quarta-feira, outubro 31, 2012

A saída da crise (2)

"muitos governos ainda não perceberam que perderam a sua soberania nacional há muito tempo"; ele está convencido de que já ganhou a guerra contra os povos, um sonho dos plutocratas com mais de um século. 


O primeiro problema que temos para resolver é o da falta de dinheiro.

Compreendamos primeiro a trama perversa em que estamos enredados.

O dinheiro foi inventado para mediar as trocas de bens e serviços. O dinheiro foi inventado para ser o sangue da sociedade. O dinheiro é propriedade da sociedade, não é um bem privatizável, evidentemente! Privatizar o dinheiro seria criar o monopólio dos monopólios. O dinheiro é como o sangue, e o sangue não se compra nem se vende.

Isto é bem sabido e foi afirmado inúmeras vezes pelos mais ilustres estadistas, no tempo em que os políticos eram pessoas que sabiam de política. É por isso que a gestão do dinheiro sempre foi feita pelo Estado, dependente de governantes eleitos.

Uma sociedade é como um corpo: cresce. E, ao crescer, e para crescer, precisa de mais sangue, ou seja mais dinheiro. Essa produção de dinheiro era feita pelo banco central sob a supervisão do Estado, dos governantes eleitos.

O Dinheiro é uma das duas coisas que são essenciais a uma sociedade humana. A outra é a garantia de que todas as pessoas têm direito a uma vida minimamente digna. A sociedade pretende substituir a selva, a natureza; e a natureza garante a subsistência aos seus habitantes. A sociedade tira as pessoas da natureza mas tem de lhe garantir o mesmo que a natureza garante ou não interessa. Isto foi sempre uma preocupação fundamental das sociedades humanas estruturadas.

A isto se chama agora “o Estado Social”. É uma redundância, porque o Estado ou é social ou não é Estado; a única coisa que varia é o conceito de “vida minimamente digna.”

O testa de ferro da oligarquia plutocrata que tenta dominar a Europa desde o princípio do século passado, o sr. Draghi, está já tão seguro do seu sucesso no derrube dos dois pilares do Estado que se permite declará-lo; assim, há tempos declarou que “o Estado social já tinha acabado” e muito recentemente declarou que “muitos governos ainda não perceberam que perderam a sua soberania nacional há muito tempo” (eu andava à espera de uma coisa deste género para publicar este texto, doutra forma os meus leitores pensariam que eu estou a delirar). Um profeta, este Draghi.

Porém, de profeta não tem nada porque ele sabe bem do que fala. A grande golpada consistiu nos estatutos do BCE, que lhe deu a propriedade do sangue da sociedade, o dinheiro. Ele é o novo Hitler.

O esquema montado é tão absurdo que as pessoas nem percebem, não acreditam que assim seja, acham que não é possível; mas é.

O BCE ficou com o nosso sangue, pois o seu capital foi-lhe dado pelos Estados; depois empresta à Banca a juro tendencialmente nulo; e a Banca devolve-nos o nosso sangue cobrando juros usuários. O Sangue da sociedade foi assim privatizado e de borla, sendo agora gerido, pelo BCE e pela Banca, quase da mesma forma que as petrolíferas gerem o petróleo. Digo quase porque, na verdade, é muito pior.

Por exemplo, o BCE obriga-nos a aceitar um empréstimo de 12 mil milhões de euros, do qual estamos a pagar juros elevados, para garantir que os bancos, em caso de necessidade, têm os rácios que o BCE acha adequados – note-se, a banca portuguesa já declarou que não precisa de 7 mil milhões desse dinheiro, mas o BCE obriga-nos na mesma a pagar juros dele, juros de coisa nenhuma porque é como se esse dinheiro não existisse, não pode ser usado. São 300 milhões de euros por ano a troco de coisa nenhuma...

Por outro lado, se o BCE é independente dos Estados e o dono do dinheiro, cabe-lhe a ele assumir as responsabilidades sobre os bancos; mas não, nós é que estamos a pagar para isso; e pior ainda, nos bancos que precisaram de dinheiro, o Estado foi obrigado a entrar no capital do banco; para quê? Para, se o banco não conseguir resolver os seus problemas, ficar automaticamente nacionalizado, ou seja, o toooodo o seu prejuízo fica para nós, como o BPN.

Isto nunca se fez nem aos países conquistados após dura guerra. Isto é terrorismo económico, exploração infame, roubo descarado.

Por outro lado, a destruição do direito à vida condigna, em curso, visa a destruição da sociedade e a criação em seu lugar de um sistema de senhores e escravos; porque numa sociedade organizada só os escravos não têm esse direito.

Em cúmulo de todo este horror, note-se que vivemos na era da abundância, somos capazes de produzir tudo o que necessitamos, tudo o que somos capazes de consumir, e muito mais, dez vezes mais, a única coisa que limita a produção é a capacidade de consumir; e o que limita o consumo é a redistribuição de riqueza.

Portanto, compreendamos, fomos assaltados, roubados, conquistados. Roubaram-nos o sangue e estão a deixar-nos anémicos, indefesos, a asfixiar-nos! Claro que também temos culpas, mas elas estão a ser usadas como argumento para nos roubarem, não nos deixemos enganar com a conversa culpabilizadora.

Por último, esta destruição dos Estados não visa criar espaço para a criação de uma verdadeira união europeia, uma sociedade democrática europeia, visa apenas, ao que entendo, estabelecer um poder oligárquico plutocrata sobre uma sociedade escravizada, um sonho que vem a ser perseguido desde o princípio do século passado.

E agora vem o mais absurdo de tudo: é que nós estamos a deixar!!!

Porque, entendamo-nos, o dinheiro não é uma criação da natureza, é uma criação nossa!! Está na nossa mão criar o dinheiro de que precisamos. Não temos de ir neste engano. Além de roubados, estamos ainda a ser vigarizados, ludibriados, com a ideia de que o sangue que existe é só o Euro e não há mais nenhum, ou usamos o Euro ou morremos de anemia. É MENTIRA!!!

Uma vez compreendido isto, só temos de ser espertos e encontrar uma solução. E, na verdade, nem temos de ser muito espertos, pois os alemães já passaram por algo semelhante a seguir à primeira grande guerra e desenvolveram uma solução, que já expus aqui: as MEFO  bills. Notas de crédito que substituíram o dinheiro controlado pelos vencedores da guerra.

Agora é preciso alguma imaginação para implementar o sistema. Uma forma de começar é a seguinte: em vez de cortar ordenados e pensões, o Estado passa a pagar parte deles em vales, notas de crédito, certificados. Que o Estado aceita para o pagamento parcial de impostos e contribuições.

(e aqui até poderão ser tomadas medidas de correção de outros gritantes roubos; por exemplo, as pensões vitalícias dos ex-governantes do BP podiam ser integralmente pagas em vales, uma vez que essas pessoas não descontaram para essas pensões e não é legítimo estar a exigir aos portugueses que lhes paguem pensões milionárias que eles se autoatribuiram fazendo uso de poderes que se autoconferiram.)

Poderão dizer: mas se o Estado aceita parte dos impostos em créditos, as receitas em euros do Estado vão diminuir e depois fica sem dinheiro para pagar a dívida. Não é verdade. A redução dos salários e pensões reflecte-se ampliadamente nas receitas do Estado por causa do seu efeito recessivo, que até o FMI já diz ter um factor multiplicativo maior que 1 (1,3 +- 0,4 dizem eles; o que só nos pode levar a pensar que é ainda superior). A substituição dessa redução por notas de crédito vai evitar o efeito recessivo e por isso conduzirá a uma cobrança de impostos maior.

Isto é um começo apenas; podemos fazer também como fazem há muito certas regiões da Alemanha e suponho que em Inglaterra também: dinheiro de circulação regional, válido numa cadeia de produtores e comerciantes locais ou regionais; ou nacionais. Creio que os gregos já começaram a fazer isto.

Não interessa de que cor é o sangue, não interessa se é vermelho ou azul, ou mesmo amarelo, o que interessa é que cumpra a função de mediar bens e serviços. Temos de criar o nosso próprio sangue e, a pouco e pouco, ir despejando as veias do sangue envenenado do Euro. Porque, não haja ilusões, os euros vão desaparecer dos nossos bolsos de qualquer maneira; e ou pomos lá outra coisa ou ficamos miseráveis. E quem duvida só tem de por os olhos na Grécia.

Claro que o Estado vai ter de fazer mais do que substituir parte dos encargos com pessoal por créditos pois, contrariamente ao que constantemente afirmam os indivíduos que nos andam a enganar, o Estado apenas gasta 70% das suas despesas em custos de pessoal; ora o Estado não é uma fábrica, não consome matérias primas, os seus custos são necessariamente quase todos com pessoal; se ainda há 30% de despesas para além do pessoal, é porque há muito onde cortar. Por exemplo, trocar Microsoft por Linux que é gratuito e mais seguro, acabar com as calculadoras científicas nas escolas porque não servem para nada desde que se inventaram os PC, fazer um acordo com a Fiat, ou a Dacia, para fornecer as viaturas do Estado e empresas públicas, cortar nas despesas luxuosas da AR e do PR; estamos em guerra, não há lugar para pieguices, não se ganham guerras com políticos piegas que cortam a sopa aos pobres mas não prescindem das suas ostras. Este é o tipo de medidas que mostra aos mercados – e aos portugueses - que temos um governo empenhado em resolver o problema, que granjeia respeito e confiança.

quarta-feira, outubro 24, 2012

A saída da crise (1)

No banho solucionou o Arquimedes o seu problema "impossível". A lição: todos os problemas têm solução (imagem da Wikipedia)


Embora a conversa com o Hans seja importante para se compreender a crise (como eu a entendo), parece-me conveniente apresentar já a solução que resulta desse entendimento; para que se não comece a defender soluções erradas que depois podem agravar o problema e torná-lo impossível. Depois continuarei com o Hans.

Então lá vai

Na última conversa com o Hans já mostrei que crescimento económico e dinheiro disponível estão associados; como estamos presos ao euro, isso não pode ser conseguido por valorização da moeda, portanto só pode ser conseguido por aumento da massa monetária. Esse aumento tem sido conseguido recorrendo a empréstimos ao exterior, que deveriam ser pagos pelo saldo da balança externa; mas esta tem sido deficitária por causa da enorme incompetência de toda a gente neste país com responsabilidades no assunto e ainda pela fuga de capitais para o estrangeiro. Agora, temos de arranjar dinheiro mas não podemos pedir emprestado e não podemos depender do saldo da balança que mesmo que se torne positivo será sempre demasiado pequeno para essa função.

Portanto, notemos o primeiro problema: arranjar dinheiro sem pedir emprestado.

Agora, notemos outra coisa: não podemos deixar de pagar a dívida; se os mercados tiverem qualquer suspeita de que a nossa dívida pode não ser paga, não emprestam mais um tostão.

A capacidade de pagar a dívida é o nosso grande trunfo nesta altura. Admiram-se? Então reparem:

Contrariamente ao que pensam, a Alemanha deve estar com graves problemas. O enorme saldo da balança externa alemã não fica na Alemanha, vai logo para offshores; e paga impostos na Holanda. Enquanto a generalidade dos empresários portugueses apostam em Portugal, querem viver cá – exceptuam-se é claro as multinacionais e o Pingo Doce – o empresários alemães não querem saber disso, querem é ganhar o máximo, por isso a fuga de capitais deve ser imensa. O resultado disso é que o nível de vida dos alemães é muito inferior ao que se esperaria de um país supostamente tão rico. Como é que a Merkel explica isto aos alemães? Arranjando um culpado. Não é novo, no passado culparam os judeus de ficarem com o dinheiro, hoje culpam os países do Sul, esses preguiçosos, inúteis, que vivem à custa deles e os condenam a uma vida remediada. Para os alemães, nós estamos hoje no lugar dos judeus do século passado.

Mas há mais: a crise dos bancos é tanto maior quanto maior o banco; porque quanto maior, mais se envolveu em processos especulativos. Ou seja, o Deutsch Bank deve ter um buraco imenso e o mercado já percebeu isso.

Contrariamente à ideia propalada, os juros não são proporcionais ao risco de incumprimento; os juros são função da capacidade negocial. É isso que as agências de rating medem. Se os mercados suspeitam que há o mais pequeno risco de incumprimento, não emprestam. Pura e simplesmente. Ou então aplicam juros para cima de 30%. Os nossos juros dispararam porque ficámos sem qualquer capacidade negocial. Com a corda na garganta. Os alemães conseguem empréstimos com juros até negativos, porque têm alta capacidade negocial (ou porque a Merkel manda os bancos alemães procederem assim) mas, por outro lado, não há quase ninguém a querer emprestar à Alemanha, ao contrário do que acontece com Portugal.

Portanto, obtermos empréstimos com juros baixos depende unicamente de duas coisas: de os mercados saberem que pagamos e de termos capacidade negocial (claro, há também procedimentos “por debaixo do pano”, como persuadir os bancos nacionais a acorrer aos leilões de dívida...).

Aqui está o segundo problema: adquirir capacidade negocial. Parafraseando o Salazar (citado pelo vbm num comentário ao post anterior):

"Haveremos de pedir emprestado, não como quem pede uma esmola, mas como quem propõe um negocio."

Isto não significa que tenhamos de ficar agarrados à troika; a solução não passa por aí; a troika foi um erro (que o Sócrates bem quis evitar…) e dela temos de nos livrar; mas livrarmo-nos da troika é uma coisa, não pagar a dívida é outra. Nós pagamos, não somos caloteiros, não ficamos a dever nada a ninguém.

(embora haja aí umas dívidas que precisam de ser escalpelizadas, mas isso é outro assunto, importantíssimo mas diferente; nomeadamente, porque haveremos de pagar um balúrdio à troika pela seu trabalho de “assistência” se ela falhou todas as suas previsões e nos deixou pior? Não só não devemos pagar essa fatia dos encargos com a troika como deveriamos pedir uma indemnização pelos prejuízos causados; e porque haveremos de pagar os biliões do BPN e do BPP? Esse problema é da banca, ela que o resolva, que se solidarize, não é nosso!) A propósito, ver este texto importante

São estes os dois problemas que temos de solucionar para resolver o problema financeiro; mas depois temos o problema económico e social para resolver

Quanto ao problema económico, notemos o seguinte; hoje em dia basta ter uma pequena percentagem da população envolvida na produção de bens transacionáveis; foi para isso que se fez o progresso, para que nos pudéssemos dedicar a outras coisas, como arte, ciência, saúde, educação, lazer, etc, etc; mas da maneira como as coisas estão organizadas, a produção de riqueza não especulativa está concentrada nos bens transacionáveis; esta riqueza é depois redistribuída através das outras actividades.

Ou seja, a cada emprego na produção de bens correspondem uns 5 noutras actividades; cada empresa de 100 trabalhadores que fecha vai implicar o desemprego de 500 pessoas nas outras actividades; e o desemprego faz baixar o consumo  e isto leva a fechar mais empresas com o correspondente coeficiente multiplicativo de desemprego.

É por isso que na economia de hoje a recessão se torna rapidamente de crescimento explosivo; a austeridade determina fatalmente uma implosão da economia. Mas nem todos perdem: as empresas estrangeiras não são afectadas porque não produzem para cá e passam a beneficiar de mão-de-obra muito mais barata. Como não há emprego, as pessoas aceitam ordenados mais baixos; o Estado, por outro lado, cai na asneira de subsidiar os postos de trabalho.

É sabido que as empresas estrangeiras manobram no sentido de causar recessão económica onde se situam; é por isso que todos os países, menos os do Sul da Europa, não autorizam empresas em que o capital nacional não seja maioritário ou de alguma forma o capacidade do país em intervir na empresa esteja assegurada. Em parte nenhuma do mundo, nem sequer em África, só mesmo aqui. Por cada posto de trabalho que criam destroem uma data deles para lhes garantir o fornecimento de mão de obra barata. 

Estas empresas beneficiam duplamente da baixa de ordenados porque depois fazem como a Autoeuropa, que leva os trabalhadores daqui para a Alemanha com os ordenados daqui, torneando os sindicatos alemães. Não se trata de uma “circulação de trabalhadores”, como dizem: não vêm trabalhadores da Alemanha para cá, só vão daqui para lá.

Portanto, o terceiro problema é aumentar a produção de bens para o mercado interno; é isso que vai gerar postos de trabalho em cadeia e porque gera redistribuição de riqueza através do consumo – os lucros das que exportam vão para o estrangeiro e para elas quanto pior for a situação, melhor.

Temos pois 3 problemas a que responder. No próximo post apresento a minha proposta de solução, mas podem ir desde já pensando nisto e dando sugestões.

quarta-feira, outubro 17, 2012

A Força do FMI


Acabei de saber que, mais uma vez, coisa que começou a seguir ao 15 de Setembro se a memória não me falha, Portugal se financiou nos mercados a juros muito baixos, menos de metade do que paga à troika. Juros inexplicavelmente baixos, muito inferiores ao que paga qualquer depósito a prazo.

Como entender isto?

Os nossos prolixos e esclarecidos comentadores económicos nem referem o assunto.

Uma hipótese é que estão com medo que Portugal mande a Europa às urtigas e apressam-se a "amaciar-nos" para que não entornemos o caldo que lhes tem sido tão proveitoso.

Outra é a de que estão a tentar convencer-nos a regressar rapidamente aos mercados, que estão tão apetitosos, para depois voltarem a subir os juros, porque isto da troika está a estragar-lhes as perspectivas de juros usuários

Mas há ainda uma terceira hipótese, para a qual me inclino: é a mão do FMI

Quem vir aqui o que diz a Lagarde, encontra um discurso completamente diferente. Afinal o problema são os bancos, o sector financeiro, as suas más práticas, que têm de ser corrigidas; é preciso cair em cima deles.

Quanto aos países, têm é de crescer, qual austeridade qual carapuça.

Os planos da Merkel vão por água abaixo. Afinal, quem manda é a Lagarde.

Mais uma sugestão para a recepção à Merkel: cartazes com a foto da Lagarde e do Hollande.

segunda-feira, outubro 15, 2012

Proibido crescer!

(continuado - aqui o Hans mostra que a crise é propositada)


Há sempre uma razão por detrás de tudo; mas, antes de te mostrar a razão profunda dos problemas que todos os países europeus menos a Alemanha enfrentam, vou-te mostrar os factos que determinaram esses problemas.
A força de uma economia está ligada ao valor do dinheiro total dessa economia. É por isso que se um banco central imprimir dinheiro em excesso, este desvaloriza.

Sim, certo.

Ora bem; este facto óbvio e indiscutível tem outro lado: uma economia para crescer precisa de mais dinheiro. Ou seja, se tiveres um país isolado, o crescimento do seu PIB vai estar associado ao crescimento da sua massa monetária – ou pelo aumento do dinheiro em circulação ou pelo aumento do valor do dinheiro.

Sim, é óbvio; e então?

Repara agora como foi definido o Euro. Um país como Portugal tem de crescer muito para poder aproximar-se dos países mais avançados da Europa, não é?

Claro.

Ora esse crescimento tem de estar associado à massa monetária do país; portanto, esta tem de poder crescer para que o PIB do país possa crescer.

Certo...

Porém, o BCE apenas imprime dinheiro de acordo com uma fórmula associada ao crescimento médio do PIB europeu, nem isso, pois era imprescindível conseguir que o euro não se desvalorizasse face ao dólar, e redistribui esse dinheiro de acordo com a força das economias de cada país. Ou seja, o crescimento da massa monetária em Portugal está limitado ao crescimento médio da economia europeia. Isto implica que Portugal não pode crescer mais do que a média europeia, a não ser que arranje outra forma de aumentar a sua massa monetária.

Sim... estou a perceber, as regras monetárias do euro impedem os países mais atrasados de crescerem mais do que os mais avançados.

Exacto; mas ainda é pior do que isso. Onde é que Portugal pode ir buscar dinheiro? Ou à balança externa ou pedindo emprestado. Mas os países do Euro não se podem proteger das importações. Num mercado aberto, uma economia mais fraca em concorrência com uma mais forte não pode ter uma balança externa equilibrada; logo, a balança externa será deficitária. Logo, o que as regras do Euro determinam é que a massa monetária dos países mais atrasados diminua e, em consequência, o seu PIB.

Mas o PIB não tem diminuído... pelo menos até à crise...

Pois não; e porquê? Porque estes países foram buscar dinheiro para aumentar a massa monetária; onde? Endividando-se! Tiveram de se endividar para compensar o deficit da balança externa e ainda conseguir dinheiro para obter algum crescimento.

Ou seja, no quadro definido, os países mais atrasados estão condenados a endividar-se e estrangulados no seu crescimento.

Fatalmente.

E os quadros de apoio e essas coisas?

Os apoios são estabelecidos visando muito mais o interesse da Europa do que do país; a PAC é um exemplo claro disso, por isso é que os vossos agricultores recebem subsídios para não produzirem. A Europa não precisa que vocês produzam, mas vocês precisam. Ou seja, esse tipo de planos ainda impossibilita mais o vosso desenvolvimento. Agora vão cortar os apoios aos regadios porque a Europa não precisa mas vocês precisam.

E os apoios à indústria?

Foram quase todos absorvidos pelas empresas estrangeiras instaladas no vosso país; ou seja, basicamente, são uma forma habilidosa de os países mais desenvolvidos, especialmente a Alemanha, subsidiar as suas indústrias, violando as regras da concorrência.

Pois, isso eu sei... embora também tenha havido imensa corrupção por cá, grande parte das ajudas foi para aos bolsos de uns quantos...

Bem, quando se aumenta o dinheiro sem correspondentes medidas anticorrupção, esta dispara; esse foi um erro crasso do processo; de qualquer maneira, essas ajudas sempre foram uma maneira de aumentar a vossa massa monetária mas, infelizmente, no vosso caso, logo desperdiçada em importações de tudo e mais alguma coisa, acabando por ter o efeito contrário ao pretendido: afogar a produção nacional em vez de a desenvolver. Mas nisso a culpa é toda vossa, mais ninguém fez tamanho disparate, acho mesmo que vocês devem ter uma anomalia psicológica qualquer, pois ninguém pode ser tão inconsciente assim...

Novo riquismo – procurei minimizar, embora sabendo que ele tem razão; e contra-ataquei:  A Europa protege-se das importações que fazem concorrência aos produtos dos países ricos, mas não aos dos países mais atrasados. Por exemplo, a nossa indústria têxtil enfrenta altas protecções alfandegárias em todos os países do mundo, porque todos se protegem, mas a Europa não estabelece protecção alfandegária à importação de têxteis. Ou seja, a nossa indústria sofre uma concorrência desleal porque é isso que interessa a países como o teu, que não têm indústria têxtil.

O Hans assentiu. Já te disse, as regras europeias visam o interesse da Europa, dominada pela Alemanha e França, e são uma armadilha para os países menos desenvolvidos. Claro que os governantes não têm de ser parvos, e não foram em nenhum país à excepção do teu; todos trataram de proteger a sua balança externa e fizeram-no sem pejo nenhum e sem segredo nenhum. Já te contei que os emissores que vendemos para a Grécia foram pagos em fardos de feno.

Sim, lembro-me disso.

Os gregos são um exemplo de excelente gestão no quadro armadilhado do Euro; conseguiram manter sempre a sua balança externa equilibrada e conseguiram crescer. Cresceram muito, o seu PIB per capita quando a crise começou era 1,7 vezes o português quando não há muitos anos era inferior ao vosso. Os gregos sabem muito bem o mundo em que vivem.

Sim, é um resultado extraordinário

Claro que um tal crescimento do PIB implica endividamento porque não há mecanismos no euro para permitir o correspondente crescimento da massa monetária. Mas mesmo assim o endividamento grego não era nada de muito diferente do dos outros países. Os gregos foram atacados por causa do seu sucesso, por estarem a conseguir crescer demais. Era preciso fazer cair o seu PIB, e é isso que está a ser feito, é por isso que vão para o sexto ano de recessão com o PIB a descer vertiginosamente. O PIB grego tem de cair para metade para ficar de acordo com a massa monetária que a Alemanha quer que a Grécia tenha.

É preciso fazer cair o PIB? Então achas que não é consequência da crise financeira, é propositado?

Claro que é propositado; o ataque às dívidas soberanas acaba no dia em que a Alemanha quiser; este ataque da “praga de gafanhotos” é apenas o instrumento que permite à Alemanha fazer cair o PIB dos países do Sul. A Alemanha não só não o trava como o alimenta e de tal forma que até o FMI já está a ficar em pânico porque o empobrecimento excessivo não lhe interessa.

E porque é que a Alemanha haveria de querer isso?

És cá um ingénuo... mas só tens de te pôr no lugar da Alemanha para perceberes.

Achas?

Bem, vou ajudar-te.

(continua)

quarta-feira, outubro 10, 2012

A praga oportunista

 (continuado)
retirado de aqui


O Hans bebeu um longo golo de cerveja; o calor apertava e a cerveja dourada e efervescente criava securas de desejo na garganta. Resisti à tentação de beber mais uma e pedi outra garrafa de água, tinha de ir alternando a cerveja com água para manter o raciocínio alerta. Sossegada a sede, o Hans continuou:

Já te volto a falar desses economistas financeiros, especialistas na predação, mas primeiro vou falar-te dos economistas empresariais – nota que estas designações são minhas e são uma certa simplificação do assunto, mas que me parece adequada a apresentar o problema. Bebeu mais um golo da borbulhante cerveja, a tornar a minha água mais insípida. Os economistas empresariais também visam o lucro do patrão, é claro, mas há um aspecto que os distingue dos financeiros: o lucro do patrão depende do poder de compra dos consumidores. Para eles, qualquer teoria do empobrecimento, tão do agrado dos financeiros, deixa-os com os cabelos em pé.

Olha que tens toda a razão; aqui em Portugal sente-se claramente duas correntes de economistas, os que estão ligados a empresas que produzem para o mercado interno e os da área da banca e das grandes empresas cuja actividade é independente do poder de compra dos portugueses. Os primeiros estão fartos de reclamar contra o empobrecimento em curso e os segundos acham muito bem.

Claro, os seus interesses são afectados de maneiras opostas.

Nesse caso... os governos deveriam ser entregues aos economistas empresariais, pois esses querem o enriquecimento dos povos?

Não, nada disso; eles querem o enriquecimento dos povos, mas não fazem ideia de como isso se consegue. Eles querem que alguém assegure esse enriquecimento, mas eles não sabem como fazê-lo, eles só sabem como enriquecer o seu patrão.

Agora é que me deixaste baralhado; então são os financeiros que devem ir para o Governo?

Credo! O Hans até deu um salto na cadeira! Esses nunca, são especialistas do empobrecimento.

Então...

Repara, todos esses economistas que falam nos media são tipos bem sucedidos em enriquecer o patrão, por isso são bem pagos, essa é a sua especialidade, uma transferência de dinheiro da sociedade para os patrões; como é que se enriquece a sociedade, eles não fazem ideia, isso pertence a outro pelouro que não é o deles; de macroeconomia não têm mais do que vagas ideias, conceitos simplórios e ultrapassados.

Estou a perceber. Todos dizem que é preciso medidas para relançar a economia, para evitar que os bolsos das pessoas fiquem vazios. Só que não fazem ideia nenhuma de como isso se faz. Até as troikas dizem isso mas, ao contrário das medidas de empobrecimento, não têm nenhuma ideia a apresentar para enriquecer os povos.

Na verdade, nem tentam, a sua estratégia é outra.

Outra? Qual?

A da praga dos gafanhotos: eles ocupam um país, devoram tudo o que há a devorar enquanto conseguirem, e depois mudam-se para outro país – para isso criaram um sistema onde o capital se pode mover livremente.

Então estamos a ser vítimas de uma praga de gafanhotos?

Estão a ser vítimas de várias coisas, uma delas é uma praga de gafanhotos. Mas nota que estas pragas são pragas oportunistas,  elas surgem porque foram criadas condições para que se pudessem instalar e vão-se embora na altura em que essas condições acabam.

As condições para elas surgirem... penso que te referes a uma política de gastos excessivos, isso percebo eu; agora, como é que se consegue que a praga se vá embora é que não vislumbro... pois se ela só faz aumentar a dívida... vai-se embora quando já sacou tudo o que havia a sacar?

Percebes mal, muito mal, isso são ideias simplórias. Há duas grandes razões para esta praga ter surgido e continuar estabelecida e não são nada do que pensas. 

(continua)