quinta-feira, junho 21, 2007

Vénus


Para começar, vamos fazer uma experiencial conceptual, uma técnica a que o Einstein recorria muito. Imaginemos então que deslocamos a Terra um bocadinho em direcção ao Sol. Que vai acontecer ao clima? António?

- Hããã, então..., bem, a irradiação solar é maior, logo a temperatura superficial começa a aumentar, a evaporação aumenta, formam-se mais nuvens... e deve atingir-se um novo ponto de equilíbrio, pois as nuvens são mais eficientes a impedir a entrada de energia do que a saída, fecham a entrada de energia...

Eeeexactissimamente correcto. Muito bem António! Se formos aproximando cada vez mais a Terra do Sol, a temperatura da Terra vai subindo e a água dos oceanos vai passando para a atmosfera, formando nuvens. Até quando?

- Até a temperatura atingir os 100ºC, claro!

Asneira, asneira... Mais subtil, mais subtil... Laura?

- Bem, à medida que a água se evapora a pressão atmosférica aumenta... e se aumenta a pressão, então a temperatura a que ferve também aumenta...

Eeeexactissimamente correcto. Muito bem Laura! Se toda a água da Terra estivesse evaporada na atmosfera, a pressão atmosférica seria cerca de 270 atmosferas! À temperatura de 374ºC, uma pressão de 220 atm é suficiente para impedir a água de “ferver”; e acima dessa temperatura já não existe estado claramente líquido para a água mas um estado de densidade e compressibilidade variáveis com a pressão, não há fronteira líquido/gás. Portanto, a água nunca chega a ferver, a temperatura vai subindo, a pressão também, e isto pode ir até temperaturas muito altas.

- Mas tem de haver um ponto onde isso se desequilibre... as nuvens vão fechando, fechando, mas e quando fecharem tudo?

Eeeexactissimamente... bem observado Tarzan. O problema não está em baixo, está em cima! Desde que exista água suficiente é claro. O que vai limitar o processo é a capacidade das nuvens em bloquear a entrada da radiação solar. Portanto, haverá um ponto em que isso se esgota e a partir do qual se aproximarmos mais a Terra do Sol mais energia solar vai penetrar na atmosfera enquanto a que sai não pode crescer. Nessa altura, outros fenómenos surgirão para escoar o excesso de energia que penetra, do tipo explosivo, ejecção de gás, olhem, podemos dizer que as nuvens irão ferver, e essas erupções irão libertar o excesso de calor interior, estabelecendo o balanço entre o que entra e o que sai.

Agora vejam o seguinte: se nós conhecêssemos as condições da Terra a duas distâncias diferentes do Sol, poderíamos facilmente estabelecer a relação entre temperatura e irradiação solar, não é verdade? Pois é. Ora, não sabemos isso, mas quase... nunca ouviram dizer que Vénus é o planeta irmão da Terra?

- Ahhh, estou a ver, Vénus é como se fosse uma Terra mais perto do Sol!

Eeeexactissimamente... quase certo! A diferença é que a atmosfera de Vénus é mais pequena do que seria a da Terra, a pressão à superfície de Vénus é só de 92 atmosferas, e as nuvens são de dióxido de carbono em vez de vapor de água. Há diferenças.

- E a as nuvens estão a ferver em Vénus?

Não!!! E isso é que é o ponto importante. Bem observado Laura. Vénus tem clima estável, a cobertura de nuvens é serena desse ponto de vista. A temperatura de corpo negro de Vénus, ou seja, a temperatura que corresponde à energia perdida por Vénus no lado “noite”, é de cerca de -45ºC, é inferior à da Terra.

Inferior à da Terra? Então Vénus está mais perto do Sol e perde menos energia do que a Terra?

Claro! Então repara, a camada de nuvens de Vénus está muito mais fechada do que a da Terra; tanto a energia que entra como a que sai são menores do que na Terra! E não havendo sinais de fenómenos eruptivos, teremos de concluir que o sistema de nuvens de Vénus está a controlar a energia solar que entra, mantendo esta tão baixa como a que sai.

- Então podemos usar Vénus para estimar relação entre a irradiação solar e a temperatura da Terra?

Eeeexactissimamente! Estava a dever-te um Laura eheheh.... Ou, seja, pelo menos não é um disparate grosseiro. O que é um disparate grosseiro é concluir precipitadamente que a alta temperatura superficial de Vénus é devida a um fenómeno de catástrofe térmica provocado pelo dióxido de Carbono. É devida ao Sol e a um engenhoso sistema de cobertura feito pelas nuvens. Vamos agora ver como isso nos permite compreender as variações climáticas da Terra e até saber como vai variar o clima nos próximos anos...

Trimmm Trimmm

19 comentários:

NC disse...

O aluno Tarzan levanta o braço e pergunta: A ver se percebi. Durante a noite, Vénus perde -45ºC? e isso é menos do que perde a Terra?!?? Acho que não apanhei.

Outro aspecto que acho relevante nesta exposição é o facto de a rotação de Vénus durar 243 dias (terrestres) enquanto que este demora apenas 224 dias a dar a volta ao Sol. Isto faz que de um nascer do Sol a outro se tenham de esperar 117 dias terestres. Não será outro factor a ter em conta na comparação Terra-Vénus?

Patrícia Grade disse...

Oh pá! Ó Alf,
Eu começo a sentir-me muito pequenina aqui nesta sala de aula. É que os teus alunos são todos entendidos na matéria e eu para além de leiga, ainda consigo ser burra!
Bolas, a isto se chama sentir-me sob a lente do microscópio. Reduzir-me à minha mais ínfima insignificância.
Ó professor, importa-se de explicar isso outra vez?
(eu nunca fui de ficar calada mesmo!)

alf disse...

Tarzan, a temperatura exterior das nuvens é -45ºC. Vista do espaço, Vénus surge como uma esfera à temperatura de -45ºC. Portanto, Vénus perde muito pouca energia para o espaço, porque a energia radiada é proporcional à quarta potência da temperatura absoluta. À superfície do solo a temperatura é de uns 470ºC, mas as nuvens isolam a superficie do exterior. Como o sistema está em equilíbrio, isso significa que a energia que entra é igual à que sai. Se sai pouca é porque entra pouca, as nuvens não deixam a energia solar entrar, reflectem-na. A energia acumulada no interior da atmosfera de Vénus é a necessária ao suporte do sistema de nuvens - se fosse menos, as nuvens diminuiriam, se fosse mais aumentariam.
A temperatura da Terra vista do espaço é mais alta porque tem menos nuvens e se "vê" o solo. Nos polos está mais frio do que na superfície das nuvens mas no resto planeta está mais quente. Parece paradoxal, não é? Quanto mais se aproximar a terra do Sol, mais fria fica vista do espaço (do lado "noite") porque mais luz do Sol vai reflectir e menos vai entrar. Mas a energia acumulada no interior vai aumentar, a temperatura à superfície vai subir.
A rotação de Vénus não é relevante porque a densidade da atmosfera é tal que assegura a difusão de calor por todo o planeta. À superfície de Vénus chega pouca luz mesmo de "dia"

alf disse...

Indomável, é mesmo para pessoas que não são da "arte" que eu quero chegar eheheh
Pensa nas nuvens como uma cobertura variável. O que é que comanda essa cobertura? A temperatura à superfície. Se a temperatura sobe, a cobertura fecha; se diminui, abre. É um sistema de estabilização térmica, mas não é bem como o do teu ar condicionado porque esse está ligado à electricidade, tem uma alimentação que não depende da temperatura da sala; as nuvens são alimentadas pela temperatura do planeta, pela energia acumulada. Assim, para "fecharem", precisam de mais energia. Se não fosse isso, o sistema de cobertura podia ser tão eficiente como o teu ar condicionado e manter uma temperatura constante; mas assim não pode, faz só "meia-regulação" de temperatura, precisa de uma temperatura mais alta para fechar.
Mas fecha e impede a entrada do Sol, por isso nunca há "catástrofe térmica", o que acontece é uma variação proporcional entre a temperatura superficial e a irradiação solar.
Põe as tuas dúvidas todas, se quiseres usa o email, eu agradeço-te.

Anónimo disse...

Brilhante, essa aula de Física. O pior é que depois da aula de Física esses alunos vão ter aulas de Inglês, Português, etc., onde lhes vai ser impingido (digo «impingido» e não «ensinado») que o aquecimento global, e mais isto, e mais aquilo, patati patatá, sem nunca se quantificar nada nem explicar nada.
A mim, como professor de Inglês, custa-me muito que o programa superiormente determinado para a minha disciplina contenha tão pouco Inglês e tanta propaganda.

alf disse...

Há um aspecto crucial que eu não esclareci bem: as nuvens são anti-efeito de estufa! O efeito de estufa é produzido por um sistema que deixa entrar a energia solar e impede a saída de calor. Ora as nuvens são como um vidro espelhado do lado de fora - aquilo que se usa para impedir que o calor entre em casa no verão.

alf disse...

Epicuro, é um prazer e uma honra merecer comentários seus.
Há razões para a imposição de certo tipo de ideias. Deve haver, não é?
Mas quais são?

antonio ganhão disse...

Somos todos discipulos de Al Gore, condenados a sermos esmagados pelas nuvens...

E a amplitude térmica no deserto (comparando o dia e a noite)?

NC disse...

Ó professor! Então o que causa alterações climáticas é algo que afecta o sistema "termostático" das nuvens não? Senão não poderia haver épocas mais quentes e mais frias. As eras glaciares terão sido devidas a períodos onde o sistema não funcionou.

alf disse...

António, o Al Gore bem tenta fazer de nós seus discípulos... mas não é de avião a jacto que isso se consegue... No deserto quase não há nuvens, não vapor de água, por isso as amplitudes térmicas são muito grandes: nada para impedir o sol de aquecer durante o dia, nada para impedir o calor de sair durante a noite.

alf disse...

Tarzan
Não, nada afecta o sistema termostático das nuvens; este simplesmente mantêm uma temperatura à superfície da Terra que varia proporcionalmente às variações de energia que recebemos do Sol. O que causa as variações climáticas são as variações da energia solar. A energia radiada pelo sol varia, em intervalos grandes, muito mais do que se assume pelo simples facto de que só desde que foram lançados satélites é que se podem fazer medidas directas da radiação solar. Mas há inúmeras evidências indirectas da variação da actividade solar.
As glaciações têm um outro par de factores: os gelos ao crescerem refletem o Sol, diminuindo a energia absorvida pelo planeta, por um lado, e isolam o calor produzido no interior da terra, por outro; os glaciares constituem um segundo sistema de cobertura variável que funciona entre o calor interior da Terra e o Sol e que se move por acção da gravidade, que os faz deslizar para os polos, onde a gravidade é máxima. Mas isso é assunto de menor importância para agora (a explicação acima é desconhecida da ciência)

Anónimo disse...

Olha,... só pego teu blog hoje, sexta feira... exames...!!!

Mas vou pelo segundo "Laura" e estou que nem sei se é a cerveja ou você que me pegou!

Estava a pensar nisso, exatamente... (Marido de virgem...!!!)

Mas vou continuar lendo (tudo vai na variedade brasileira...)
Cê é mesmo um danadinho!
Por que as mulheres pensamos de maneira tão diferente a ciência?
É mesmo tão assim?
Hoje a noite vou ler detidamente os novos textos...

Mas até o segundo "Laura"... você já me ganhou...
Mas o melhor,... ganhou vozes que vão se erguer para ter um interlocutor válido... só não sei como é que vão funcionar os microfones de ouvido...

alf disse...

Laura, me desculpa, estes últimos posts são muito científicos... mas serão mesmo? Estou a falar das nuvens, do Sol... não estão eles em todos os campos da nossa vida, até no brilho de um olhar?

antonio ganhão disse...

A Vénus sempre foi uma mulher quente e o entendimento das mulheres está para além da ciência, um pouco como os textos do Alf.

Mas gosto da imagem dos icebergs a deslizar para os polos pelo efeito da gravidade.

Volta e meia há um que se solta e desce por aí, rebelde que não se sujeita às leis da gravidade, afundando, à sua passagem, o grave orgulho dos homens.

alf disse...

Os glaciares deslizam para os polos sob o peso do destino, os icebergs são, como diz o António, rebeldes à procura de um paraíso... dissolvem-se nessa procura mas escapam ao seu polar destino.
Sabia que a altura do gelo nos polos está a aumentar?

Anónimo disse...

Caro Alfredo,
Tu és bruxo ou quê?

Como quis ler os artigos detidamente, apesar de ter muuuito para estudar, colei na tela do meu computador e -sem sucumbir à tentação de dar uma espiadinha lá embaixo- comecei a ler... devagarinho, aos risos, descobrindo que lá estavas tu a espiar dentro de mim. Di-me, como é que o fazes?

Enquanto escrevo isto, vou pelo terceiro “Laura”... vamos ver em que dá... Mas até agora... te adiantaste aos meus pensamentos em 100 %.

Também devo admitir, que sempre aceitei tudo o que me vinha à mente -em teoria, em hipótese- ... pois eu também não fico atada a meus próprios pensamentos que acho sempre provisórios.

Só espero retomar minhas obrigações, assim que acabar este teu mais “fervente” artigo postado -dos que já li-.

Eu estava a me perguntar... pergunta boba, ingênua... Assim como a Terra está sempre a procurar seu próprio equilíbrio... (que nós vemos como desequilíbrio e de facto estariamos a explicar um sofisma)... é que os corpos dos homens, as plantas... etc. não vão mudar, se adaptar...? O que nos impede de pensar numa selecção da qual falava teu jesuíta?

Claro que eu não tenho a coragem de imaginar como seria... mas a natureza, em conjunto, aliás o universo, por ser ele a soma de energia que existe, é mas sábio do que eu, disso eu tenho a certeza.

“Eeeexactissimamente! Estava a dever-te um Laura eheheh”
Vais me dizer algum dia como fazes para invadir e predecir este meu espaço mental? Achava que a práctica de convívio não alcanzaria...mas...

No que tem a ver com explicações científicas... bem... é claro que muitas vezes estarei a perder “energia -conhecimento” pelos lados e buracos, mais por exemplo, na pergunta do deserto, eu estava a insistir com as nuvens... pois tu já tinhas avisado que elas eram mais expertas em impedir a entrada de energia do que a saída... e lembrei-me disso.

Embora tenha de dar por certo muitas de tuas afirmações, para poder tirar conclusões provisórias, vou caminhando por aquele fio de biscoito que vais deixando (para sair, se for precisso e recuperar meus pensamentos),... mesmo assim... não deixo de desconfiar....nunca... mas para chegar aonde tu estás a apontar, preciso de ir junto, pelo mesmo corredor... acho que olhar o panorama todo também não vai fazer com que eu me perca...

Disse o Antônio:
“A Vénus sempre foi uma mulher quente e o entendimento das mulheres está para além da ciência, um pouco como os textos do Alf.”
Eu digo:_ ainda bem... não perdemos nada con isso...

Também não vou “gostar ou desgostar” de se os glaciares são ou não atraídos pela gravedade... é coisa que poderá ser medida... e isso não vou discutir... deixo para os cientistas observarem...
Beijão e até...
Laura

alf disse...

Amiga Laura obrigado pelas amáveis palavras.
Este post vai ter continuação, o assunto não está terminado.

Como disse num post atrasado (O Alfabeto)são várias as "letras" necessárias a podermos atingir uma melhor compreensão do Universo. Há que ter alguma paciência e ir usufruindo o caminho...

Dizes coisas muito acertadas, nomeadamente que o universo é muito inteligente. Mostrarei como isso é verdade, e não há nada de esotérico ou anti-científico nessa conclusão... basta perceber o que é Inteligência.

E fazes muito bem em "olhar para o panorama todo". Não deves "acreditar" em nada, nem mesmo que seja dito por mim eheheh. Deves viver em harmonia com o teu pensamento e não com o que os outros dizem.

Quanto às mulheres... o Universo é muito mais simples que o ser humano... por isso é que os homens gostam da ciência, geri-lo está dentro das suas capacidades, ao contrário das mulheres, demasiado complexas para o entendimento masculino...

Por último, estás certa no que dizes em relação aos glaciares, o movimento dos gelos em direcção aos polos está medido, creio que é de alguns metros por ano, não sei de memória, a explicação disso é que é da minha autoria, não o fenómeno.
Beijos.. e até...

Rui leprechaun disse...

Ó professor, importa-se de explicar isso outra vez?


LOL !!! Eu também não percebi muito bem esta lição, mas como estou a folhear o livro ao contrário, já percebi a intenção.

Bem, vamos lá ver se o mestre nos elucida mais nos comentários... cultos e vários! :)

Rui leprechaun disse...

Ah! Mas isto da segunda vez já começa a fazer mais sentido... entusiasma-se o bandido! :)

Claro que esse mecanismo regulador das nuvens e seu efeito anti-estufa é reconhecido pela ciência, certo?! Ou será que só o é parcialmente e daí a maior ênfase no efeito dos gases estufa ao nível da superfície terrestre?

Bem, já vou começando a juntar umas letrinhas e as peças simples do quebra-cabeças... sou como o bebé que ri e bate as palmas... hihihi! :)

Ora vamos lá ver se aprendo tudo prò exame...

Rui leprechaun

(...mas prefiro que a indómita sotôra me chame! :))