida à banca”. O sistema financeiro acautelou a “corrida à banca”,
porque ela já aconteceu no passado, mas não acautelou a “corrida à dívida”.
Como se resolve
isto? Há várias maneiras. Uma é “redistribuir a riqueza”, que consiste em o
Estado cobrar mais sobre os altos ganhos dos financeiros e injectar esse
dinheiro na base da economia; outra consiste em reajustamentos de taxas de
juros a valores mais baixos; outra é o banco central “comprar” dívida
incobrável à banca que depois não cobra, o que equivale a injectar dinheiro no
montante da diferença entre o dinheiro real e o crédito (esta solução foi
inventada pelos japoneses); outra é anular parcialmente as dívidas.
Porém, quando
toca a haver crise, todos querem é safar-se o mais rapidamente possível.
Renegociar os empréstimos baixando os juros? Nem pensar, isso iria diminuir os
ganhos. Há é que aumentar os juros para tentar sacar o máximo dinheiro antes
que se acabe.
No Japão e nos
EUA ainda há quem mande no sistema financeiro e por isso surgem algumas medidas
adequadas, como redistribuição de riqueza, a intervenção do banco central na
dívida soberana, embora indirecta, e a compra pelo banco central de crédito
mal-parado.
A Europa, sem
qualquer controlo político sobre o sistema financeiro, tem um esquema próprio
desenvolvido por este. Um esquema em duas fases.
A primeira fase
consiste em meter muito dinheiro na banca para que ela possa gerir os créditos
mal-parados. Onde é que se vai buscar esse dinheiro? Aos bolsos dos pobres,
naturalmente, pois são os ricos que definem o jogo e não querem corrigir a
situação indo aos seus próprios bolsos. E como? Através das dívidas soberanas.
O facto de o BCE
não intervir directamente nas dívidas soberanas deixou estas sem capacidade de
negociação e os seus juros podem subir ilimitadamente. Isto é uma mina de ouro
para a banca.
Percebamos o
processo: a Banca compra os títulos de dívida soberana e revende ao BCE,
ganhando uma taxa enorme no processo. A banca tem um negócio fabuloso, o de
intermediário entre as dívidas públicas e o BCE. Todo o dinheiro dos cidadãos
comuns irá ser escoado para o pagamento dos juros da dívida, ou seja, para a
Banca. Notem que o BCE comprar os títulos é indispensável ao processo porque,
como veremos, eles vão ficar incobráveis.
Como é que os Estados vão arranjar dinheiro
para pagar os altos juros?
Compreendamos a
situação: imaginem que têm um empréstimo para compra de casa, pelo qual pagam
500 euros por mês. Um bom investimento, pois se arrendassem uma casa pagariam o
mesmo ou mais e não teriam nada. Comprar casa própria é um investimento e uma
poupança. Agora imaginem que recebem uma carta do banco a dizer que resolveram
unilateralmente subir os juros, pois há falta de crédito, e que passam a pagar
1700 euros por mês! O vosso ordenado é de 1000 euros. Vocês dizem ao banco que
não podem pagar isso. O banco então acha-se no direito de entrar na vossa vida
e desatar a vender os vossos bens, sacar o dinheiro todo que tiverem e ainda
vos insulta, seus malandros, a quererem ter casa com dinheiro que não é vosso –
vão é viver para debaixo da ponte, seus caloteiros.
Isto é mais ou
menos o que se passa com as dívidas soberanas.
Assim, os
financeiros entram nos Estados e impõem a “Austeridade”. Austeridade mas não
para os ricos. Corta-se nos ordenados e nos direitos sociais. Duas coisas que
não afectam os ricos. Impostos sobre o capital, parcerias público-privadas,
fundações, denúncia de dívidas fraudulentas mesmo quando a fraude já está
provada, como no caso dos submarinos, isso não!
Os críticos da
austeridade dizem que ela corta o crescimento e que sem crescimento não há dinheiro
para pagar dívidas; são uns utópicos, o crescimento não interessa nada aos
financeiros, ele não fabrica dinheiro; “crescimento” num
lado significa decrescimento noutro lado, para os financeiros é
irrelevante, o que interessa é sacar o mais possível do pouco dinheiro físico
que existe. O que falta não é produção, é dinheiro físico, pura e simplesmente,
e o objectivo é sacar o máximo de dinheiro já já; se o país fica destruído, se
as empresas fecham, se as pessoas passam fome, isso não interessa nada, cada um
trata dos seus interesses. Na verdade, isso é a consequência necessária do
saque que é preciso fazer para que os interesses dos ricos não fiquem
prejudicados. Vamos viver para “debaixo da ponte”.
Mas por maior que
seja a “austeridade” nunca se pode obter o dinheiro necessário porque ele não
existe. A austeridade esvazia os trocos dos bolsos dos pobres mas depois não há
mais trocos.
Entendamos o
seguinte: na Europa, os bancos são apenas retalhistas do dinheiro. O produtor
do dinheiro é o BCE. A Banca tem o exclusivo do retalho deste produto, que o
BCE produz em monopólio; o BCE faz como qualquer outro monopolista: produz nas
quantidades que mais aumentam o seu ganho – se produzisse mais euros, o euro
desvalorizava-se e ele tinha menos ganho. Ele e a Banca, pois isso baixaria os
juros. O BCE e a Banca são uma entidade só, a desempenhar dois papéis. Estados,
cidadãos, empresas, são todos clientes do retalhista do dinheiro, que é a
Banca.
Os bancos vão ter
de enfrentar muito crédito incobrável porque as pessoas ficam sem dinheiro para
pagar os empréstimos, mas vão ser compensados pelos ganhos na intermediação
entre as dívidas soberanas e o BCE. Este processo transfere para o Estado, ou
seja, para todos nós os que dependemos directa ou indirectamente dele, o
problema gerado pelo excesso de ganhos financeiros. A banca transforma assim os
seus ganhos virtuais em dinheiro real extraindo o dinheiro real das pessoas.
Entendamos:
criou-se um dinheiro virtual de que todos beneficiámos, uns mais do que outros;
mas agora o dinheiro virtual dos ricos é substituído por dinheiro real e o
nosso dinheiro real desaparece e o virtual esfuma-se através da utilização de
uma ferramenta chamada “Austeridade”.
No fim desta
primeira fase, o BCE está cheio de títulos de dívida soberana, que comprou no
mercado secundário; que vai ele fazer com esses títulos? Cobrá-los? Como, se
não há dinheiro??
Ele não vai
cobrá-los, o que o BCE tem a fazer é escrevinhar os títulos na contabilidade do
BCE e deixá-los lá arquivadinhos. O BCE apenas está a fazer aquilo que todos os
bancos centrais fazem, comprar dívida soberana para arquivo, só que usando a
Banca como intermediário, pois a Banca é o seu retalhista exclusivo.
Mas há uma diferença para os outros bancos
centrais; os outros estão ao serviço do seu país, arquivam a dívida porque isso
serve os interesses desse país. O BCE não está ao serviço de nada a não ser de
si próprio. Ele irá querer negociar alguma vantagem, qual? uma perca de
soberania? Os senhores do dinheiro vão tomar conta do poder político? Será que
a Merkel consegue alterar os tratados a tempo e de forma a retirar poderes ao
BCE? Ou também ela está ao serviço do BCE?
E o nosso governo
está ao serviço de quem?
Pessoalmente,
penso que por agora vamos ser salvos pela ameaça chinesa – com as pernas a
tremer de medo perante o Dragão, o BCE vai arquivar já já as dívidas soberanas
para travar a entrada da mitológica criatura.
terça-feira, janeiro 03, 2012
O artigo 123 do Tratado de Lisboa
Que a origem da crise se situava no facto de os governos não terem capacidade de negociar as condições da dívida já tínhamos percebido; que isso se devia ao facto de lhes ter sido retirada a capacidade de imprimir dinheiro também já tínhamos percebido; o que não sabíamos era onde exactamente estava escrito que devia ser assim. Este vídeo explica: no artigo 123 do Tratado de Lisboa.
Note-se que não
se tratará de uma originalidade deste tratado – na primeira versão do vídeo, um
pouco mais detalhada, diz que já vem do Tratado de Maastricht e de uma lei
francesa de 1973 (não sei se está correcto).
Há pois uma
enorme ingenuidade (ou esperteza...) neste artigo. O preço deve resultar duma
negociação entre as partes e é este princípio liberal básico que é aqui violado
porque assim os Estados ficaram sem qualquer capacidade de negociação. E se eu
sugiro que o artigo 123 pode ser uma esperteza em vez de uma ingenuidade é
porque a estratégia básica das financeiras consiste em criar situações em que a
outra parte perde capacidade de negociação – é por isso que os bancos estão
constantemente a “oferecer” empréstimos aos seus clientes. E é isso que é feito
com este artigo 123.
Portanto, há que
encontrar uma nova redacção a este artigo, que devolva aos Estados capacidade
negocial adequada. Alguém tem uma sugestão?
Este é apenas um
dos dois problemas fundamentais que vão levar o caos à Europa do Euro. No próximo
post veremos o outro.
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