Têm ouvido falar nas reformas, sustentabilidade da Segurança Social, esperança de vida, anos de desconto, etc.
Os termos em que toda essa conversa se desenrola corresponde a uma imagem simplória da realidade. Aqui vai uma contribuição para melhor a entendermos.
Como já referi (http://outramargem-alf.blogspot.com/2007/05/o-suor-do-rosto.html) a riqueza que se produz já não é o resultado directo do nosso trabalho; existe um Sistema, construído ao longo dos milénios, que tem um papel determinante na geração de riqueza. Como vimos, podemos até calcular facilmente a sua capacidade de multiplicar o nosso esforço.
Em consequência o pagamento do nosso trabalho é muito mais do que a contrapartida directa do “suor do rosto”. O que recebemos resulta de um processo de redistribuição da riqueza produzida. A entidade que gere esta redistribuição de riqueza é o Estado, que define as regras a que ela deve obedecer e também procede directamente a essa redistribuição. Por exemplo, fixa ordenados mínimos, paga reformas, subsídios, etc.
O processo de distribuição de riqueza actual assenta essencialmente no seguinte: os cidadãos activos recebem um pagamento e parte deste pagamento vai para o Estado que o redistribui.
Actualmente, 1/3 do salário bruto vai para a Segurança Social (SS) para ser redistribuído pelos inactivos. Vejamos como fica dividida a riqueza pelas pessoas em função da taxa de inactivos (nº de inactivos a dividir pela soma de activos + inactivos).
Na figura temos a curva dos rendimentos líquidos de cada pessoa, considerando que ao rendimento bruto dos activos é retirado 1/3 e ao dos inactivos nada (não estamos a considerar impostos). Portanto, isto significa que os activos ficam com 2/3 da riqueza total e os inactivos com 1/3. Claro que com um esquema assim simplificado, se houver poucos inactivos estes ganhariam mais que os activos; por outro lado, quanto maior for o numero de inactivos, mais ganham os activos.
Bom, mas isto é um primeiro resultado interessante: quanto maior o número de inactivos, maior o rendimento dos activos!
Porque é que isto acontece? Não está suposto que quanto mais os inactivos maior o encargo que pesa sobre os activos?
Não – o encargo é sempre o mesmo: 1/3 do rendimento bruto. O que diminui é o rendimento de cada inactivo!
Mas dirão: se há menos activos, há menos receitas para pagar os inactivos.
Não – o que importa é o PIB. As receitas da SS têm de ser uma percentagem constante do PIB. Se diminuir o número de activos, aumentam os ordenados destes, mantendo a verba da SS independente da taxa de inactivos (depende de outras coisas, mas isso é outra conversa)
Imaginemos a seguinte situação: em consequência dos actuais incentivos para a maternidade, as mulheres resolvem ir todas para casa serem mães! Pensarão: desgraça, como as famílias irão viver! Pois fiquem a saber que o rendimento da família acabará por ser igual. Deixo-vos a análise disto como exercício.
(conclui no próximo post)
15 comentários:
Só não voto em ti para PM porque PM's há muitos e alf há só um.
De qualquer modo estou a precisar de reforma (eu, os políticos e a sociedade em geral) e então espero que alguns políticos passem pelo blog e assumam.
Alf,
vai ter de explicar o que representam as curvas que estão no gráfico e como chegou a elas.
Não apanhei nada.
Amigos, isto sem fórmulas fica confuso, de facto...
Vou tentar explicar melhor, é tudo muito simples.
Por simplicidade, vamos imaginar que toda a riqueza produzida é distribuida pelas pessoas que trabalham - os "activos" - na forma de salário.
Ao valor do salário bruto é retirado 1/3 que vai para a SS
Portanto, a SS fica com 1/3 de toda a riqueza produzida. Esta riqueza é depois distribuida pelas pessoas reformadas ou desempregadas - os "inactivos"
Portanto, neste cenário, os "activos" ficam com 2/3 da riqueza produzida e os "inactivos" com 1/3
O rendimento médio de cada "activo" é, portanto, 2/3 da riqueza total a dividir pelo número de activos; de cada inactivo é 1/3 a dividir pelo nº de inactivos.
Tudo claro até aqui, não é verdade?
A figura representa simplesmente o rendimento médio de cada "activo" e o de cada "inactivo" em função da taxa destes ou seja, a taxa das pessoas que não trabalham.
Como é óbvio, quanto maior esta taxa, menor o rendimento dos inactivos e maior o dos activos.
Trivial, não é verdade?
No entanto, isto já mostra que a ideia de que os inactivos são um peso a suportar pelos activos está errada! Os activos ficam sempre com 1/3 da riqueza, qualquer que seja o número de inactivos!
Na figura, o valor "1" nas ordenadas representa o rendimento médio per capita, ou seja, a riqueza total a dividir pela soma do nº de activos e inactivos.
Outra conclusão interessante é a de que atribuindo um rendimento aos inactivos de metade deste rendimento médio, a taxa de inactivos pode subir imenso.
Finalmente, isto tudo mostra que o que está em jogo é a relação entre taxa de inactivos e o rendimento destes. Idades de reforma e penalizações são processos de gestão dessa relação.
Mais um esclarecimento: estranhará quem se debruça sobre estes problemas a simplicidade do cenário.
Todos os problemas em qualquer campo se resumem a uma função de várias variáveis, que representa o estado do sistema; o que queremos saber é como essa função varia com as variáveis. Ou seja, matematicamente, queremos saber a derivada dessa função.
Ainda se lembram como se acha a derivada total? Pela soma das derivadas parciais em relação a cada uma das variáveis, considerando as outras como constantes.
Todos os problemas têm de ser analisados assim: variavel a variavel.
Nesta questão da distribuição da riqueza já afloramos a analise de 3 questões:
1- a riqueza produzida é muito mais que o "suor do nosso rosto"
2- a riqueza dos mais ricos cresce mais depressa que a dos outros
3 - o rendimento dos activos cresce com o nº de inactivos e a sobrevivência de toda a gente está garantida desde que o rendimento médio seja o dobro do mínimo necessário à sobrevivência (já viram a relação entre ordenados mínimos e médios nos diferentes países?)
Alf,
temo que está a advogar o contrário do que tem defendido até aqui: "cuidado com os raciocínios simplórios!". As suas contas estão certas mas as conclusões é que não porque mexem com outras variáveis que se esqueceu de estudar e que são relevantes para a dita conclusão.
SE os médicos se limitassem a isolar um número restrito de variáveis já teriam morto muita gente com penicilina.
A resposta segue dentro em breve no meu "estaminé"
caldeiradadeneutroes.blogspot.com
Pois é, mas o PIB nao é fixo.
Experimenta por o PIB proporcional ao numero de activos e gostaria de ver as curvinhas que obtens...
O anonimo acima e aqui, chama-se Rodrigo, a proposito...Problemas de quem tem Macintosh
Pois, esqeceram o que eu disse, é preciso calcular as derivadas parciais, ou seja, estudar as consequências da variação de cada variável isoladamente, mantendo todas as outras constantes, mesmo que sejam interdependentes. Não é assim que se calcula a derivada total?
O PIB não depende do numero de activos. Até pode ser ao contrário - em Espanha foi preciso criar muito desemprego para por o PIB a crescer.
O PIB também não é uma função linear do horário de trabalho, ao contrário do que pretendem muitos conservadores, que ainda veem o trabalho como uma actividade de escravos atrás duma máquina a trabalharem mecanicamente.
Cada vez mais, as empresas são como os clubes de futebol. O que é preciso para se ter um clube ganhador?
a)- manter os jogadores até aos 65 anos de idade?
b)- aumentar o numero de horas de treino diário para 10h por dia?
Se acham que a resposta a estas questões é "não!" porque raio acham que para as outras empresas, ou seja, para aumentar o PIB, há-de ser "sim!"?
Bem, mas isto já é um pouco de provocação. Atrevam-se mas é a dar uma resposta ao exercício proposto, no quadro em que estamos, em que o PIB é constante.
Tarzan, esta interacção de blogues está muito interessante. Mas nota: não se pretende obter um resultado "verdadeiro". Isso corresponde à derivada total; eu estou só a analisar uma derivada parcial!
Dirás: para que serve isso? Verás que não há outra maneira de chegar à verdade. Tentando analisar todos os parâmetros ao mesmo tempo é que acabamos numa ideia simplória.
Esta análise é simples mas não é simplória porque estamos conscientes da sua natureza parcial. Sabemos que é apenas parte da Verdade, mas também não deixa de ser parte da Verdade
(até parece um trocadilho à António!)
Não Alf.
O problema está, como referi, nas conclusões. Nos estudos macro-econométricos (ganda palavrão) quando se estuda o impacto de uma variável, estuda-se o sistema como um todo: cria-se um modelo dinâmico de equilíbrio, introduz-se o choque e "espera-se" que a "máquina" estabilize. Quando as variáveis estão todas interligadas e se influenciam mutuamente não basta olhar para a derivada parcial. Ela é só o princípio de uma "história" mais complicada.
Ah. A resposta já está postada :-)
Tarzan
E como é que se cria o modelo dinâmico? Estabelecendo a dependencia do sistema com cada uma das variáveis de cada vez. Depois de se saber isso, de se ter o modelo, então pode-se variar os "inputs" e estudar o comportamento.
É sempre um problema de determinar o estado seguinte do sistema. É este tipo de problema que caracteriza a Física. E é sempre uma questão de estabelecer a dependencia da função "sistema" com cada uma das variáveis - é sempre um problema de determinação das derivadas parciais.
Quando não se faz assim que acontece? acabamos por chegar às conclusão que já presumimos! Escolhemos do quadro confuso das diversas variáveis e suas interdependencias o cenário que serve as nossas convicções!
Bolas! Afinal vou ou não ter a minha reforma? Decidam-se para eu saber!
António, já cá faltava você!!!
Esteja tranquilo: a figura mostra que pelo menos metade do rendimento médio terá!!!!
Pois fiquem a saber que o rendimento da família acabará por ser igual. Deixo-vos a análise disto como exercício.
Mau, mau... economia! Disto é que eu não pesco nadinha, enfim, nem disto nem de mais nada... lolada!!! :D
Bem, de facto até aprendi um pouco destes assuntos financeiros com a minha juvenil amiga que cursou Sociologia, pois tinha de lhe traduzir o Samuelson! Bons tempos, ricas merendas, muitos risos e prebendas! :)
E também nas revisões que fiz de algumas teses do Isvouga e do Isbap, os institutos superiores ligados à gestão em Sª Mª Feira.
Examinando essas curvas, conclui-se que a soma dos rendimentos de activos e inactivos é razoavelmente constante, varia mais ou menos entre 2 e 2,5.
Se essas taxas representam percentagens, com 0,2 sendo 20% e assim, então se todas as mulheres deixarem de trabalhar essa percentagem aumenta substancialmente, mas em quanto?!
Ah, espera! Tomemos por exemplo o ponto em que as curvas se cruzam no rendimento 1, um pouco à direita dos 0,3. Logo, temos um pouco menos de 0,7 de activos que serão aproximadamente metade mulheres e metade homens. Se no casal ambos estiverem empregados, o rendimento da família será pois sensivelmente de 1+1=2. Ora se a taxa de inactivos aumentar 0,3 passaremos para a direita do ponto 0,6 do gráfico, que dará um rendimento de 0,5 dos inactivos mais uns 1,8 dos activos, pelo que a soma do casal até é algo maior neste caso, aí 2,3... homessa!
Enfim, é o melhor que se consegue fazer. Por certo há alguma fórmula elegante e chique para calcular tudo isto, mas eu faço as contas a olho... p'la geometria existo! :)
Afinal, aqui até se desconfia lá da matemática...
Rui leprechaun
(...pois que na ciência ela é um tanto errática! :))
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