quarta-feira, junho 22, 2011

Uma questão a que não sei responder

Pessoa das minhas relações que me merece a máxima consideração colocou-me a seguinte questão:

Se o Paulo Macedo exigiu, para ir para as Finanças, receber o mesmo que recebia no BCP, o que terá ele exigido agora para ir para Ministro da Saúde?

Compreende-se a pergunta; agora que ele tem um alto lugar na área da saúde no banco, onde ganhará muito mais do que ganhava no tempo em que foi para as Finanças, certamente que, em coerência com o que aconteceu anteriormente, não se disponibilizou a ir para ministro perdendo volumosas verbas; nem lhe fica mal sabermos que exigiu continuar a receber o mesmo pois ninguém faz nada em seu prejuízo, quem se disponibiliza para perder dinheiro no imediato é porque está a prever vantagens futuras.

Essas vantagens até podem ser legítimas, por exemplo, um acréscimo de prestígio que aumente a sua cotação profissional.

Não parece, porém, que aqui possa ser o caso, pois parece que não lhe falta prestígio, por um lado, e por outro os lugares de ministro frequentemente só geram quebra de prestígio.

Portanto, fiquei sem saber que resposta dar. Não me surpreende que a questão seja difícil, a pessoa que ma colocou não o faria se a resposta foi fácil. Continuei por isso a raciocinar:

O desgaste dum ministro do PSD é muito menor que um do PS porque o PSD domina a quase totalidade da comunicação social e especialmente domina agora a totalidade da televisão (e certamente que ninguém vai deixar a MMG chegar-se aos microfones...); mesmo assim a busca de prestígio não parece uma razão suficiente para justificar tão brutal perda de rendimento entre um lugar de topo no BCP e o ordenado de ministro.

Então lembrei-me duma coisa: quais são os grandes negócios da banca, agora que a bolsa já não rende? São os empréstimos ao consumo / cartões de crédito, a especulação sobre as dívidas soberanas e a saúde! Ou seja, Usura e Saúde, as grandes áreas da banca actual.

Então, um alto responsável pelo negócio da Saúde do BCP, um dos dois pilares da actividade bancária actual, que permite pagar juros nos depósitos a prazo muito acima dos 2 ou 3% que a economia europeia pode crescer, vai para ministro da Saúde...

Surge uma lógica para esta escolha: não podia haver ninguém mais empenhado em reduzir o SNS à expressão mínima... e uma razão para o Paulo Macedo aceitar: a sua comparticipação nos lucros do ramo Saúde pode subir em flecha.

Há porém, um óbice: isto é tão reles e primário que não pode ser verdade, há razões mais profundas, subtis. Percebê-las ajudará a perceber o complexo esquema de funcionamento da nossa sociedade. Foi então que me lembrei de pedir ajuda aos leitores deste blogue!

Algum dos ilustres leitores é capaz de avançar uma explicação não interesseira para o facto de uma pessoa altamente interessada no negócio da saúde na banca ir para ministro da saúde para depois voltar outra vez à banca?

8 comentários:

Diogo disse...

Infelizmente, isto é tão reles e primário como parece. Macedo sempre foi um funcionário bancário e é nessa qualidade que ele vai para ministro da saúde. Para garantir que a privatização da saúde decorra dentro das expectativas.

antonio ganhão disse...

O SNS é uma escandalosa concorrência ao sector privado! Mesmo as taxas moderadoras a subir em flecha e as filas de espera o privado não tem hipóteses... a menos que... se aplique o princípio que só não paga quem não tenha dinheiro. Quem ganhar mais de 450€ ou tenha património superior a 5.000€ (um carro por exemplo) terá de pagar no SNS a preço de custo. Quem não tiver um seguro de saúde está tramado. O seguro de saúde vai passar a ser a única garantia de acesso ao SNS.

alf disse...

Eu penso que é preciso mudar muita coisa no SNS; penso ninguém deve deixar de ter acesso à saúde por razões financeiras mas penso que o que eu pago qd uso o SNS é ridículo. Penso que é preciso acabar com os interesses cruzados dos médicos, pois muitos promovem as listas de espera no SNS para levar os doentes para os privados. E há também os que o fazem para receberem depois as verbas para combater as listas de espera... é como na justiça, qd mais processos em atraso, mais ganham os juízes...

Portanto, vai ser preciso fazer sangue, um sangue que o Sócrates não foi capaz de fazer. Como é que o Passos Coelho o pode fazer sem ser frito em lume forte?

alf disse...

Eis agora uma solução para o problema do Passos Coelho:

1 - põe em ministro alguém muito interessado em esfolar o sistema

2 - qd as coisas ficarem fora de controlo aparece no papel de bonzinho e frita o ministro

3- este ministro não se importa de ser frito na opinião pública, o seu futuro não depende dela.

O Sócrates deu cobertura aos seus ministros em vez de fazer o papel de "bonzinho"; o Passos Coelho não vai cair nessa, ele há de ficar sempre como o "bonzinho".

Deve ser por isso que tem um governo quase sem pessoas do PSD em pastas "fritáveis"; aqui não há solidariedades governativas, estes ministros são mesmo para arder, se conveniente.

antonio ganhão disse...

Nós vamos garantir que eles ardam... mas esperemos que algo de duradouro fique.

Sócrates está para Passos Coelho como o reviralho esteve para Salazar.

alf disse...

antónio, nota que eu não estou a criticar o Passos Coelho; as coisas são como são, as pessoas são como são, movem-se pelos seus interesses, é por isso que há corrupção por todo o lado - sempre que a penalidade é inferior ao ganho, ou seja, sempre que o risco compensa, o corrupção surje. Como os ganhos possíveis cresceram exponencialmente e o combate à corrupção não, estamos afogados em corrupção.

O combate que este governo tem de travar, tal como o do Sócrates, é o combate à corrupção - corrupção a todos os níveis, desde o funcionário que nada faz a todos aqueles que alimentam esquemas de benefício pessoal; ou seja, talvez metade da sociedade portuguesa...

O Passos Coelho tem uma guerra para ganhar como já tinha o Sócrates; as novas circunstâncias permitem-lhe novas estratégias.

Paralelamente à questão da corrupção há a questão do balanço entre os poderes do Estado e da iniciativa privada. São poderes que se opõem e o equilíbrio entre eles é necessário. Mas este equilíbrio não é estático, é oscilante -qd o Estado perde poderes, a miséria atinge as classes mais baixas e a esquerda ganha as eleições; qd o Estado ganha poder, a economia fica travada e a direita ganha as eleições.

O nosso caso é dramático porque a direita não vai fazer a economia crescer - ou melhor, vai fazer crescer a economia... alemã! A economia europeia, não a nossa, porque nós somos os pobrezinhos à escala europeia e só vamos ficar mais pobres com um estado mais fraco. A nossa economia só melhora com um estado forte e controlo das importações. Sem controlo das importações não há hipótese nenhuma para este país.

UFO disse...

Em relação ao comentário do alf sobre o crescimento da economia alemã: encontrei no blog 'conversas de xaxa' a justificação para o TGV não abrandar nem sob Sócrates nem sob P.C.: a alemã Siemens é a única empresa adjudicante e a Merckle suportou o Sócrates enquanto pode ,nos PECs, com essa contrapartida.
Mas o alf está a ver bem o problema.
Ficamos é sem saber se o P.C. quer efectivamente acabar com o SNS ou apenas melhorar o seu desempenho. Na medida em que o PC é filho de um médico do SNS talvez que ele seja ainda um pouco 'filho do povo'.
O Paulo Macedo tem interesses cruzados e é uma 'chatice'.
A CGD está a vender a sua área da saúde. Quem está em posição de comprar? e sob que condições?

alf disse...

UFO

E, já agora, porque razão está a CGD a vender a sua área de saúde se outros apostam nela? Ou será que é por isso mesmo? Certamente que os «outros» não querem a CGD a fazer-lhes concorrência...

No tempo do Sócrates, parece que a CGD quiz abafar o BCP... agora os ventos são outros

Esta alternância de forças, na verdade, é própria do sistema capitalista - é preciso um equilíbrio entre a iniciativa privada, geradora de desequilíbrios que acabam por asfixiar o sistema, e o Estado, gerador de um controlo que asfixia o sistema por outras razões. O equilíbrio não é estático, é oscilante.

Numa sociedade atrasada, a oscilação tem grande amplitude, é o nosso caso, vai-se de extremo a extremo; numa sociedade avançada, como o Japão, as ocilações são mínimas.

Este facto faz esperar que o Paulo Macedo vá trabalhar para reduzir o SNS à sua mínima dimensão, nós somos o país das grandes oscilações...

Quanto ao TGV, evidentemente que os alemães estão interessados, mas isso não significa prejuízo para nós - de certa forma, são eles que pagam o comboio, através dos subsídios. Se o resto fosse feito internamente, seria um bom negócio para nós, apesar das questões financeiras.