terça-feira, maio 28, 2013
Os 4 problemas de Portugal (3b)
Vejamos agora a segunda
das 3 componentes do problema da dívida pública: a receita do Estado. Agora vou
só analisar a receita fiscal; há outra componente da receita do Estado mas fica
enquadrada no quarto problema do país.
Em Portugal, a carga
fiscal (33,2%) é das menores da Europa; 10% menos que em França (43,9%)!!
Abaixo da média europeia (39%) em 6%! Porém, é a mais alta sobre as pessoas de
menos rendimentos! Quase o dobro da Alemã para um empregado solteiro. Ou seja,
Portugal é onde os “ricos” (os 10% mais ricos) menos pagam e o “povo” (os 90%
mais pobres) mais paga!!!
Portanto, a carga fiscal
em Portugal pode ser muito aumentada do lado dos mais
ricos, combatendo as fugas e aumentando as taxas sobre os rendimentos mais
elevados, quer do IRS quer outras, como o IMI sobre as propriedades de valor
mais elevado, e acabando com os esquemas que as isentam de IMI. Em vez disso, o
que este governo faz é ir buscar dinheiro à classe média baixa e aos pobres. É
preciso empobrecer os portugueses, dizem eles: e não há alternativa, repetem
uma e outra vez. E a oposição parece confirmar, porque não apresenta
alternativa que se veja. Mais do que o governo, é a oposição que vai
convencendo os portugueses disso porque não apresenta alternativa. E, claro, as
classes acima da média adoram essa ideia porque pensam que assim serão os mais
pobres a pagar a crise e não eles.
Porém, o governo sabe
muito bem que empobrecer o povo não resolve o problema das contas públicas, e
por duas razões.
Uma é que simplesmente o “povo” não têm
dinheiro para tal pois os ricos, contrariamente ao que muita gente pensa, têm a
maioria do dinheiro. Não sei os números de Portugal mas nos EUA o rendimento da
metade mais pobre é apenas 4% do PIB e na Alemanha parece ser inferior. Se não
erro, em todos os países de economia capitalista, até na China, os 10% mais
ricos detêm mais de 50% da riqueza; e, nalguns casos, muito mais. Claro que
taxar os ricos é complicado porque o dinheiro deles tem asas, mas outros países
sempre conseguem mais do que nós.
A outra razão é que empobrecer
o “povo” leva à quebra do consumo interno e à recessão da economia, criando a
famosa espiral recessiva que estamos a ver. Se o empobrecimento fosse dos
ricos, isto não acontecia, porque o que determina o crescimento da economia não
é o dinheiro dos ricos, é o consumo, é o dinheiro dos pobres. E em Portugal
mais do que noutros lados, porque aqui os ricos não consomem produtos
nacionais, pois não? Nem os ricos nem as pessoas que sonham sê-lo.
Reparemos no seguinte: se
a carga fiscal aqui fosse igual à de França, ou seja, se os ricos aqui pagassem
tantos impostos como pagam em França e os pobres tão pouco como pagam em França,
a coleta aumentaria 10% do PIB e o Estado, em vez de um deficit de 5%, teria um
superavit de 5%!!!! Além de que a recessão seria muito menor e, logo, maior a
coleta.
Então serão completamente
estúpidos e ignorantes? Não sabem o que andam a fazer?
Claro que sabem. Sabem
muito bem.
Enquanto a dívida pública
for um problema, a banca ganha dinheiro. A especulação sobre as dívidas soberanas
é um processo tão conhecido como a especulação sobre os terrenos urbanizáveis,
por isso foram criadas defesas através dos bancos centrais e através da
captação das poupanças para ela. Para executar esta especulação, era preciso
controlar o banco central e destruir o mecanismo das poupanças no Estado. No
caso português, destruir este mecanismo foi apenas destruir os certificados de
aforro. Fácil. Mas o problema do banco central era mais complicado.
Esta operação foi
preparada ao pormenor e eu sei porque de certa forma fui convidado a tomar
parte no processo (não sei porquê, mas as pessoas da banca tendem a achar que
eu devo ter muito dinheiro e fazem-me propostas estranhíssimas; se eu quisesse,
tinha algos ganhos financeiros e não pagaria um tostão de impostos sobre eles).
Para resolver o problema do banco central, bastou o artigo 125 do tratado de
Lisboa, que anula a possibilidade de intervenção do BCE. Ficaram então criadas
as condições para o ataque especulativo às dívidas soberanas, para o qual fui
convidado. Isto antes da crise.
Entretanto, rebenta a
crise! A banca viu no assalto às dívidas soberanas a forma de compensar
as brutais perdas que estava a ter, porque a sua riqueza era de base
especulativa e as bolhas especulativas estoiraram.
Mas a crise trouxe um
problema ao plano: os juros altos, resultantes da ausência de poder negocial
dos Estados, em cenário de crise lançaram as dúvidas sobre os títulos de dívida:
o seu valor começou a cair muito, por um lado, enquanto os juros ficam descontrolados,
por outro. Ora a queda de valor dos títulos abria as portas a que os governos
resolvessem o problema, seguindo o exemplo do Equador: recomprando os títulos
de dívida a uma fração do valor, no mercado secundário!
Então, o BCE interveio no
mercado secundário, retirando aos governos essa possibilidade. Uma
possibilidade que eu penso que os governos não usariam, dado que são
completamente controlados pelos financeiros, mas… Aqui, curiosamente, o BCE já
se apressa a intervir para impedir os mercados de funcionarem; as leis do
mercado só são válidas enquanto privilegiam os financeiros, ou não fossem eles
o regulador. Assim o BCE interveio para manter os juros no valor adequado a
conseguir uma permanente sangria de recursos dos Estados.
Mas não pensem que o BCE
e a Merkel são os únicos responsáveis desta confusão. Este Governo pode tomar
medidas e deliberadamente não o faz; uma é abrir a dívida pública ao retalho,
coisa que já todos os outros países em crise fizeram. E não faz porque tem um
grave problema entre mãos: se o fizer, mais depressa vão os bancos nacionais à
falência porque lhes prejudica a negociata da dívida. Por isso é que as
colocações de dívida são “fechadas”. A continuarmos assim, em breve até os
gregos terão juros mais baixos do que nós.
Ou seja, no afã de salvar
a banca, o governo está a sacar o dinheiro aos portugueses para o canalizar
para a banca através dos juros da dívida pública.
Porém, não está a
perceber uma consequência colateral: os bancos nacionais também dependem do mercado
interno, tal como as empresas nacionais que trabalham para ele; o que o Governo
está a meter nos bancos através dos juros da dívida está a tirar pelo lado do
mercado interno, com um fator multiplicativo. Esta política vai levar à
falência das empresas nacionais e da banca nacional.
Existe a ideia de que
basta gerir para o imediato; se formos resolvendo os problemas à medida que
eles vão aparecendo, “empurrando para a frente com a barriga”, acabamos por
resolver tudo. Não é verdade. O governo, ao serviço da banca, não vai resolver
o problema dela, vai afundá-la.
Em resumo, a coleta
fiscal podia ser maior, mais justa e menos recessiva; mas o objetivo
prioritário não é resolver o problema das contas públicas, é salvar a banca, salvar os ricos! A
riqueza dos ricos foi conseguida através de processos especulativos e
determinou empobrecimento do “povo”; este empobrecimento, por sua vez, fez estoirar os
processos especulativos. A riqueza dos ricos deveria cair em
consequência. Naturalmente, eles não querem isso e procuram transferir o
empobrecimento deles para cima do “povo”. É por isso que o objetivo declarado
da Governo é “empobrecer os portugueses”. Alguém tem de empobrecer, não é? A ideia dos ricos, tal como no afundamento do Titanic, é saltar para os botes salva-vidas e o povo que afogue. Porque o povo aguenta tudo, ai aguenta aguenta... sempre aguentou...
domingo, maio 26, 2013
Quem escolhe os ministros?
No meio dos 4 problemas de que em minha opinião é
prioritário resolver para surgir luz ao fundo deste túnel, permitam-me uma
breve nota que talvez ajude a compreender melhor como as coisas se passam.
Oiço muitas vezes dizer-se que os ministros são corruptos
porque assim que saem do governo abicham logo belos lugares nas empresas que
andaram a favorecer durante o seu mandato.
ORA ISTO É UM ENORME DISPARATE
Esses ministros não foram contratados por essas empresas a
troco dos favores que lhes fizeram; eles já eram empregados dessas empresas e
foram por elas designados para o lugar de ministro.
As grandes empresas dão dinheiro aos partidos políticos; a
troco de quê? De poderem escolher os ministros relevantes na altura em que a
política do governo esteja orientada para a sua área de atividade. Isto não é tão estranho ou criticável como pode parecer à primeira vista, como vou explicar.
Onde se pode um PM ir buscar uma pessoa para ministro? Um
político do seu partido perceberá de política mas um ministro tem de saber do pelouro; há os
académicos, servem para umas coisas mas não para outras, não têm geralmente
experiência “de terreno”; há os funcionários do ministério, seria uma
possibilidade, mas esses também são normalmente apenas burocratas; e há os que
trabalham no sector, em grandes empresas – mas esses não vão perder o vínculo
laboral por uma comissão como ministro.
Há alternativas; por exemplo, ir buscar pessoas na reforma ou à beira dela; ou então promover dentro do Estado as
competências necessárias; e há também a profissionalização da política: pessoas
que são preparadas para gerir um país nas várias componentes, que é o que
acontece em Singapura e que acontece com algumas pessoas que seguem carreiras
políticas, por isso é que saem do governo e vão para Bruxelas ou para lugares
em organismos internacionais.
Se um PM pretende levar a cabo um plano de investimento em
infraestruturas, tem de o fazer em colaboração com as empresas nacionais do
setor; e nada como ter como ministro uma pessoa que seja simultaneamente da sua
confiança e apoiado por essas empresas; é então que a empresa do sector que
apoiou o partido do governo tem a oportunidade de escolher o ministro. (nota: tem de ser da confiança do Governo; se fosse apenas um empregado da empresa, serviria apenas os interesses desta e não os do país)
Há a ideia muito errada de que o Estado e privados defendem
interesses opostos e estão em conflito. Não é nem pode ser assim. Eu sei que essa é uma
visão muito espalhada, mas é apenas fruto da ignorância, de atavismos,
provincianismos, oportunismos e horizontes curtos. Uma visão de que precisamos de nos livrar.
E quem a promove, quem fomenta antagonismos entre público e privado, está a
fazê-lo para defender interesses ilegítimos.
Os casos dos ministros das obras públicas são bem
conhecidos, mas há outros menos conhecidos.
Neste Governo temos dois ministros que tudo indicam foram
nomeados por empresas: o da saúde e o da economia.
O Paulo Macedo é um empregado da banca, do sector da saúde;
foi para ministro ganhar 1/5 do seu ordenado na banca. Porquê?
Vejamos a sua ação: baixar custos de medicamentos e material
hospitalar. Uma boa medida para o sector público, sem dúvida. Porém, é também
uma boa medida para o sector privado; e uma medida que apenas o seu poder como
Ministro permite levar a cabo. Por outro lado, a Saúde foi a única área onde as
PPP cresceram. Nas obras públicas fala-se muito em renegociação e redução de
custos; na saúde não se fala nada, as PPP são indiscutíveis. Como é que umas
são más e as outras boas? Todas elas foram feitas com a banca… com a mesma banca...
Notem que isto não significa que o ministro pretenda
boicotar a saúde pública, acabar com ela, etc. Não o tenho nessa conta; como
disse atrás, isso é o pensamento das pessoas de horizontes curtos a defender interesses ainda mais curtos. A função do
ministro é conseguir coordenar a atividade pública e privada em benefício dos
cidadãos.
Claro que as origens do ministro pesam nas decisões; por
exemplo, foi veloz a aumentar os custos para os utentes, mas muito menos
eficiente a reduzir o abuso de análises que muitos médicos mandam fazer. Pelo
menos que eu notasse. Se o ministro fosse oriundo da indústria farmacêutica, as
soluções seriam outras.
Cabe ao PM saber a que sector deve ir buscar o ministro
para desenvolver a atividade no sentido em que pretende ou para compensar
desequilíbrios entre as forças atuantes no setor.
Portanto, estes casos, dos anteriores ministros das obras públicas ou do atual ministro da Saúde, são legítimos de um ponto de vista pragmático.
Mais complicado é o caso do Álvaro.
Há duas coisas que os países desenvolvidos querem dos
outros: mão-de-obra barata e recursos naturais. Estes são vários: climáticos,
águas, combustíveis, minérios. É bem sabido a importância que se dá ao controlo
das jazidas de combustíveis (petróleo, gás, carvão, urânio) e às de metais
indispensáveis à eletrónica. Mas todas elas, essas e as outras, são alvo das
maiores atenções. Portugal tem diversas jazidas de metais, a generalidade delas
sem viabilidade económica na atualidade; porém, elas existem e podem ser
importantes no futuro.
Existe uma empresa, a Colt, cuja atividade consiste na
descoberta e venda de concessões mineiras. É uma empresa canadiana que,
curiosamente, opera num único país: Portugal. Até este governo, nunca tinha
conseguido nenhum negócio relevante. Isso mudou com a chegada de um ministro da
Economia que, coincidência das coincidências, veio do Canadá. E, coincidência
das coincidências, esse ministro, até agora, a única coisa que parece ter feito
é mirabolantes concessões mineiras. O resto parece ser só “fogo de artifício”:
grandes anúncios com voz firme e hirta, e depois nada. Pode não ser culpa dele,
parece que na realidade não temos um governo, temos apenas um empregado das
finanças alemãs a gerir o país.
O que nos traz ao Gaspar; foi escolhido por Passos Coelho?
Tanto como os elementos da Troika. O Gaspar foi escolhido para governar o país
e não foi pelo PM, em minha opinião. E o resto do governo, tirando o Macedo, é
ilusão, porque só fingem que governam, quando é apenas o Gaspar que manda. Como
é ilusão pensar somos governados por quem elegemos. O Monti já o disse… as pessoas
é que não prestam atenção…
Notem, por último, que a aparente inação de todos os
ministérios menos o da Saúde não é de estranhar: quando se fazem remodelações
não se fazem novas ações. A exceção da Saúde dever-se-á à existência de um
ministro que é empregado do sector privado e, por isso, não pode limitar-se à
função que o governo pretenderia: tem de organizar o sector para benefício do
seu patrão e não apenas emagrecer o sector público.
quinta-feira, maio 09, 2013
Os 4 problemas de Portugal (3a)
O terceiro
problema é a dívida pública.
Este problema tem três
componentes: a dívida propriamente dita, receitas e financiamento.
Para simplificar a vida ao leitor, vou dividir o assunto pelas 3 componentes, em 3 textos curtos. Este é sobre a dívida.
(da wikipedia; dívidas públicas em função do PIB) |
Quanto à dívida,
o Estado é como qualquer empresa: quanto mais capital tiver disponível, mais
aumenta a sua capacidade competitiva. Todas as empresas dependem de capitais
alheios no montante máximo que as suas receitas suportam. Se não procederem
assim, não maximizam a sua capacidade competitiva e acabam “engolidas” pela
concorrência. É por isso que, contrariamente ao que o Gaspar tem andado a
dizer, apoiado num estudo que se sabe agora ser falso, muitas das maiores
economias e das que mais crescem são as de países com as maiores dívidas
públicas. O que torna uma dívida pública “excessiva” não é o seu valor em
função do PIB, é a receita que o Estado consegue (que corresponde à facturação de uma empresa) e a capacidade negocial do Estado para obter financiamento a
juros adequados.
Façamos uma analogia com nós mesmos: a vossa dívida à banca
nunca foi superior ao que ganham num ano? A minha já foi, e isso não foi problema porque o meu saldo receitas/despesas e as condições de financiamento que tive suportavam esse endividamento.
Portanto, não é a dívida pública que é excessiva, é a capacidade do Estado para obter receita e se
financiar que é insuficiente. Os teóricos que falam em que a dívida pública não pode exceder 60% do PIB não estão suportados em nenhuma razão objetiva; aliás, a da Espanha estava nesse valor quando começou a crise, o que mostra bem que não é o valor da dívida pública que interessa. A da Alemanha é de 80% do PIB e desconfio que seja mais do que isso porque os alemães não deixam que se veja totalidade das suas contas. A dívida pública, considerada isoladamente, é irrelevante. Gerir as finanças do Estado com o objetivo de redução da dívida pública é um erro; basta olha para a figura acima para perceber que só existe desenvolvimento com uma dívida pública baixa onde há importantes recursos naturais. Reduzir a dívida pública é estrangular o desenvolvimento, o que não é surpresa nenhuma, acontece o mesmo em qualquer empresa neste mundo competitivo.
Claro que interessa em que foi aplicado o dinheiro que se pediu emprestado, mas essa é outra discussão. Um Estado, como uma empresa, pode ser bem ou mal gerido.
quarta-feira, maio 01, 2013
Os 4 problemas de Portugal (2)
O segundo
problema é a balança de capitais.
A figura acima
mostra a repartição do investimento “estrangeiro” em Portugal (tirado deste vídeo promocional). Uma coisa chama
logo a atenção: o maior investidor em Portugal é a Holanda, seguido do...
Luxemburgo????
Sabem o que isto
quer dizer: as empresas põem a sede nesses países onde só pagam uma pequenina
taxa (2,5%, creio) sobre os lucros, que transitam para um offshore. Ou seja, grande
parte deste investimento só deixa cá ficar o dinheiro dos ordenados.
Agora uma novidade:
na verdade, muito pouco deste investimento será estrangeiro. É nacional! Como é
evidente, com as regras que existem, só quem não puder é que não mete a sede na
Holanda ou no Luxemburgo. Por isso, os investidores nacionais, quando abrem uma
empresa, é o que fazem. Portanto, a maior parte do investimento estrangeiro
será... nacional! Os lucros é que não ficam cá, e esta é uma forma eficiente de
fuga de capitais.
Então o
investimento mesmo mesmo estrangeiro é que será bom, é que paga impostos cá?
Nada disso. Uma
empresa estrangeira quando abre cá uma fábrica, nos moldes em que isso é
atualmente feito, essa fábrica é apenas um componente da sua cadeia de
produção, que compra à empresa mãe e vende à empresa mãe (ou do grupo). A
diferença entre o preço de compra e venda é o necessário para pagar os
ordenados, descontados os benefícios que o Estado sempre dá aos estrangeiros.
Para percebermos
as consequências disto, imaginemos uma família onde só o homem tem emprego e
coloca parte do que ganha numa conta só dele, para ele gastar como quiser,
deixando para a família o mínimo dos mínimos. A mulher e os filhos alimentam-se
de farinhas cerelac com água e vestem-se com as roupas que a igreja vai
arranjando. O homem come brutas almoçaradas e, à noite, quando chega a casa, finge
que “passa debaixo da mesa” para não “tirar o pão da boca aos filhos nestes
tempos difíceis”. Faz belas viagens de férias com a amante e diz em casa que
foi trabalhar na apanha do morango. Tira os filhos da escola e põe-nos a dar
serventia de pedreiro para que eles nunca abram os olhos e ainda contribuam
para as despesas da casa.
É mais ou menos
isto que se passa. É claro que numa família consideramos que as pessoas são
responsáveis umas pelas outras e na nossa sociedade nem pensar nisso, é cada um por
si. Mas o resultado assim é mau e por isso é preciso regras que substituam a
moral que se exige a uma família. Nomeadamente, são precisas regras que tornem
vantajoso que quem tem lucros aqui, os aplique aqui.
Isto é mais do
que sabido, há décadas que essas regras existem noutros lados, por exemplo, nos
EUA. Mas cá não. E não é baixando o IRC que isso se consegue, porque a taxa
holandesa é imbatível. É como fazem os EUA.
A conversa de “captar investimento
estrangeiro” é um disparate por duas razões. Uma delas é que se queremos
investimento, apenas precisamos de criar condições para os investidores
nacionais investirem aqui pois, como mostra o gráfico do investimento
“estrangeiro”, grande parte dele é nacional mascarado de estrangeiro. A outra
razão porque isso é um disparate, nos moldes em que é feito, é a seguinte:
Se uma empresa
que opera em Portugal se limita a pagar salários e leva para fora todas as
mais-valias aqui geradas, o país nunca pode aumentar o nível de vida. Pelo
contrário, essa empresa só existe aqui enquanto não conseguir pagar menos
noutra qq parte do mundo. É por isso que nos outros lados a entrada de empresas
estrangeiras é definida com um objectivo muito diferente: a transferência de
saber-fazer.
É que não é
através das empresas exportadoras que um país se desenvolve, é à custa do
mercado interno; é por isso que a transferência de saber-fazer é o objectivo
das políticas de atracção de empreendedores estrangeiros. É o velho ditado: o
que interessa é aprender a pescar.
É por isso que em
todo o lado as empresas estrangeiras têm de ter um sócio nacional, que pode ser
o Estado, e têm um prazo de saída, são concessões a prazo. Quando a Volkswagen
sair da China, em 2030, a indústria automóvel chinesa estará pronta. Claro que
os alemães foram inteligentes e negociaram bem o assunto, os carros chineses
vão estar cheios de electrónica alemã, que é onde estão as mais-valias que
interessam aos alemães; e assim, através dos chineses, os alemães vão acabar
por dominar o mercado mundial dos componentes especializados para automóveis.
Claro que
exportar é muito importante, nenhum país é auto suficiente. Nos países mais
desenvolvidos, grande parte das suas exportações são de bens produzidos noutros
lados; por exemplo, uma empresa alemã coloca uma fábrica na Grécia onde realiza
a parte do produto que carece de mão-de-obra intensiva, para a qual exporta
componentes e da qual importa produtos quase acabados, que depois exporta a
partir da Alemanha, ficando aí a mais-valia. Claro que a Grécia é muito melhor
do que a China, porque a China exige 50% do capital, transferência de
saber-fazer e prazo de saída.
A Grécia será o
maior caso de sucesso dentro do Euro; no começo da crise, o seu PIB per capita
já era 1,7 vezes o português!! Mas a Grécia fez uma coisa errada: permitiu a
instalação de mais de uma centena de fábricas alemãs. Ora essas fábricas
dependem de mão-de-obra barata e isso estava a desaparecer da Grécia. Logo,
havia que fazer algo para empobrecer os gregos e levar o desemprego para níveis
acima dos 20%, que é o que coloca os ordenados em espiral decrescente.
Em conclusão, é
preciso:
1- criar condições para que os lucros das
empresas que operam em Portugal sejam investidos em Portugal;
2- a instalação de empresas estrangeiras em
Portugal deve ser feita nos mesmos moldes em que se faz em quase todos os países
soberanos (participação nacional, transferência de saber-fazer, efeito
multiplicativo sobre a economia, concessão a prazo)
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