quarta-feira, outubro 29, 2008

Carbono, Nuclear ou Solar


O potencial do pais em energia solar, considerando um rendimento de 5%, ao pé do nosso consumo de energia obtida das outras fontes de energia

Vamos agora, na continuação da análise do balanço energético, espreitar rapidamente a nossa situação.

Energia Solar disponível:

Área do território continental: 92 000 km^2
Radiação solar média: 1500 kWh/m^2/ano

Donde:

Energia Solar bruta em Portugal: 1,4*10^17 Wh/ano=1.4*10^5 TWh/ano= 140 000 TWh/ano

(TWh = Tera Watt hora; Tera =10^12 ou seja, um milhão de milhão – um bilião em diversos países)

Consumo Energético:

Estimámos já que o consumo individual médio português anual é 100 MWh de energias manufacturadas (quer na forma de combustível, quer na de energia eléctrica, quer de produtos e serviços) e de 100 MWh de energia solar bruta necessária à fotossíntese do nossos alimentos. A igualdade destes dois valores é mera coincidência, sendo o primeiro válido apenas na sociedade ocidental actual. Como somos 10 milhões:

Consumo de energia manufacturada: 10^15 Wh/ano = 1000 TWh/ano
Consumo de energia solar bruta (fotossíntese): 10^15 Wh/ano = 1000 TWh/ano

Vejamos agora que área do território necessitaríamos de utilizar se quiséssemos obter uma quantidade de energia igual à que consumimos.

Percentagem do território necessário à fotossíntese.

Para a alimentação precisaríamos de 1000 TWh do total de 140 000 TWh de que dispomos; isso significa a necessidade de utilizarmos 1/140 ou 0,7% do território na agricultura de produtos destinados à alimentação humana.

Muito pouco, não é? Note-se que grande parte da área do pais está ocupada com floresta (1/3), vinha, olival, girassol, que não são produtos alimentares propriamente ditos.

O valor obtido acima é a área efectivamente utilizada; mas seria preciso mais área pois é necessário prever zonas de pousio e excesso de capacidade para compensar as perdas devidas a geadas, granizos, pragas, incêndios e outros; muitas culturas exigem acessos para tratamento e colheita; finalmente, uma exploração agrícola exige muito mais área do que a cultivada, para apoios, armazenagem, tratamentos, acessos, reservas de água, etc., o que me faz estimar ente 6% e 10% a área do território que é necessário destinar actividades de produção de alimentos.

Não estou a contabilizar áreas de pasto e estou a ignorar a importância da pesca na satisfação das necessidades alimentares.

No Eurostat podemos ler que a área irrigável máxima em 2005 em Portugal seria de 616 970 ha, o que representa 6,7 % da área do país; este valor, que já foi mais alto, parece de acordo com o calculado, pois parte desta área é utilizada para produções não alimentares, como o girassol, e parte não é sequer utilizada, o que significa que a área utilizada será consideravelmente inferior aos 6,7% da área que pode ser irrigada.

A conclusão importante é que, apesar do clima seco, temos condições para produzir a alimentação necessária à nossa alimentação – desde que disponhamos da energia necessária a fabricar os adubos, processar, transportar, etc.. E é isso que vamos ver agora:

Como obter os 1000 TWh/ano de energia manufacturada (equivalente do PIB em unidades de energia) que consumimos?

Vimos atrás que dispomos duma energia solar bruta de 140 000 TWh/ano; mesmo com um rendimento de 5%, a percentagem de território necessária para obter 1000 TWh/ano seria de 14%, sensivelmente metade da actual área de floresta; para substituir totalmente os chamados combustíveis fósseis, que não chegam a 250 TWh/ano, bastaria menos de 5% do território. (note-se que é apenas a área útil)

As outras formas de energia alternativa não têm o potencial da Solar nem de perto; o horizonte de potencial da Eólica em Portugal será de uns 15 TWh/ano, portanto uma insignificância em relação às nossas necessidades.

É, portanto, claríssimo que só há, para nós, três verdadeiras opções energéticas: Carbono, Solar e Nuclear.

O rendimento da opção Solar depende muito da insolação do local. Por isso, a energia Solar não é muito interessante para paises de latitudes elevadas, onde o rendimento pode ser baixíssimo (até negativo) e onde a Eólica pode ter mais importancia, sem nunca constituir uma verdadeira alternativa para o problema energético.

Para esses países, para terem uma alternativa ao Carbono (combustíveis fósseis) terão de recorrer ao Nuclear; solar ou eólica locais serão apenas paliativos para o problema energético.

Em paises tropicais, como o Brasil, a cana de açúcar é uma alternativa adicional, neste momento talvez a melhor.

Curiosamente, podemos verificar que, apesar disso, muitos desses paises têm feito um considerável investimento na Energia Solar. Contrariamente a Portugal, com um papel passivo, onde os esforços de desenvolvimento resultam de iniciativas autónomas.

A utilização da energia solar tem ainda grandes problemas para resolver, como o do armazenamento; em pequena escala, o problema não se põe, mas para uma produção maciça ele é incontornável. As opções são várias, como baterias, ar comprimido, elevação de água, gasolina sintética, hidrogénio, mas todas implicam uma importante perda de rendimento global do sistema.

O sistema de produção mais simples será o das células fotoeléctricas; mas o seu rendimento fraco leva à procura de outras soluções à base de fornos solares, quer para alimentar uma turbina, quer para a produção directa de hidrogénio (um pouco o inverso das células de combustível).

Os investimentos a fazer, mesmo num pais pequeno como Portugal, serão perto do bilião de euros (milhão de milhão); qualquer pequeno avanço tecnológico representa um imenso volume de dinheiro, um verdadeiro euromilhões. Por isso, investir no desenvolvimento da energia Solar, como muitos paises estão a fazer, é dos melhores investimentos que se pode fazer.

Vamos, à maneira Árabe, deixar esse negócio para os países mais desenvolvidos? Ou vamos fazer como, por exemplo, a Alemanha, e criar um Instituto para o sector, como a Alemanha fez para a Eólica? Um bom modelo poderia ser o do Instituto Fraunhofer, em parceria com Espanha, Grécia e Itália.

Vamos seguir o exemplo do Iraque ou da Alemanha?

Dependermos do «saber fazer» dos outros para a energia solar é o mesmo que depender dos combustíveis fósseis – o que teremos de pagar por eles será o valor da energia que fornecem, quem beneficiará do nosso Sol será quem fornecer os sistemas. Têm de rentabilizar o custo do desenvolvimento que fizeram, não é? Não é difícil perceber isso, pois não?

Três notas:

- Actualmente, a energia eólica sai mais barata que a fotoeléctrica; por isso, não é disparatado começar, por agora, por montar umas eólicas. Mas é preciso ter presente que esta não é uma solução de futuro para Portugal e que o investimento na solar não tem alternativa no campo das energias renováveis; o desenvolvimento de «saber fazer» e capacidade industrial na solar é vital e começar já poderá resultar em economias brutais no futuro.

- A produção de Biogás é a mais básica das actividades de reciclagem, pois consiste em retirar dos restos orgânicos, animais ou vegetais, a energia que foi usada na sua produção – é a reciclagem da Energia!

- A energia hídrica e eólica, somadas, que produzimos actualmente - uns 15 TWh/ano - é uma insignificância ao pé dos cerca de 250 TWh/ano de combustíveis fósseis que importamos.

segunda-feira, outubro 20, 2008

As Rainhas

Durante milénios, com interrupções muito pontuais, Dona Escassez foi Rainha dos preços dos produtos. Tudo era escasso, excepto as pessoas. Até muito recentemente. Grandes livros de Economia que mesmo hoje fazem escola são ainda desse tempo.

Mas a Humanidade, na sua luta estrénua e milenar contra a sinistra Dona Escassez, encontrou finalmente armas poderosas: a força dos Combustíveis fósseis e do Conhecimento rebentou os limites da capacidade de produção. Energia e Conhecimento, são estas as duas armas capazes de derrotar, destruir, aniquilar, a misantrópica, tristonha Dona Escassez.

A capacidade de produção de muitos bens (os mais importantes) cresceu imenso, tornou-se muito maior que a capacidade de absorção do mercado. Mas Dona Escassez viu aí o seu ponto de fuga, ágil como qualquer velhaco saltou dos Bens para o Mercado - a Escassez passou a ser de Mercado, não dos bens essenciais.

Desenvolveram-se então novas teorias económicas, assentes no marketing, ou seja, na geração de um mercado que já não resulta de reais necessidades das pessoas. Na invenção de novas necessidades para criar mais mercado. Produtos de sucesso são produtos de alguma forma «especiais», seja por serem «melhores», «diferentes», «novos», «únicos», «verdes», «empenhados numa sociedade melhor», etc.. Produtos que satisfazem em quem os compra uma necessidade que não é apenas aquela que directamente corresponde ao produto, mas uma necessidade de outro tipo – de estatuto, de diferenciação, de poder, de novidade, de mudança, de estética, de qualidade, de pertença a um grupo, ou o oposto, etc.

Paralelamente, desenvolveu-se também uma nova filosofia adequada à situação do excesso de oferta – cartelização, lobbying, destruição de produção em excesso, introdução de prazos de validade, definição de quotas de produção, incentivos à não-produção, etc. Isso permitiu evitar uma catástrofe da actividade de produção e adequar a oferta ao mercado. A esquálida, feia, assexuada Dona Escassez foi enquadrada, espartilhada, manietada, tornada quase inofensiva.

Quase, mas não totalmente: alguns bens continuaram genuinamente escassos – por exemplo, a Habitação nos novos locais de agregação social.

Os livros de gestão iam ensinando as novas técnicas para viver neste novo sistema de abundância: os sinais para combinar preços, a forma de fazer propostas ganhadoras que conduzissem a inevitáveis «trabalhos a mais», etc, etc..

Mas eis que uma personagem, até aí de fraca figura, porque só pode crescer na Abundância, faz a sua brusca aparição neste teatro humano: Dona Corrupção cresceu, engordou, os papudos dedos encheram-se de anéis, as mãos agarrando toda a riqueza que devora, devora, possuída de frenesim mórbido, Rainha cega, indiferente, à destruição que vai causando.

Entretanto a Humanidade globalizou a economia, numa tentativa de expansão de alguns mercados. A Dona Corrupção exultou, abocanhou, engordou.

As técnicas dos concursos já não são de como responder aos cadernos de encargos mas de como os fazer para que ganhe quem se quer que ganhe, com as margens para «trabalhos a mais» necessários à fome da Dona Corrupção; por todo o lado se multiplicam astronómicos «bónus», «prémios», «comparticipações», «pensões», «indemnizações», jogos de poder, atribuição de lugares sem mérito, favores, etc., porque Dona Corrupção é esperta, sabe gerir a infinita cupidez humana para fazer de todos os humanos seus cúmplices. Tudo a trabalhar para o lucro imediato. Todas as actividades tendem a ser actividades de especulação, como a Bolsa, ou de extorsão – os cartões de crédito, os esquemas de vendas, os leasings, as «fidelizações» obrigatórias a serviços, os empréstimos. No início da actividade bancária, dizia-se que os bancos só emprestavam a quem não precisava; agora o negócio consiste em emprestar a quem não pode pagar, para depois cobrar juros usuários e crescentes a quem não consegue ver-se livre da dívida. Os empréstimos vencem juros, a amortização é a mínima possível.

Dona Corrupção entra em paranóia mórbida. Por exemplo, os administradores dos bancos americanos falidos nem pensam em prescindir dos seus brutais bónus, cerca de 10% do dinheiro com que a Reserva Federal tem de entrar para salvar as empresas que administram. Mas isto é só um exemplo, porque a Dona Corrupção está em todo o lado, do ex-administrador do Banco de Portugal que abifa uma pensão milionária sem qualquer justificação moral, ao Juíz que não quer prescindir dos seus 2 meses de férias, ao médico que não quer picar o ponto, ao paizinho que inscreve o filho na escola particular para «comprar» a entrada na Universidade, ao trabalhador que consegue um atestado médico injustificado. Pessoas que surgem ricas a partir do nada, com fortunas colossais sem que se lhes conheça qualquer actividade produtiva, são incensadas, eleitas, comendadas. A Rainha Dona Corrupção é o exemplo a seguir. Pais educam os filhos no activo repúdio da Honestidade, esse estigma dos perdedores.

Tudo isto se tornou possível sob o beneplácito da bonacheirona Dona Abundância. Uma «não-te-rales». Convencida de que o «amanhã» só pode ser melhor do que o «hoje». Que o seu crescimento é garantido. Um dígito ou dois dígitos de crescimento, eis a única questão. A impensável situação de não crescer é batizada com nomes feios, como «Recessão».

Mas os benefícios da Globalização começam a esgotar-se – os mercados para onde se pretendia a expansão desataram a produzir e a Globalização, mais do que uma solução, ameaça tornar-se um problema económico.

Dona Corrupção é uma nova-rica, uma arrivista; ao invés, Dona Escassez tem milénios de sabedoria nos ossos velhos. Silenciosamente, pé ante pé, alheia ao corre-corre em redor da Dona Corrupção, cada um procurando servi-la quanto pode, Dona Escassez instala-se na Energia, com a estratégia milenar: primeiro o petróleo muito barato para eliminar as possíveis concorrências e estabelecer a dependência, depois o controlo da extracção para fazer subir o preço.

O preço dos produtos que são não-escassos - agora, quase todos os produtos essenciais são não-escassos, enquanto que os produtos não-essenciais são escassos - está sujeito à concorrência e tende para o preço da energia necessária à sua obtenção. A subida do preço da energia afecta sobretudo os mais pobres, que são os que consomem os produtos essenciais, os de «linha branca», aqueles cujo preço reflecte directamente o preço da energia. Os menos pobres compram produtos de marca ou, de alguma forma, «especiais», cujo preço é muitas vezes superior ao custo energético, portanto, muito menos sensível a este.

A subida do preço da energia implica assim um aumento de pobreza, não por as pessoas passarem a ganhar menos dinheiro mas por o preço dos bens essenciais ter de reflectir essa subida no orçamento daqueles que já estão no limiar da sobrevivência.

Instalada na Energia, Dona Escassez deixa-se expulsar da Habitação, «peanuts» ao pé do que ela tem agora na mão, enquanto um gargalhada sinistra lhe desce pela garganta.

Se o fim da escassez da Habitação é uma boa notícia a prazo, por agora traz uma grave consequência: o excesso de preço da habitação desaparece subitamente em mercados importantes e isso corresponde ao desaparecimento de uma imensa massa monetária virtual.

Todo o processo de extorsão que a Dona Corrupção tinha baseado no valor do imobiliário explode de repente – em vez de ficarem dependentes da dívida que não amortiza, as pessoas simplesmente entregam a casa ao banco e arranjam outra (ou a mesma) a um preço inferior ao da dívida que tinham. Poof, os grandes extorsionários entram em crise e, com eles os grandes especuladores, que são dependentes do crescimento da massa monetária virtual. De repente percebe-se que Dona Abundância não crescera, apenas estava inchada de riqueza virtual. Um fluxo monetário flui acelerado dos muitos consumidores de Energia para os poucos que controlam a produção e Dona Abundância corre atrás.

Há muitos anos que os Governos perceberam a jogada da Dona Escassez; tentaram contrariá-la com a técnica da «mentira conveniente», que é forma possível de gerir os humanos quando o conceito de «Inferno» já perdeu a força. Primeiro, foi o «arrefecimento global» produzido pelas partículas de carbono que os combustíveis fósseis introduziam na atmosfera, tal como o demonstram as explosões dos grandes vulcões, depois foi o «aquecimento global» pela libertação do CO2, tal como o mostra o passado quente da Terra. Mas foi um combate fraco porque Dona Abundância exigia sempre mais Energia e barata.

Os bancos centrais estão a injectar biliões de dólares, euros e libras; uma forma de temporariamente compensar a perda de riqueza resultante da subida do preço da energia e da perda de moeda virtual causada pelos mecanismos de extorsão e especulação que colapsaram.

Por agora, a redução no consumo de energia fez baixar o preço desta (não é coisa facilmente armazenável, tem uma resposta lenta às flutuações de consumo); mas os reajustes da OPEP e a retoma de «liquidez» do mercado vai fazer subir de novo o preço da energia. A única forma de realmente conter a presente crise é através de fontes alternativas de energia, estabelecer concorrência no sector, combater este novo reduto da Dona Escassez.

Os combustíveis fósseis não são nocivos ao planeta; como veremos, o seu consumo é mesmo essencial à saúde do planeta; o que é nocivo, para o nosso sistema económico, é a dependência deles. Como seria nociva uma dependência da energia nuclear, ou de um fabricante de paineis solares. Não é o tipo de energia que é bom ou mau, é a dependência do fornecedor.

... a guerra contra a Dona Escassez poderemos vir a ganhá-la... mas a guerra contra a Dona Corrupção que, ao contrário da Dona Escassez, vive dentro de nós, poderemos algum dia ganhá-la?
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sábado, outubro 11, 2008

A Energia Moeda-Forte

Como é que vamos saber quanta energia consumimos? Somando a energia importada com a produzida... com a energia dos alimentos que consumimos... mas não, não são as calorias dos alimentos que interessa, é a energia que foi necessária para os produzir, e isso engloba a energia necessária para produzir os adubos, os insecticidas, para tratar, conservar, transportar os alimentos... e não só, quando compramos um televisor, um carro, um telemóvel, seja o que for, estamos a consumir a energia que foi necessária para os fabricar... e não só, quando fazemos uma chamada telefónica, quando utilizamos um serviço, qualquer que ele seja, estamos a consumir a energia necessária a esse serviço... afinal, parece que sempre que gastamos dinheiro estamos a comprar energia... hummm, interessante... o que o dinheiro faz é comprar energia... Mas qual é o preço da energia afinal???

Vejamos a gasolina:1 litro de gasolina produz uma energia de cerca de 10 kWh; ora um litro custa cerca de 1,5 euros, logo o preço do kWh da gasolina é de cerca de 15 cêntimos.

Vejamos a electricidade: vejam o total da vossa factura de electricidade e dividam pelo total de kWh consumidos. No meu caso dá.... 15 cêntimos por kWh!

Boa! Então o preço do kWh da electricidade e da gasolina é o mesmo, apesar de se tratarem de dois sistemas de energia tão distintos! Como é possível?? Que significará isto?



Em minha opinião significa que, no fundo, o valor de tudo o que produzimos, compramos, vendemos, se mede em unidades de energia, em kWh por exemplo, e as regras do mercado fazem com que os diferentes produtos tendam para o mesmo valor da unidade de energia necessária à sua produção, quer o produto seja um iogurte, um televisor, uma casa, um automóvel.

Então, como já sabemos o preço da unidade energia – 0,15 € / kWh, podemos fazer uma estimativa da energia que consumimos – é só dividir o que o dinheiro que gastamos pelo preço do kWh.

Admitindo que o PIB possa ser um bom indicador do que gastamos, sendo este de 162,9 mil milhões de euros, temos então 16290 euros per capita deste pais de 10 milhões de habitantes, o que permite a cada um de nós, em média, comprar 108,6 MWh de energia por ano.
Isso são contas grosseiras, não podemos atribuir significado a algarismos para além do primeiro, pelo que o resultado deste cálculo é que originamos anualmente um consumo médio individual de cerca de 100 Mwh:

Energia per capita dum cidadão ocidental médio: 100 MWh/ano

Notem uma coisa: nesta energia não está incluída a energia solar. No preço dos alimentos não está incluída a energia disponibilizada directamente pelo Sol para os processos fotossintéticos, apenas a energia que foi necessário ir buscar a outras fontes. Um iogurte tem trezentos e tal kJ, ou seja, pouco mais de 0,01 euros de energia; mas a energia solar necessária à sua produção será mais de cem vezes isto, pois já vimos que o rendimento fotossintético médio não será superior a 1%, portanto, não está incluída no seu preço, da ordem do 0,5 € (se estivesse, um iogurte teria de custar mais de 1€ ). O preço do iogurte reflete essencialmente a energia produzida pela humanidade a partir do petróleo, carvão ou outras fontes que foi, directa ou indirectamente, consumida na produção do iogurte.

Já vimos que a energia que um ser humano tem de obter dos alimentos é de cerca de 1 MWh/ano, o que significa, atendendo ao rendimento médio da fotosintese, que um humano da sociedade ocidental usa por ano 100 MWh de energia solar directa e outros 100 MWh de energia intermediada pela civilização, num total de 200 MWh, portanto.

Será que este nosso cálculo tão simples tem alguma razoabilidade? Só há uma maneira de o saber: comparando com outras fontes. Aqui podem encontrar um texto que afirma o mesmo que escrevi acima e onde se diz:

every time anyone spends an American dollar, the energy equivalent of half a liter of oil is burned to produce what that dollar buys!

Ora sendo o Dólar americano cerca de 0,75 euros (0,732 hoje), vamos obter o mesmo valor de 0,15€/kWh.

Claro que se fizéssemos as contas a partir do preço da gasolina ou da electricidade nos EUA ,como fizemos para aqui, obteríamos um valor mais baixo; a razão é que os kW da gasolina ou da electricidade são «em bruto» enquanto que os kW dos produtos têm de ser extraídos dessa «matéria prima», havendo um perda no processo. Em Portugal, os impostos e os lucros exorbitantes da EDP tornam a «matéria prima» da energia mais cara para o consumidor, colocando-a ao mesmo preço do «kW manufacturado».

Na World Nuclear Association podemos encontrar o seguinte magnífico gráfico:


Os cerca de 340 GJ que se pode ler como sendo o valor do consumo individual de energia do “Homem Tecnológico” correspondem (1 Wh=3600 J) a 94 MWh, portanto o mesmo valor (100 MWh) atrás obtido.

Além de termos ficado a saber que energia gastamos, o que nos vai permitir chegar a interessantes e agradáveis conclusões nos próximos posts, ficamos conscientes que:

Dinheiro = Energia
Câmbio: 1 kWh = 0,15 €


Isto permite-nos perceber, por exemplo, que um aumento do preço da energia equivale a uma desvalorização da moeda. Combater a subida do preço da energia é tão importante como combater a inflação. Para sentirem bem isso, podem reduzir o vosso ordenado a kWh – basta dividi-lo pelo preço do litro da gasolina e multiplicar por 10. Se quiserem ser perfectionistas, podem ver quanto estão a pagar por kWh consumido à EDP e fazerem a média dos dois valores. E depois vejam como o vosso ordenado em kWh vai variando no tempo.

(em vez dos índices de inflação, seria mais útil que alguém se desse ao trabalho de obter o indicador «preço do kWh»)

E podem também fazer uns raciocínios divertidos... por exemplo, uma “bica” (café expresso), em Portugal, são 4 kWh, um cinema são 30 kWh, um almoço serão uns 60 kWh. Quando estão a olhar para uma moeda de 1 euro, estão a olhar para 6,7 kWh... Já repararam nesta coisa interessante:


um café expresso representa o mesmo consumo energético de uma lâmpada de 100 W acesa durante 40 horas!

E não estou a incluir a energia de fotossíntese – apenas a energia manipulada pelo homem.
E podem ainda notar o seguinte: tomar como objectivo da gestão dos países o aumento do PIB equivale a ter como objectivo aumentar o consumo de energia. Os EUA consomem mais energia per capita que muitos outros países porque têm um PIB mais alto. Os EUA não são mais perdulários com a energia do que a França, Espanha, Brasil, Portugal ou a média mundial; têm simplesmente mais dinheiro. Corolário: gerir apenas para um aumento do PIB pode ser gerir mal.




Este gráfico está disponível aqui

terça-feira, outubro 07, 2008

Ooooops! Enganei-me nos zeros!

Estas minhas últimas semanas têm sido terríveis. Os resultados do meu balanço energético eram aterrorizadores. A perspectiva de acontecimentos nefastos a curto prazo saltava em todas as linhas dos cálculos. Não havia maneira de equilibrar os acontecimentos, cujo curso fatal e inelutável começava já a desenhar-se no horizonte. Livros como O Relatório Lugano vinham-me à cabeça.

Até que....

... descobri que me tinha enganado nos zeros quando calculei a potência que o Sol coloca na Terra! São mil milhões de Tera watthora e não de Giga watthora! Ou seja, são 10^21Wh!

Isto é o resultado de eu ter querido fugir à notação exponencial, que poderia não ser «amigável» para alguns leitores... Burrice!!!

Quando abri o blogue «outra Física» esclareci que nele iria apresentar aquilo que eu sei com uma grande margem de confiança – conhecimentos já muito amadurecidos, muito longe da fronteira do meu conhecimento – enquanto que o «outramargem» ficava reservado para a aventura da descoberta – onde iriamos pisar os escorregadios terrenos da fronteira da ignorância. O caminho da descoberta é assim: cheio de erros, tropeções, enganos, vai e volta. Se fosse fácil seriamos todos muito mais sábios, não é? Foi o que prometi, levar-vos pelos turtuosos caminhos da Descoberta...

Mas os erros também podem ser úteis, como sabemos. E, graças a este, descobri coisas muito interessantes. Querem ver? (é assim o caminho da Descoberta: descobrimos pepitas ao tropeçar nas pedras.)

PS - já emendei os dois posts afectados pelo erro, este e este.

quarta-feira, outubro 01, 2008

A Saga Alimentar

A relação entre a energia disponível do Sol e a necessária à população humana é muito grande, mas sabemos que a sobrevivência da humanidade foi sempre uma luta dura contra a fome; que outros factores teremos de considerar?

Comecemos por considerar só a terra firme. Ora esta representa apenas uns 30% da superfície do planeta – 3 milhões de TWh/ano disponíveis por fotossíntese. Mas é claro que nem toda a terra é arável. E precisamos de área de floresta e área urbanizada. Na internet podemos encontrar a % de terra arável país a país ; se a média for 30% o número acima reduz-se para 1 milhão de TWh/ano.


Mas vejamos mais: nós não somos herbívoros, não podemos utilizar directamente grande parte da energia produzida pela biossíntese. Só podemos comer frutos e tubérculos. E o resto da planta? O resto só transformado em carne por outros seres vivos capazes dessa proeza. Mas esse é um processo de baixo rendimento, porque esses seres vivos consomem energia para viverem. Portanto, uma parte da potência fotossintética tem de ser consumida para manter vivos os seres que transformam a matéria vegetal em matéria que nós podemos comer. Ou seja, o rendimento fotossintético na produção de matéria orgânica que podemos consumir é muitíssimo inferior ao valor utilizado nas contas anteriores, que se refere à matéria orgânica total!!

Reparem agora no que acontece em regiões sem acesso ao mar: ou a população é muito baixa ou então, como acontece na China, têm de comer tudo o que vive para poderem sobreviver – gado, lagartos, cobras, insectos, animais domésticos. Nenhuma energia pode ser desperdiçada.








. Os chineses comem insectos como nós comemos... peixe!



Se recuarmos um século no nosso país, saberemos que nenhum cantinho deste jardim à beira mar plantado ficava por cultivar. Por todo o país encontramos muros e socalcos feitos com as pedras que cobriam o terreno e permitindo cultivar monte acima (os chineses até construíam montes artificiais para aumentar a área arável). Não havia incêndios antigamente, dizem os velhos; pois não, tirando o pinhal de Leiria não haveria muito mais floresta, todo o terreno estava cultivado nessa altura. E, apesar de uma população mais pequena do que a actual, apesar da pesca, havia fome, muita fome – uma sardinha dava para o jantar de uma família, nunca ouviram dizer? E sopa de erva, conhecem?

A produção de alimentos deu um salto muito grande no espaço de um século. A taxa de matéria orgânica das plantas que podemos usar directamente cresceu imenso. Uma árvore de fruto actual produz uma massa de fruto em relação à massa da árvore que é muitas vezes o valor das árvores antigas (os frutos são menos saborosos? É o preço do aumento de rendimento na produção de alimentos directamente utilizáveis por nós). As espigas dos cereais são muito mais volumosas. E o gado? O gado é um intermediário entre formas orgânicas que não podemos consumir e carne. O rendimento desta transformação é tanto maior quanto mais rápido for o crescimento do gado, como é evidente. Portanto, o gado agora aumenta de peso muito mais rapidamente do que antigamente. Por selecção de espécies, hormonas e antibióticos, é claro, um animal que adoece é uma perda de energia.

O aumento do rendimento da transformação da energia solar em energia que nós podemos consumir exige aquelas coisas todas que causa repulsa ao nosso espírito «ecológico»: hormonas, insecticidas, selecção, engenharia genética.

Mas não basta a energia do Sol para a produção dos compostos orgânicos: é preciso também a matéria prima de que são feitos: carbono, oxigénio, hidrogénio, azoto, e mais uma mão cheia de outros elementos em pequenas quantidades. Os 4 mais importantes estão disponíveis na atmosfera, na forma de CO2, H2O e N2; mas, helás!, o azoto molecular da atmosfera é muito difícil de incorporar em compostos! As plantas têm de usar os compostos de azoto do solo e este esgota-se!

Já falamos da importancia dos adubos (o "ciclo das fezes"); a sua descoberta foi um passo muito importante na produção de alimentos. Um segundo passo muito importante foi a descoberta de que as leguminosas conseguem fixar o azoto atmosférico (ou melhor, umas bactérias que vivem nas suas raízes). Esta descoberta foi em parte responsável por uma quase duplicação da população mundial durante os séculos XI e XII (ajudado por um período de aquecimento global, com todas as vantagens inerentes) – as leguminosas eram plantadas e, muitas vezes, nem sequer eram colhidas: eram incorporadas no terreno como adubo para a plantação seguinte. O Umberto Eco escreveu que a as leguminosas permitiram esse salto populacional por serem um alimento muito rico em proteínas; não foi essa a importância crucial das leguminosas, foi a de «azotarem» os terrenos (a batata é que veio a ter impacto directo na alimentação devido à sua alta taxa de matéria orgânica por nós assimilável, mas isso foi só a partir do séc XVI, ela foi trazida do Perú pelos Espanhóis)


. ciclo do azoto (wikipedia)

A disponibilidade de hulha e minério de ferro, ou seja, a disponibilidade de energia, ocorrida em finais do sec XVII, veio alterar profundamente a situação da humanidade – pela primeira vez, a humanidade deixou de depender da energia recebida do Sol para a produção de alimentos porque os adubos puderam então ser produzidos industrialmente. Isto permitiu à humanidade crescer.

Portanto, o problema da alimentação da humanidade parece que reside na capacidade de produzir industrialmente os elementos necessários aos processos químicos das plantas; e esta capacidade depende da disponbilidade de densidades de potência elevadas, conseguida através do recurso aos combustíveis fósseis.

Mas quanta é, afinal, a energia que consumimos?

PS - a versão inicial deste post foi alterada, interessando, para quem leu a versão inicial, reparar nos "amarelos"