terça-feira, janeiro 29, 2008

Carnaval

Carnaval não é a melhor altura para pensamentos profundos pois não? Deixemos então a intuição dominar o pensar e o sentir e voltemos à Razão só depois do Carnaval!

Um bom Carnaval. Aqui nos encontraremos depois da folia!

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Becos Evolutivos e Temperatura


“Lembram-se de como as proteínas podem ser complexas, não lembram?”


Aquela coisa do Vrummm e do Tchac Tchac?”, os gestos da Luísa são irresistíveis de comicidade; lá me recomponho da risada e continuo:


“Isso mesmo; e lembram-se de eu ter referido que essas capacidades das proteínas tinham uma exigência, uma estreita janela térmica, até foi aqui o Mário que disse logo que a fragilidade das proteínas seria a temperatura?”


Sim”, concorda o Mário


“Ora bem, se as nossas proteínas só podem funcionar numa estreita janela térmica em redor dos 37 ºC, certamente que os répteis, ou os insectos, ou as bactérias, não podem ter proteínas como as nossas, não é?”. Um assentimento mudo encoraja-me a continuar:


“ Se olharmos agora para o gráfico da temperatura terrestre, é fácil concluir que o Homem não poderia ter surgido na Terra há 500 milhões de anos, por exemplo, quando a temperatura média andaria pelos 50º C, não é verdade?”. Fico mudo, o assentimento colectivo não me basta, espero que comentem.


Isso no pressuposto de que não podem existir proteínas igualmente complexas mas preparadas para funcionar a uma temperatura mais alta...”


“Certo Mário, mas esse é um pressuposto razoável, a agitação térmica devida à temperatura é um grave problema para esse tipo de estrutura; mas poderemos discutir esse pressuposto mais tarde, se quiseres.”


Portanto... a Natureza.... ou um Criador... mesmo que o conhecimento necessário à construção do Homem estivesse disponível, ele não poderia ter sido “criado” nessa altura, teve de esperar que a Terra estivesse suficientemente fria...”, a Ana abrindo muito os olhos numa interrogação muda.


“Exactamente; e agora repara: que nos impede de pensar que uma célula eucariota exige proteínas demasiado complexas para as temperaturas que existiam na primeira metade da existência da Terra?”

Queres tu dizer que as células eucariotas apareceram quando apareceram, aí há uns 1500 milhões de anos, porque antes disso a temperatura era alta demais para que as proteínas necessárias a essas células fossem viáveis?


E, nesse caso”, a Luísa num súbito entusiasmo,” também os metazoários apareceram há 700 milhões de anos porque apenas nessa altura a temperatura se tornou suficientemente baixa para as proteínas então necessárias serem possíveis!


Isso não faz sentido cá para mim; as temperaturas podiam ser altas no equador mas seriam mais baixas nas zonas polares; então as formas de vida mais avançadas poderiam ter aparecido nos pólos muito antes disso...”,
os olhos grandes da Ana diziam-me que ela não queria acreditar que eu pudesse estar enganado.


“Há uma coisa que tu não sabes: nesses tempos, a temperatura da Terra era praticamente a mesma de dia ou de noite, verão ou inverno, equador ou pólos. Isto porque a atmosfera tinha muito mais vapor de água e uma maior cobertura de nuvens. Mesmo há uns 100 milhões de anos, as amplitudes térmicas eram ainda tão pequenas que a floresta do tipo tropical se estendia do equador até próximo dos pólos. A partir da análise de ossos profundos e ossos superficiais dos dinossáurios, estima-se que estes não tivessem suportado amplitudes térmicas superiores a 5ºC.”


Ahhh”, a Ana aliviada, “então já entendo, nessas condições a temperatura podia mesmo comandar a evolução da vida...”


“Exactamente. Reparem ainda no seguinte: como disse, as diferentes espécies hoje existentes serão soluções que encalharam em becos evolutivos em consequência de excessiva especialização...”


Pois, e a evolução não tem marcha-atrás!” A Luísa interrompe, soltando uma risada, “Exacto”, continuo, “portanto, essas espécies, as que chegaram até hoje, conservam as características que tinham na sua época áurea, nomeadamente a temperatura ideal para elas é a temperatura dessa época.”


Explica lá isso!?


“Repara Luísa, achas que os répteis vivem hoje nas condições ideais? Evidentemente que não!”


Não?!


“Não, é claro, eles dependem de conseguirem atingir uma determinada temperatura para ficarem activos, têm de se pôr ao sol; ora a natureza não faz seres assim limitados, na época deles eles não tinham este problema. E isso revela-se sobretudo na reprodução, para existirem hoje tiveram de encontrar maneira de manter os ovos quentes. Uns enterram-nos em areias aquecidas pelo sol, outros, como as cobras, cobrem-nos de folhas que libertam calor ao apodrecer ou deitam-se em cima deles e ficam a fazer contracções periódicas para produzirem o calor necessário. A temperatura de reprodução ideal é um bom termómetro da época de cada espécie; em certas moscas, por exemplo, é de cerca de 45ºC.”


Então, para ti, foram como que abandonados pela evolução, tiveram que encontrar soluções de sobrevivência por eles próprios?


“Parece que sim Mário; mas não se tratará de serem abandonados, trata-se simplesmente de terem chegado ao tal beco; como aconteceu com os Dinossáurios.”


Ah, isso, fala lá dos dinossáurios.” Não pude conter uma risada com o súbito entusiasmo da Luísa, “está bem, está bem, ia agora deixar de falar dos dinossáurios!”


“Quando surgiram os dinossáurios já a temperatura da terra andaria pelos 30 - 35 ºC, ou seja, já existiam condições para proteínas tão complexas como as nossas.”


Estás a dizer que os dinossáurios já eram tão avançados como nós?


“Não, nada disso, mas já podiam ter proteínas muito mais complexas que as dos répteis, o que lhes permitia desempenhos musculares muito superiores, sistema circulatório, respiratório, digestivo, hormonal, nervoso, mais avançado. Mas as suas complexas proteínas tinham uma desvantagem: é que quanto mais complexa a proteína, mais estreita é a sua janela de funcionamento; então o que é que irá acontecer aos dinossáurios à medida que a temperatura da terra vai diminuindo, dado que eles não possuíriam um sistema de «sangue quente»?”


Estou a perceber-te: insectos, peixes, répteis, etc, podem sobreviver porque as suas proteínas primitivas aguentam baixas temperaturas, mas os dinossáurios não!


“Certíssimo, Mário! O gigantismo dos dinossáurios pode ter sido uma vantagem evolutiva quando as amplitudes térmicas começaram a aumentar, pois quanto maior a massa, maior a inércia térmica, mas tornou-se uma armadilha mortal quando a temperatura média desceu abaixo do mínimo que as suas proteínas podiam suportar; e isso aconteceu bruscamente em consequência do Evento ocorrido há 60 milhões de anos.”


Então os dinossáurios não poderiam viver hoje porque a temperatura média, mesmo no equador, é insuficiente?

"Como não há aves que não sejam de sangue quente, suponho que as condições térmicas actuais da Terra sejam impossíveis para animais como os dinossáurios; de qualquer forma, eles tinham outra fragilidade: a reprodução por ovo!”


Isso é uma fragilidade?


“Dupla: por um lado não conseguiriam manter a temperatura que o ovo deles necessitaria, por outro lado os seus ovos em ninhos terrestres seriam indefensáveis dos predadores. Aliás, a reprodução por ovo originou um beco evolutivo.”


Como é essa agora?


“Em animais mais primitivos, o crescimento é feito fora do ovo, recorrem à solução da fase larvar, ou seja, formas intermédias capazes de se alimentar pelos seus próprios meios. Depois, surge a solução do ovo que contém o alimento necessário a que o novo ser saia para o mundo já completo. Mas à medida que a espécie é cada vez mais complexa, maior é o tempo necessário para a formação do novo ser, o que significa que maior tem de ser a reserva de alimento do ovo.”


Estou a perceber, um ovo nunca poderia fornecer o alimento que um ser como o humano, com nove meses de gestação, precisaria.”


“Exactamente Ana; a linha evolutiva que adoptou o ovo como solução reprodutiva estava condenada a um beco evolutivo.”


E esse beco são as aves?


“Exactamente Mário, as Aves já não poderão evoluir em direcção nenhuma.”

"Ahh, eu realmente já vi escrito que as aves seriam descendentes dos dinossáurios...”


“Isso não sei, mas pelo menos são dessa fileira evolutiva.”


Então e os mamíferos?


“Os mamíferos terão outra fileira, que em vez de recorrer à solução “ovo” recorreu à solução de fazer crescer o novo ser dentro da mãe, alimentado por esta.”


Mas a diferença entre os mamíferos e os répteis não está no sangue quente?


“Não, claro que não, está no sistema de reprodução; o sangue quente foi a solução evolutiva que ultrapassou o problema do arrefecimento da Terra abaixo da temperatura óptima; não é um exclusivo dos mamíferos, as Aves também dispõem dela!”


Mas espera lá, os chimpazés estão nalgum beco evolutivo? Não estou a ver! Então porque é que ficaram parados na evolução?


“Ahhh, é novamente o problema da reprodução!”

"Como é isso? Não é igual à nossa?


“A nossa tem mais uma inovação, que, em parte, as aves também usam."


Essa agora!?! De que estás tu a falar?


“A gestação dum ser humano é 9 meses na barriga da mãe e uns 9 meses cá fora. Antes disso é incapaz de actos mínimos que lhe garantam a sobrevivência, só mama e dorme. O facto de os chimpanzés se terem especializado na vida nas árvores, onde não podem usar a solução “ninho” por causa do tamanho das suas crias, introduz exigências sobre os recém-nascidos incompatíveis com uma tão grande dependência da mãe.”


Ai é? E os gorilas, que não vivem nas árvores?

Bem, em relação a esses poderia dizer que serão vítimas da sua especialização alimentar em folhas e caules, um alimento mais suculento num passado mais quente e com mais CO2 ; talvez por isso, têm hoje um ciclo reprodutivo tão lento, uma cria a cada 5 anos, que a sua evolubalidade, ou seja, capacidade de evoluir, fica muito prejudicada.”


Humm... estou a ver que tens resposta para tudo...


“Na realidade não, estou a especular, eu respondi no condicional; não sei qual é verdade, pode ser que a Natureza tenha mesmo abandonado as espécies que ficaram para trás no processo evolutivo; porque ela não tem tempo a perder, tem de apostar tudo nos Humanos!”


Essa agora, então porquê?

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terça-feira, janeiro 22, 2008

O Labirinto da Vida


“Há uns 3500 milhões de anos, ou mais, a primeira organização que identificamos inequivocamente como Vida fez então a sua aparição. Células singulares simples. E durante uns extensos 2000 milhões de anos parece que a Vida existiu sempre nesta forma unicelular. Diversa, mas unicelular. Até que, quase subitamente, surgiu uma nova estrutura: uma célula maior, contendo células dentro!”

Uma célula de células? Como é isso?

“É isso mesmo Luísa, uma célula com células dentro, ou seja, dentro da membrana exterior existem outras estruturas dentro de membranas, a que chamamos organelos. Um organelo bem conhecido é o núcleo, onde estão os cromossomas.”

Ahhh, pois, as bactérias não têm núcleo...”

“Exactamente Luísa. Estas novas células, a que chamamos eucariotas, representam pois um nível de organização acima das anteriores, a que chamamos procariotas. Há aqui um salto evolutivo, algo que mudou profundamente. Isto aconteceu, portanto, há cerca de 1500 milhões de anos, talvez um pouco mais.”

E depois?”

“Depois, novo período em que aparentemente nada de qualitativo acontece durante uns 800 milhões de anos até que surge um novo nível de organização da Vida: os metazoários!”

Os metazoários são os seres vivos que resultam de uma organização de células diferenciadas, não é?”

“Certo Ana. E os metazoários são constituídos exclusivamente por células eucariotas. Os Metazoários explodiram então, isto há uns 700 milhões de anos, numa miríade de formas, e estas formas iniciaram um intenso processo evolutivo: há 600 milhões de anos existem vermes, há 550 peixes, há 400 plantas terrestres e insectos, há 350 anfíbios, há 300 répteis, há 200 mamíferos terrestres, há 175 os dinossáurios.”

Os mamíferos apareceram antes dos dinossáurios?”

“Parece que sim Luísa; sabes, a evolução parece-se muito com aquele jogo que é uma espécie de labirinto na vertical, com muitas entradas em cima e uma só saída em baixo; deitas um disco por uma das entradas de cima e esse disco pode cair por ali abaixo e encontrar a saída ou, o que é mais provável, o disco acabará num beco.”

Como é isso?”, o Mário ri-se, disse alguma coisa que lhe despertou a curiosidade, esta imagem ele ainda não tinha ouvido por certo.

“No início dos metazoários, surgiu uma miríade de seres vivos, uma enorme diversidade de formas e estratégias de vida: são como as entradas desse labirinto vertical. Depois, essas formas foram evoluindo, um pouco como os discos caindo ao longo do labirinto. Algumas foram encontrando becos e daí não puderam passar mais, por que a evolução não tem marcha-atrás...”

Não tem marcha-atrás?? Eh eh , essa nunca tinha ouvido!

“Repara, uns seres vivos especializam-se como peixes; o seu corpo torna-se fusiforme, a sua estrutura muscular é a que convém à natação. Outros especializam-se como artrópodes, desenvolvem apêndices articulados que servem para vários fins. São duas linhas completamente distintas; e não tem marcha atrás porque um peixe que comece a desenvolver apêndices articulados provavelmente irá nadar pior e ser menos eficiente do que um peixe sem esses apêndices; e a um artrópode que comece a perder apêndices vai-lhe acontecer o mesmo. Tal como uma planta não pode evoluir para se tornar um animal. Este tipo de especialização conduz a becos evolutivos.”

Estou a ver... no fundo acontece o mesmo com as pessoas... uma pessoa especializa-se numa profissão e depois fica presa a isso, dificilmente poderá dedicar-se a outra coisa...

“Sim, não deixa de ser verdade.”

Interessante, essa tua imagem do jogo do labirinto... no fundo, é um pouco como uma Árvore da Vida de pernas para o ar... ou de raízes para o céu! o Mário ri-se, divertido com a ideia, e a Luísa acompanha-o.

“Não sei se lhe chamaria Árvore... não há um tronco, há muita diversidade desde tempos remotos, muitos cruzamentos genéticos... evolução e cruzamento de genes correm em paralelo... Mas de pernas para o ar certamente!”, é a minha altura de rir, “mas não se esqueçam de uma coisa misteriosa que eu referi: os longos períodos em que parece que a evolução esteve parada!”

Isso pode ser só uma ilusão... pode ter havido imensa evolução no interior das células e nós não temos forma de o saber...

“Certo Mário, mas também pode ter sido outra coisa!”

Outra coisa? Que outra coisa??
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sexta-feira, janeiro 18, 2008

Ecopoese



No post “A Manjedoura da Vida”, o Mário referiu a existência de uma teoria, a Ecopoese, que defendia que a Vida exigia uma atmosfera terrestre do tipo da que eu estava a apresentar.
Obtive essa atmosfera a partir do conhecimento de um fenómeno de afastamento entre a Terra e o Sol; verifiquei que ele poderia explicar certos mistérios como a formação das dolomites e do petróleo; e verifiquei que para a produção industrial de fenómenos de tipo associado à origem da Vida, nomeadamente a formação de compostos azotados e o crescimento de cristais, se usa o tipo de condições existente nessa atmosfera.

Dessa forma mostrei que essa atmosfera era não só suficiente para explicar esses fenómenos mas também possivelmente ideal, pois corresponde às condições que usamos industrialmente. Mas não mostrei que essa atmosfera era necessária, que em condições mais “frias” é impossível ocorrer a formação da Vida.

A demonstração da condição necessária é importante para mostrar que o modelo actual está errado, é impossível. Eu apenas mostrei que o meu modelo será melhor, não que é o único.

Ora a teoria da Ecopoese, de Raul Félix de Sousa, faz essa coisa fascinante: a partir da química da Vida conclui que o modelo actual é impossível e que a química da Vida exige condições do tipo das que apresentei.

Contactei o Autor, que muito amavelmente me ofereceu um exemplar do seu livro, bem como diversas considerações sobre o que apresentei nos posts, de que transcrevo excertos:


O fato é que depois que o experimento de Miller pareceu confirmar as idéias de Oparin, Haldane e Urey, a atmosfera redutora tornou-se dogma, martelado em todos os livros de biologia e em inúmeras (milhares) publicações da literatura primária. A ponto que, tautologicamente, a própria existência da vida passou a ser citada como prova. Observe-se que, como já disse, entre os geólogos nunca houve um tal consenso.A possibilidade de um período com uma atmosfera hipercrítica de H2O ou de CO2 é real, e a meu ver, altamente provável. Os valores de 260 atm para H2O (volume total da água contida nos oceanos e outros reservatórios terrestres de água) e 60 atm para o CO2 (carbonatos da coluna sedimentar e outros depósitos de carbono), que podem espantar a muitos são, na verdade, valores mínimos. A depleção de gases nobres da atmosfera terrestre aponta para a perda hidrodinâmica, ocorrida nos períodos iniciais de formação da atmosfera, que cito no livro. Com base na abundância natural dos elementos deveríamos ter aproximadamente tanto Neônio quanto Nitrogênio na atmosfera, por exemplo. Estima-se que a água que permanece em nosso planeta seja apenas uma (provavelmente bem pequena) fração da água original que já o envolveu. Com relação ao CO2, podemos fazer considerações semelhantes. Não há nenhuma razão para termos menos CO2 que Vênus. A Terra é composta do mesmo material condrítico original que Vênus e tem uma massa maior. Além disto é muito mais difícil para a Terra perder CO2 que Vênus, onde já há muitos bilhões de anos todo o CO2 deve estar na atmosfera. ... Não seria grande surpresa se tivéssemos algo como o dobro das 60 atm estimadas.
...
Ocorre entretanto que uma atmosfera de H2O hipercrítica dificilmente permitiria a existência de qualquer composto reduzido de carbono.
...
O CO2 hipercrítico, por outro lado, pode existir em condições fisicamente bem mais brandas, compatíveis com o mundo orgânico, e é também quimicamente pouco agressivo com relação aos compostos orgânicos, como provam vários de seus usos industriais modernos. Ocorre entretanto que nas condições em que poderia formar-se na Terra deveria forçosamente interagir com a água líquida, muito mais abundante. A interação entre CO2 e H2O é complexa. Formam-se H2CO3, íons HCO3-, H3O+, uma parte do CO2 dissolve-se sem se combinar ou ionizar. Nem sei se suas características físicas são descritas para toda a gama de temperaturas e pressões. Agindo sobre o substrato mineral da crosta dissolveria uma série de íons metálicos e permitiria a formação de inúmeros compostos não metálicos. É a este meio que denominei 'hipercarbônico', detendo-me sim, sobre suas caraterísticas químicas reactivas. E sobre como estas poderiam conduzir ao surgimento dos processos metabólicos do mundo vivo, essência do modelo da Ecopoese.

Sobre a catástrofe do Oxigênio devo dizer que concordo certamente que o aligeiramento da atmosfera causado pela absorção ou condensação dos seus demais componentes terá alterado drasticamente a sua concentração percentual. Mas há mais coisa aí. Em primeiro lugar, os valores utilizados como concentrações iniciais são apenas conjecturas. Há valores os mais díspares espalhados na literatura científica, mesmo considerando apenas os modelos 'redutores'. Além disto, oxigênio não é um gas inerte. Pelo contrário, é altamente reactivo, e sua concentração é governada pela interação dinâmica entre seus sumidouros (sinks) e suas fontes (sources). São considerados sumidouros as interações com materiais reduzidos da litosfera e gases vulcânicos reduzidos. São fontes a fotólise atmosférica da água, abiótica, e a fotossíntese oxigênica, de natureza biológica. O argumento tradicional, que contesto no livro, é que a fonte abiótica seria de longe insuficiente para compensar o sumidouro, o que garantiria uma atmosfera sem oxigênio, pré-condição, segundo a visão clássica, para a origem da vida, o que também contesto.



Para quem quiser um entendimento mais profundo destas questões, tem no capítulo I do livro de Felix de Sousa, que pode descarregar na página da Ecopoese, a melhor introdução ao assunto que eu já vi.
Um pouco como na época de Galileu, novas ideias, nas margens da ciência oficial, começam a unir-se para dar novas asas ao conhecimento.

Daqui o meu abraço transoceânico ao Raul!

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Vruummm, Tchac, Tchac, Tchac


O que a Vida espera de nós?”, o Mário surpreendido, “mas não é ao contrário? Eheh”, a risada como expressão do espanto.

Ahhh, vais ver que não, e é importante que percebamos que temos uma tarefa pela frente; mas vamos com calma, para já vou dizer-vos mais uma coisa sobre a Vida que vocês não sabem.”

Não sabe quem? Eu não sei??”, a Ana e a Luísa riem-se do ar de espanto fingido do Mário.

Tu me dirás. Lembram-se de eu ter referido a divisão celular como exemplo da inteligência das células? De eu ter lido aquela descrição do livro de biologia, que refere uns centríolos que se movem, uns microtúbulos que avançam em direcção aos cromossomas, etc.”

Sim, tenho uma ideia”, a Ana a primeira a assentir, a Luísa faz agora também um sinal de Sim com a cabeça.

E lembram-se de eu ter referido que essa descrição omitia questões essenciais, até perguntei se os centríolos tinham pernas para se moverem?”

Essas das pernas lembro-me!”, a Luísa a recuperar a vivacidade.

Pois bem, vou responder-vos a essa questão! Não têm pernas, têm motores!”

“Motores?!” admiram-se as duas em coro, o Mário dá uma risadinha.

Sim, micomotores, a célula tem micromotores que movem toda a maquinaria celular de um lado para o outro, os centríolos, os microtúbulos, os ribossomas, etc.”

Quer dizer, tem um sistema de transportes públicos ehehe!” a risada do Mário é secundada pela da Luísa. “Vrummm, vrummm”, faz a Luísa imitando o barulho de um motor de explosão, desencadeando o riso do Mário.

Essa eu nunca tinha ouvido! Onde foste buscar tal coisa?

Então, Mário, parece que afinal há coisas que tu não sabes! Onde fui buscar? Ora, à Ciência, onde havia de ser?”

Não me lembro de ouvir falar de tal coisa...”, o Mário com ar desconfiado.

"Bem, talvez ainda não tenhas ouvido... sabes, como eu sou viajante do tempo, pode ser algo que a ciência ainda vai descobrir, não sei ao certo...”. Pus um ar de quem se está a tentar lembrar onde deixou os óculos. Pelo canto do olho observo o ar incrédulo de todos. Continuo:

Mas os motores são só uma das muitas máquinas electromecânicas que existem na célula.

Máquinas electromecânicas? Que raio estás para aí a dizer?

"Então, Mário, o vinho do jantar fez-te mal? O que é uma proteína senão uma máquina electromecânica?" O ar surpreendido do Mário dá lugar a uma careta de concentração, está a ver se percebe o que eu quero dizer. Esperamos.

Bem, as proteínas constroem estruturas tridimensionais, com formas complexas... uma proteína pode assumir várias estruturas, alternando entre elas quando executa a sua função biológica...”

Pois é, como acontece no ribossoma enquanto constrói uma proteína correndo ao longo do RNA, tchac, tchac, tchac.” Pensei que se iam rir mas não, ficaram com ar surpreendido. Continuo:

"Mesmo em repouso, em solução, todas as proteínas apresentam oscilações da sua estrutura, que resultam de vibrações térmicas e choques de moléculas do meio; uma proteína é uma máquina electromecânica, não é uma simples peça de Lego.”

Pois, isso eu sei, mas nunca tinha consciencializado que uma proteína, realmente, é muito mais do que uma simples peça, ela tem partes que se mexem.”

Pois é, e por isso uma proteína não é robusta como uma simples peça, é delicada como qualquer máquina! Tanto mais delicada quanto mais complexa. E qual é a grande fragilidade das proteínas?”

A... temperatura?”, arriscou o Mário; um génio este Mário.

Exacto! As proteínas têm uma janela térmica na qual mantêm a forma e estão, portanto, activas; mas fora dessa janela a sua estrutura desmancha-se e elas ficam inoperativas. Ora esta característica das proteínas permite-nos saber que os dinossáurios não poderiam existir hoje, e que o Homem não poderia existir no tempo do apogeu dos dinossáurios.”

Não poderia existir? Queres dizer que o Homem não poderia existir nessa altura porque a Evolução ainda não tinha chegado ao Homem?”

Não! Há um factor que travou a evolução, senão o Homem poderia ter aparecido mais cedo!”

Essa é boa!! O Homem poderia ter aparecido mais cedo??" não percebo se o Mário está espantado ou indignado, “E como é isso?”

Estás a dizer que o Jurassic Park é uma impossibilidade?”, a Ana parece que levou um choque, os olhos muito abertos de espanto mostrando a doçura da sua alma.

Exactamente Ana, os dinossáurios não sobreviveriam na Terra de hoje. E o tempo que o Homem demorou a aparecer não é consequência do processo evolutivo, que é muitíssimo mais rápido do que se imagina. Basta associarem a janela térmica das proteínas à curva da temperatura terrestre que eu vos apresentei para perceberem; querem ver?”
..

Imagem : Wikipedia


quinta-feira, janeiro 10, 2008

Há quem Saiba?


. Uma semana antes... (João Paulo I, Wikipedia)



Apanharam-no! Apanharam-no!
Que desgraça! Tudo perdido...
Olha, conseguiu atirar a pasta... os papeis... os papeis... se o vento os levar... ainda há esperança... se o vento os levar para fora...


...Dio mio, Dio mio, por favor... ai... espalhados pelos telhados... estão a apanhá-los... não há vento, nem um voa...


...estão a apanha-los... vão apanha-los todos...


...piedade Dio mio...


...falhado, tudo falhado, não terei outra oportunidade...
e o meu corajoso companheiro... Deus tenha piedade... Deus o perdoe... Deus me perdoe... a Humanidade me perdoe... que terrível falhanço...

Fechou a janela abafando o ruído surdo dos passos dos guardas que percorriam os telhados, ainda à procura de alguma folha de papel que ainda não tivessem apanhado. Ao virar-se para o interior do quarto, não foi os seus aposentos que viu; com os olhos cegos pela luz exterior e pelas lágrimas, a imagem do pequeno cofre onde o segredo era guardado surgiu-lhe como um fantasma no fundo escuro. Numa fracção de segundo, a história da milenar demanda passou-lhe inteira mas o que permaneceu foi a lembrança do momento em que percebeu. O momento em que tudo mudara, em que todos os seus projectos e ideias perderam subitamente o sentido; o momento em que soube que a sua vida estava consagrada a um único objectivo: alertar a Humanidade! E soube-o com a clarividência que acompanha uma premonição, ele conheci-a bem.


Lembrou-se da repulsa que lhe causou a argumentação deles. “Que, na verdade, não sabiam quando seria nem como seria; que divulgar o segredo apenas iria servir para desacredita-los; que seriam acusados de espalhar o pânico, não sabia ele o que tinha acontecido no ano 1000? Claro que agora tinham novos elementos, mas não eram ainda suficientes. E havia que pensar no depois: depois do Evento a Igreja precisaria de todo o seu poder para controlar os sobreviventes; não sabia ele como a escassez transforma os homens em lobos? Não tivera já a Igreja de intervir tantas vezes no passado?”

Nunca acreditara que eles não soubessem mais do que diziam; simplesmente, optavam pela estratégia segura a longo prazo, conseguindo permanecer indiferentes às consequências de curto prazo, numa conversa de “os fins justificam os meios”. Mas as consequências seriam tais que ele não podia aceitar que nada se fizesse para as minimizar. Não podia, tão simples quanto isso, era mais forte do que ele.

A imagem do sofrimento que estava para chegar ocupava-lhe agora a mente com detalhes que começavam a ser dolorosos. Deixou-se cair na cama, curvado, em posição fetal, as lágrimas escorriam-lhe através das pálpebras fechadas. A angústia desses dias descia-lhe agora pelas entranhas para logo subir de novo. A intensidade da sensação crescia, multiplicava-se, ocupava todos os recantos do seu ser; como se a angústia de toda a humanidade se estivesse a concentrar nele, como se ele estivesse a sofrer no lugar de todas as outras criaturas. Esse pensamento, ele a sofrer no lugar da humanidade inteira, ele a conseguir finalmente proteger a humanidade de todo aquele imenso sofrimento, fez surgir uma ténue alegria no fundo do seu ser, uma luz a cintilar na escuridão em que se afundava. Ainda teve forças para murmurar uma prece de agradecimento - Obrigado Pai.

Seriam umas duas da manhã quando os dois homens entraram silenciosamente no quarto. O mais velho aproximou-se do vulto deitado em posição fetal, pôs-lhe dois dedos na carótica, e disse:
- Podes chamar os embalsamadores. Anuncia a morte de Sua Santidade.


Com um gesto lento, Alita faz desaparecer o texto:
Realmente, é muito misterioso... E foi a máquina de inteligência artificial que fez isto? Como?”


Estava a testar um novo programa de geração de hipóteses; e lembrei-me de o pôr a analisar os dados referentes a um qualquer crime não resolvido.”


Dos humanos?”


Claro! A máquina, a MIA, como lhe chamo, está ligada à Net deles. Pedi-lhe uma lista de mortes suspeitas e pu-la a analisar a primeira da lista. Ela devolveu-me uma lista de dados que tinha encontrado e que estavam em conflito, para eu resolver


Quer dizer que encontrou informações erradas?”


Sim, é normal, os nossos cérebros interpretam os dados de acordo com as suas presunções e chegam a certezas erradas, que depois inquinam a investigação; a máquina detecta os conflitos e já é capaz de resolver alguns, atribuindo graus de confiança inversos às presunções que detecta; mas muitos ainda não consegue resolver.”


E então, corrigiste a lista?”


Não!”


Não?”


Enquanto a máquina estava no seu processamento, eu estive a ver a lista de mortes suspeitas e saltou-me à vista esta do Papa. Assassinarem um Papa?? Isso é muito revelador do estado actual da sociedade deles. Muito mais interessante que um crime passional qualquer, ou mafioso, ou por jogos de poder, que não acrescenta nada ao que já sabemos deles.”


Ahh, então puseste a MIA a analisar este...”


Claro! Pedi-lhe a reconstrução da morte do Papa. E ela surgiu logo com isto! Nenhuma lista de conflitos, nada! Para a MIA, isto é clarinho.”


Nem tanto... repara que ela não afirma que ele foi assassinado...”


Isso significa insuficiência de dados, mas se ele foi ou não assassinado já deixou de me interessar. A possibilidade de haver quem saiba do Evento é que me interessou!”


Pois é... e parece que quem sabe está disposto a tudo para que não se saiba...”


Isso fez-me pensar... no estado primitivo deles, o que será melhor? Serão capazes de usar o conhecimento do Evento utilmente ou vão entrar em paranóia?”


Já andam em paranóia com a treta do aquecimento global...


Eles já sobreviveram a Eventos... hão-de voltar a sobreviver... à rasquinha...”


Temos de pensar muito bem... será que está afinal certo quem não quer que se saiba? Esse alguém deve conhecer os Humanos melhor do que nós...”


Ufff, mais uma complicação... agora nem sabemos se devemos intervir ou não!”

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Educação 3: "Chumbo" versus "Competição"



O “chumbo” nos primeiros anos escolares é algo muito diferente de, por exemplo, o “chumbo” num exame de condução.



Quem faz exame de condução é alguém que tem o objectivo de ter a carta de condução; o jovem estudante, ao contrário, não tem objectivo nenhum deste tipo, está na escola porque a isso é obrigado.



O “chumbo” num exame de condução, ou no fim de um curso profissional, ou de um curso universitário, não tem nenhum efeito de motivação, é apenas uma medida de uma aptidão conseguida ou não pela pessoa. A motivação está no objectivo, não no exame.



O que nos interessa saber é se o recurso ao “chumbo” na escolaridade obrigatória pode contribuir para a motivação dos alunos, ou seja, se a ameaça de “chumbo” permite melhorar o sucesso escolar.



O “chumbo” não é certamente uma recompensa, logo o papel que pode desempenhar é o de “penalização”; e pode fazê-lo de duas formas.



Uma forma é indirecta: é o sinal que é dado aos pais e são estes que verdadeiramente estabelecem a penalização.



Mas atenção: nem todos os pais o fazem. O sucesso escolar em Portugal está fortemente relacionado com a atitude dos pais: têm sucesso os filhos dos pais que fazem disso quase uma questão de vida ou de morte, falham os outros. Portanto, o “chumbo” não é capaz de ultrapassar as insuficiências dos pais, embora seja algo que os pais que se preocupam com o sucesso escolar dos filhos usam nas suas estratégias de motivação.



Mas o “chumbo” também é uma penalização directa para os alunos.



Salta à vista que é uma penalização muito diferente da dor provocada pelo fogo na mão ou a pancada com o jornal no cãozinho: a dor do “chumbo” não passa com o tempo, daí em diante o “chumbado” será sempre um aluno humilhado, os colegas de turma serão mais novos, é uma condenação de vários anos. Portanto, como humilha, é gerador de revolta, e não cumprirá adequadamente a função de informação do Inconsciente porque é uma agressão.



Como é um estigma, gera marginais. Tal como o ostracismo ou a marcação a fogo, que têm exactamente o objectivo de colocar pessoas fora da sociedade.



Note-se que, em parte, esse sempre foi um objectivo do sistema de ensino. Antigamente não se pretendia que todas as pessoas soubessem ler e escrever. O modelo de sociedade era o “formigueiro”, ou seja, é preciso pessoas ignorantes para fazerem trabalhos braçais, e uns quantos, mais sábios, para dirigir. Portanto, o sistema de ensino visava colocar cada um no seu “lugar” na sociedade “formigueiro”, uns como operários, outros como doutores. A ideia de “igualdade de oportunidades” é uma coisa ainda sem sentido, assustadora mesmo, para muita gente.



Portanto, o “chumbo” nos primeiros anos escolares funciona sobretudo como processo de separar os futuros operários dos futuros doutores e não como uma penalização. Notemos ainda o seguinte: para uma criança de 10 anos, um ano é um espaço de tempo subjectivamente tão dilatado como a duração de todo o curso superior quando entrar na universidade. Ora as ameaças perdem força com a distância, como é sabido. O efeito de “penalização” reside mais nas “faltas” e “notas intermédias” do que no “chumbo”.



No nosso sistema de ensino, é na relação professor-aluno que reside sobretudo a motivação para os mais jovens. Consegue bons resultados o professor que é capaz de estabelecer a adequada relação com cada um do seus alunos. Suponho que isto tenha raízes num tempo em que o professor era um Mestre.



Para verem como esta relação é importante posso citar a minha experiência pessoal: tive como professor de Física no antigo segundo ciclo dos liceus o professor Salvador do Carmo. Recordo-me que houve um período em que a nota mínima a Física na minha turma foi 14, num liceu em que essa era a nota máxima nas outras disciplinas; o professor Salvador do Carmo descontava meio valor por cada erro ortográfico, como uma vírgula mal colocada, nas respostas aos testes e dava matéria para além do programa. Era, pois, muito exigente. Sabíamos que era pessoa generosa e não me lembro de ele alguma vez ter dado uma falta de castigo a um aluno, numa época em que isso era trivial. Os outros professores diziam que só estudávamos Física mas não era verdade – a verdade é que saíamos da aula dele de cabeça iluminada e com a matéria já sabida.



Portanto, isto é um resultado possível. Mas não será um resultado ao alcance do comum dos mortais, nem é exigível à generalidade dos professores. Temos de procurar formas de conseguir um resultado destes com professores “normais”, ou seja, profissionais sérios mas não necessariamente “Mestres”.



Quando o sistema de ensino não consegue estabelecer processos de motivação nem existe uma acção social eficaz, o que acontece é que as classes sociais perpetuam-se, os filhos de doutores, doutores serão, os de operários serão operários como os pais.



É o que acontece em Portugal, de uma forma sem paralelo noutros países europeus.



Isto não acontece só por incompetência, acontece porque este é o tipo de sociedade que muitas pessoas querem, daí a falta de uma genuína vontade de mudar.



Qual a diferença civilizacional entre as pessoas que viviam na Península Ibérica há 2000 anos e as que viviam há 200 anos? Muito, muito pequena. E os Amishe pretendem ainda hoje viver numa sociedade completamente estagnada no tempo do seu fundador, não é verdade? O jogo dos interesses individuais conduz as sociedades humanas à estratificação e à estagnação, a evolução surge apenas pela mão de visionários.


Uma sociedade que visa a máxima formação de todas as pessoas é uma sociedade que poderá evoluir muito mais depressa, é o oposto da sociedade estratificada e estagnada. Isto tem uma exigência, porém: todas as actividades terão de ser consideradas igualmente dignas, porque sendo todos “doutores”, um doutor tanto pode trabalhar como juiz ou como homem do lixo.



Há ainda hoje uma alternativa: o homem do lixo é um imigrante. É a persistência da sociedade “formigueiro”, apenas a classe “de baixo” vem de fora por livre vontade.



No primeiro caso temos os países nórdicos, no segundo caso os restantes países do 1º mundo. Os países nórdicos são por isso fechados à imigração, pelo menos à imigração que possa desqualificar empregos.



Hoje não há alternativa à evolução da sociedade, a escola tipo “demónio de Maxwell” a separar "doutores" de "operários" não tem sentido, a única coisa que tem sentido é uma escola que visa a máxima formação para a sociedade do futuro e que, por isso, tem de conseguir a máxima motivação dos alunos.



Este é, portanto, o problema: maximizar a motivação dos alunos! Não é com “chumbos” que vamos lá, nem pode ser com recurso a professores excepcionais.



Sugestões?



Aqui vai uma:



Eu penso que uma boa solução é, como em quase todas as situações, uma solução próxima da realidade, que faça a pessoa enfrentar as consequências dos seus actos.



Um profissional pouco dedicado numa empresa moderna põe em causa o sucesso da empresa e é, por isso, pressionado pelos seus colegas de trabalho; ao jogador de uma equipa amadora que não se esforça acontece-lhe o mesmo; ou seja, qualquer situação em que o resultado se reflecte sobre todos mas depende do esforço de cada um, sem excepção, é altamente motivante, gerando internamente as recompensas e penalizações que maximizam os resultados.



Pode-se criar uma situação análoga nas escolas, pondo as turmas em competição.



Não é verdade que o ranking das escolas fez estas empenharem-se mais? Empenha-se a direcção, empenham-se os professores e empenham-se os próprios alunos. Pois é aplicar a mesma receita, agora ao nível da escola.



Se a as turmas estiverem em competição, cada um sentirá no concreto a relevância do seu esforço; será claro para todos que os que não se esforçam prejudicam os outros e ninguém vai querer ficar com esse ónus; os que se comportam mal nas aulas deixarão de ser uns “heróis”, que enfrentam a autoridade do professor, para passarem a ser alguém que está a prejudicar o esforço colectivo.




O professor passa a ser como o treinador da equipa de andebol, alguém crucial para o sucesso do grupo. Algum aluno se faz de palhaço num treino de andebol? Claro que não! Não é (apenas) por o andebol ser mais interessante que a História, é por o enquadramento ser diferente.




Lembram-se do Harry Potter? Slytherin e Gryffindor? Diz a Wikipedia:

“In the Harry Potter series, Hogwarts School of Witchcraft and Wizardry is divided into four houses, each bearing the last name of its founder: Godric Gryffindor, Salazar Slytherin, Rowena Ravenclaw and Helga Hufflepuff. The houses compete throughout the school year, by earning and losing points for various events, for the House Cup.”



Isto é não é uma invenção da Rowlings, é uma metodologia há muito usada nos colégios e universidades (Yale, Harvard) dos países de língua Inglesa – com uma diferença importante, não é uma competição entre “bons” e “maus”, é uma competição entre “bons” e “bons”.



Processos deste tipo são usados em empresas de mão-de-obra intensiva; e o que é uma escola senão uma empresa de mão-de-obra intensiva? O “produto”, aqui, é a totalidade de conhecimentos e capacidades adquiridos.


Outras sugestões?

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Educação 2: Motivação = Recompensa x Penalização


O suiço Hans Schlegel ensina liderança a executivos através dos 5 lobos que mantém na sua escola
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Na Natureza, a capacidade de manter um olhar atento sobre possíveis ameaças é certamente uma vantagem; por isso, essa será uma característica de todos os seres vivos mais evoluídos. Bom, mas para isso é preciso saber identificar as ameaças e as situações de risco. O cérebro vem assim programado para obter esse conhecimento, tão rapidamente quanto possível.


As crianças têm uma grande necessidade de descobrir os limites, de encontrar o muro, de saber até onde podem ir e donde não podem passar, ou seja, aprender onde estão as situações de risco. Criadas num ambiente permissivo entram em descompensação afectiva e em sofrimento porque não encontram a tão essencial fronteira entre o “bom” e o “mau” que eles sabem que existe algures.


Alguns estudiosos do assunto dizem que as crianças sofrem porque num ambiente permissivo não se sentem amadas, mas creio que não é bem isso; trata-se simplesmente de o seu cérebro não conseguir perceber onde está essa fronteira!


Como é que se ensina isso? Associando uma penalização adequada, que sinalize ao cérebro a posição da fronteira. Isso, e apenas isso. Ou seja, a penalização tem apenas o objectivo de informar o cérebro, não tem o objectivo de causar sofrimento.


Na educação dos animais isso é bem sabido – a penalização tem de ser bem adequada para o animal perceber que ultrapassou uma fronteira, mas apenas isso; se tiver uma característica de agressão, o animal revoltar-se-á em vez de aprender. Connosco é exactamente o mesmo.


No pólo oposto à permissividade está o autoritarismo. Há pessoas que sentem prazer em sentir autoridade, ou que têm frustrações diversas, e que usam todos os pretextos para, a título de penalização, exercer poder, humilhar outro, agredir outro. O marido que bate na mulher, a mulher que ralha com o marido, o chefe que insulta o empregado, a dona de casa que abusa da empregada, o polícia que bate no ladrão, os pais sempre prontos a castigar os filhos, o professor que espalha o terror na aula.


Educar uma pessoa é essencialmente o mesmo que educar um animal, ou seja, um processo de penalização e recompensa. A diferença está no que se ensina e no tipo de penalizações e recompensas a usar.


Muitas pessoas pensaram, e pensarão ainda, que a motivação para a educação é uma relação aritmética entre recompensa e penalização, ou seja:

Motivação = Recompensa + Penalização,

medindo a intensidade da recompensa e da penalização em escalas positivas; daqui a ideia de que seria possível educar recorrendo apenas à recompensa, portanto, com penalização nula.


Isso é um erro e grave. Sem penalização não há qualquer possibilidade de educar.


É costume gabar-se o civismo das pessoas dos países nórdicos em especial e dos países mais civilizados em geral. A razão disso está num claro e bem estabelecido esquema de penalizações. Existem penalizações para todos os comportamentos que perturbem o desejado funcionamento da sociedade. Criteriosamente estabelecidas e implacavelmente aplicadas. É por isso que as pessoas são tão cumpridoras.


Não se pense que estas pessoas vivem numa atmosfera de medo. É como o fogo – sabemos que se pusermos a mão no fogo queimamo-nos, logo não pomos. Mas não vivemos apavorados com o fogo, pelo contrário, até gostamos de saltar à fogueira e de uma boa lareira.


Para que a penalização funcione eficientemente tem de ser clara, sistemática e adequada. Se a cidade está cheia de radares e a cobrança de multas funcionar, os cidadãos tornam-se conscienciosos cumpridores dos limites de velocidade; se não for assim, sentem-se parvos a cumprir esses limites idiotas e andarão preocupados em saber onde estão os poucos radares, fazendo questão em andar em excesso de velocidade, chegando a conseguir poupar uns dois minutos num percurso urbano médio. Às vezes mesmo 3 minutos!


Na ausência de penalização tudo se desmorona: muitos médicos, professores, juízes, ou seja, muitos senhores doutores, engenheiros, advogados, arquitectos, etc (tsch tsch, as coisas que eu aprendo com o António...) não cumprem minimamente aquilo para que foram contratados. É natural, são humanos, funcionam em função da resposta exterior, o sistema que não estabelece penalizações é que é culpado.


Volto a chamar a atenção para um aspecto essencial da penalização: ela não pode ser nunca, mas nunca mesmo, humilhante, agressiva. Bater com um jornal num cão pode ser uma penalização adequada ao cão, mas não o é para uma pessoa. Ralhar é uma forma de penalização proibida, não é penalização, é agressão.
Nós, os humanos, temos um ego muito frágil e é preciso muito cuidado com a penalização. Operários japoneses chegaram a usar como forma de penalizar o patrão uma braçadeira preta no braço. Símbolo do seu descontentamento. Porque são tontos e não sabem fazer greve? Não!!!! Porque era uma forma de penalização muito mais eficiente do que a greve!


Consciente da importância da penalização, outra corrente de opinião defende que basta a penalização, podemos anular a recompensa. Isso pode ser verdade em sociedades estagnadas, mas não é verdade numa sociedade que se pretende em evolução. Sem recompensa, as pessoas limitam-se ao quanto baste para evitar a penalização. Mas isso é claramente insuficiente na sociedade actual. Numa empresa, as pessoas empenharem-se “quanto baste” conduzirá provavelmente a empresa à falência, porque a concorrência terá colaboradores muito mais motivados, com mais autoestima, conseguida através do uso apropriado da recompensa.


Isto apenas considerando o limitado aspecto “interesseiro” da questão, porque há outro mais importante: um objectivo da sociedade é fazer-nos felizes e conduzir os humanos apenas através da penalização não contribui suficientemente para a felicidade.


Sem entrar em grande análise da importância relativa de Recompensa e Penalização, podemos tomar como boa a equação:

Motivação = Recompensa x Penalização

Um valor nulo quer para recompensa quer para a penalização conduz a uma motivação nula.


E isto é assim porque nós somos descobridores num mundo desconhecido, no nosso cérebro profundo corre um programa que traça cuidadosamente a fronteira entre o “bom” e o “mau” no mundo tal qual o percepciona, independentemente da nossa vontade.

Vejamos agora a questão do “chumbo”


(conclui no próximo)

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Educação 1: O Grande Inconsciente



Tenho uma posta do Tulito retida já há algum tempo, pois considerei que não era adequado a este período; apenas a seguir ao dia de reis, depois de as pessoas terem arrumados o presépio, a árvore de natal, os enfeites, acabado os restos do bolo-rei, as últimas filhós e rabanadas, é que publicarei tal posta. Isto porque só nessa altura as pessoas trancam novamente as janelas da alma que se atreveram a entreabrir pelo Natal.

Entretanto, tenho aqui algo diferente para postar. Alguns dos blogues que eu visito são de professores, onde naturalmente vem à baila o problema do “chumbo”. No “
As minhas Leituras” comprometi-me a fazer uma posta sobre o problema. Aqui vai o que eu penso. Creio que ajuda a entendermos um pouco melhor certas caracteristicas do ser humano, pelo que estou certo que a Alita convencerá o Tulipo a perdoar-me... mas notem que eu não sou especialista nesta matéria, não sou o Mário, nem o Jorge, sou apenas o Alf...

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Neste mundo “Plug & Play”, os equipamentos são muito inteligentes – por exemplo, liga-se a “pen”, ou a máquina fotográfica, na porta do computador e ele imediatamente “reconhece” o dispositivo. Ainda há limitações, ainda é preciso ligar um cabito, ou nalgumas situações, como fazer uma rede, é preciso dar algumas instruções. Algumas pessoas reclamam, ainda não faz tudo sozinho, não adivinha todos os nossos pensamentos; mas para lá caminhamos.
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São muito inteligentes? Na realidade não. A inteligência que torna isso possível é a dos milhares de pessoas que trabalham para que assim seja. Todo o “conhecimento” dos nossos equipamentos é fornecido por humanos, descarregado através da internet. Estes nossos equipamentos domésticos são incapazes de comunicar com um dispositivo desconhecido – se não tivermos o “driver”, se ele não estiver disponível na Net, nada feito! E os diversos dispositivos têm de ter “portas” normalizadas, é claro.
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A “inteligência” e o “conhecimento” dos equipamentos que construimos, por enquanto, são a do seu criador, isto é, nós. Face a uma situação não conhecida, não definida previamente, são incapazes prosseguir. Alguns até podem "aprender", mas apenas aquilo que já estão programados para aprender. Lidar com algo desconhecido é ainda impossível para os nossos equipamentos.
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Nós, humanos, não somos assim tão diferentes; afinal, vimos equipados para comunicar uns com os outros, pode-se dizer que temos as “portas” necessárias a esta comunicação e os respectivos “drivers”, que nos permitem criar uma linguagem de comunicação. Mas, contrariamente aos nossos equipamentos, somos capazes de interagir com o mundo exterior em geral. Onde vamos buscar o conhecimento para isso?
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Uma coisa parece certa: não dispomos desse conhecimento a priori. Só sabemos que o fogo queima depois de pormos a mão no lume. Nenhum Criador, nem nenhum gene, nos deu o conhecimento a priori deste mundo em que existimos (o que não quer dizer que, pontualmente, não possamos obter conhecimento de uma forma que não sabemos explicar – pelo menos o Jorge está certo disso).
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Como não estamos dotados de um conhecimento a priori, teremos de estar preparados para descobrir este desconhecido mundo. Somos, portanto, exploradores do Universo.
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Como é que fazemos isso?
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A descoberta do Universo começa à saída do útero materno, quando arranhamos a cara com as unhas; prossegue quando damos uma queda e descobrimos, com surpresa, que faz dói-dói; pomos a mão no fogo, queimamo-nos, aprendemos que não devemos pôr a mão no fogo, não pomos mais a mão no fogo; descobrimos assim que há coisas “más” e percebemos que temos de saber quais são, onde está a fronteira do “mal”.
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Para funcionarmos na nossa sociedade é necessário que aprendamos um conjunto de regras e adoptemos um conjunto de procedimentos complexo. Isto não pode ser aprendido empiricamente, não podemos aprender a não roubar como aprendemos a não pôr a mão no fogo ou a não cair. Como podemos então aprender estas coisas sem ser por via empírica?
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Esta aprendizagem é o que se chama de “educação”. Basicamente, aprendemos isto associando a cada comportamento um prémio ou uma penalização. Ou seja, por via empírica na mesma, mas indirecta, tipo “reflexo de Pavlov”.
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Um prémio ou uma penalização??? Então não temos nós a Razão para nos dizer o que devemos ou não fazer?
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A Razão é muito importante, mas não tem o poder de nos comandar. Quem nos comanda é o Inconsciente – uma espécie de computador que temos na cabeça que opera numa linguagem-máquina que desconhecemos e que decide se fazemos isto ou aquilo. Através da Razão podemos aprender Matemática, Ciências, Contabilidade, muitas coisas, mas não é a Razão que determina o nosso comportamento.
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Isto é algo que a generalidade das pessoas se recusa a aceitar, o elevado conceito que fazemos de nós próprios não o permite.
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O Inconsciente não obedece à Razão; tem os seus mecanismos próprios de obter informações do mundo exterior, de construir o seu modelo de realidade, e de decidir em função desse modelo e da sua matriz afectiva, definida geneticamente ou dependente de factores que a Razão desconhece.
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A Razão pode ser usada para tentar convencer o Inconsciente disto ou daquilo, mas o Inconsciente não se deixa enganar facilmente: ou o que a Razão diz corresponde às suas informações e às coisas que o Inconsciente já anteriormente aceitou como verdade, ou então ele rejeita. Note-se que o Inconsciente não é casmurro, simplesmente desconhece o que seja obediência – não aceita um “porque sim”, tudo tem de ser logicamente consistente, no quadro do seu Modelo de Realidade. O pavloviano reflexo condicionado não é uma resposta estúpida e automática, é uma resposta inteligente, que mostra a existência de um processo de aprendizagem.
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É por isso que, por exemplo, se torna difícil deixar de fumar: para o Inconsciente o tabaco não faz mal, os seus sentidos não lhe dão essa informação relativamente ao tabaco, é apenas a Razão que lha dá, logo o Inconsciente ignora essa informação da Razão. E é por isso que uma forma de ajudar as pessoas que querem deixar de fumar é através de exemplos de malefícios do tabaco que penetrem directamente no Inconsciente. O mesmo em relação ao uso do preservativo.
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Um problema das normas de segurança é que as pessoas têm de ser sistematicamente treinadas no seu uso e penalizadas pelo seu incumprimento. Um trabalhador que usa capacete há uns anos e nunca serviu para nada, “aprendeu” que o capacete é inútil e deixará de o usar a menos que esteja sujeito a uma penalização imediata.
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Todos sabemos que o cinto de segurança salva vidas. Mas digam-me: usariam sistematicamente o cinto se a polícia não multasse? Alguns até poderão pensar que sim, mas não é verdade, ao fim de algum tempo deixariam de usar. Precisamos de sobreviver a um acidente para que o Inconsciente possa aprender, pelos seus mecanismos próprios, que o cinto faz falta. Na ausência disso, é preciso a Penalização pelo seu não-uso. A Razão é praticamente irrelevante no processo.
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Lembram-se dum filme recente em que um homem se torna invisivel e depois começa a fazer todo o tipo de crimes? Isso não é propriamente ficção, é assim que nos comportamos quando nos sentimos impunes. É por isso que as claques assaltam as estações de serviço onde passam, ou grupos de turistas tendem por vezes a actos de vandalismo no estrangeiro. É por isso que o Poder corrompe.
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O que a Razão faz é sobretudo construir argumentos que justifiquem as decisões que o Inconsciente já tomou. A Razão funciona a posteriori, mas cria-nos a ilusão de que o nosso comportamento tem a base racional que construímos para o justificar.
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Esta é a primeira coisa que é preciso ter presente: a Razão do educando quase não conta no processo educativo básico! Educar é estabelecer um diálogo com o Inconsciente. Para educar é preciso ser capaz de comunicar com o Inconsciente dos educandos, saber usar as “portas”, ter os “drives”.

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Vamos agora alinhar umas ideias sobre “educação”.